Vai chegando dezembro e com ele todo o frisson do natal.
Criada por uma mãe cristã o natal sempre foi um dia bonito pra mim. Hora de
estar com a família, participar da missa do galo e depois voltar para casa,
onde estariam os presentes deixados pelo bom velhinho. Mas, apesar de ganhar
presente ser bom, lá em casa, o que sempre ocupou o centro da cena foi o
presépio. A mãe gostava de montar a cena do nascimento de Jesus logo no fim de
novembro e toda família participava. Por isso, ao longo da vida, me fiz
presepista, e o natal para mim é celebrar o aniversário de Jesus.
Tenho horror a ideias totalitárias de povo escolhido, que
nos dividem e matam. Penso que os deuses nada mais são do que redes que nos
amparam quando tudo a nossa volta desaba. E não é sem razão que os criamos,
afinal, somos tão frágeis, tão afeitos a desmoronamentos e tão precisados de
muletas que nos ajudem a andar nessas horas noas.
Assim, nesse universo do sagrado, gosto de Jesus.
Encantam-me as parábolas contadas pelos evangelistas, encantam-me seus
ensinamentos sobre o amor, o perdão, a alegria, a partilha. Pouco se me dá se
existiu ou não. Gosto de ler suas palavras e o tenho como um bom amigo
imaginário, com o qual entabulo longas conversas.
Assim que no natal eu preparo seu dia, como um dia mesmo de
aniversário. Não espero Papai Noel, muito menos presentes. Espero o gurizinho
palestino, possivelmente tão igual a esses que hoje vivem lá naquelas terras,
com graúdos olhos de azeviche e pedras na mão, enfrentando tanques. Monto o
presépio e o deixo ali, em meio aos bichos, deitado na caminha de palha, com os
pezinhos pra cima, balançando no ar.
Mas, outro dia ouvi de um amigo sobre outra tradição que
existe na cidade vizinha, Santo Amaro, e me encantei. Diz ele que lá, na noite
de natal, o povo deixa, do lado de fora
da casa, um pouco de capim para alimentar o burrinho que vem, conduzido por
José, trazendo Maria com o bebezinho dentro dela. Achei de uma delicadeza
abissal. Pensar que alguém, diante da cena tão grandiosa do nascimento do
Cristo, tenha se preocupado com o bem estar do burrinho, faz assomar em mim
profunda ternura.
Assim que esse ano, além de montar o presépio, também vou
deixar o capim, incorporando à tradição esse cuidado com o animalzinho. E tal
como o riso do menino, que sempre escuto, esperarei ouvir ainda o mastigar
cadenciado do burrinho que permitiu que Jesus chegasse em segurança até a
manjedoura. Essa criatura doce que trouxe até Belém o casal de refugiados, os
fugitivos. E, para o meu deusinho vou contar do Maicon, esse guri de Santo Amaro
que me contou essa linda história e que agora partilha comigo o sonho da Pátria
Grande. E, juntos, entre vinhos e risadas, vamos vibrar no amor e na ternura,
para que venham bons e alegres dias para todos nós.
Que venha o natal...
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