Alzheimer/Velhice

sábado, 26 de setembro de 2015

Os bebês


O dia mal ia vencendo a noite e ouvi os gritos no portão. Meu nome sendo chamado numa voz apressada. Já era hora de acordar e levantei depressa. Do outro lado me esperavam três crianças de olhar assustado.

- Que foi?
- A nossa cadela deu cria, mas o pai disse que vai matar todos os filhotinhos. Por favor, por favor, fica com eles.

Primeiro relaxei. Não era nenhuma desgraça. Mas, no semblante dos três a impressão era de que o mundo ia se acabar.

- Quantos são?
- Quatro.

Argumentei que tinha os gatos, que eles não iriam gostar, e que os cachorros também poderiam estranhar. Enfim, não podia ficar com os bichinhos. Mas do outro lado, só aquelas carinhas e um repetido "por favor, por favor". De novo ponderei que os bichinhos, que tinham nascido naquele instante , não poderiam ficar sem a mãe. Ela tinha de vir também para dar de mamar. "Tudo bem, a gente traz. O pai não quer mais ficar com ela também. Ele vai matar eles, por favor, por favor".

Aquela altura  já estava toda a minha família (que não é essa da Câmara) no portão, acompanhando o drama. Meu companheiro relutava em deixar ficar os bichos, afinal, já tínhamos outros que escolheram nossa casa para morar. Mas, quem podia resistir ao pedido desesperado daqueles três pequenos?  Os guris já se aviavam arrumando um canto para os filhotes. "Tá bom, traz eles, mas vamos por para a adoção". E o riso veio aliviado na cara deles. Nem ouviram o que eu dizia, saindo correndo para pegar os bichinhos.

Logo estavam ali com os filhotes dentro de uma bacia. Quatro fofuras mais a mãe, uma cadelinha estranhinha e saltitante. Foi ela entrar e perturbar todo o ambiente. Os gatos saiam correndo, os cachorros latindo. Senhor! Que tumulto... Mas, os garotos eram só alegria, os filhotinhos viveriam.

Agora os bichos estão aqui. A Mel amamentando os filhotes, e os cachorrinhos tentando sobreviver nesse mundo tão vazio de amor. Dois dos bebezinhos morreram, não sei porquê, mas os outros dois estão seguindo, fortinhos e barulhentos. Os gatos, que corriam amedrontados, já se acostumaram com a Mel e até arriscam lamber os cãezinhos. Os cachorros acolheram a Mel como se fora uma namorada. Fazem carinho e compartilham a ração sem rosnar. Os garotos vêm todos os dias depois da escola ver os filhotes, fazer carinho e conversar. O maiorzinho até ofereceu vender uns livros que tinha para ajudar na ração. Declinei. "Onde comem dois, comem três. Vai ficar tudo bem". A Mel já pula na minhas pernas e eu nem sei mais se posso ficar sem ela.

Do alto do meu altarzinho de belezas, Francisco, o santo, sorri.

Essa é a vida, nossa cotidiana vida...


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