Alzheimer/Velhice

sábado, 22 de agosto de 2015

A luta de classes no funcionalismo público



Lá se vão três meses de greve nas universidades e o governo federal insiste em não garantir, nem reajuste, nem aumento real para os técnico-administrativos. Desde o início da mobilização, em junho, a proposta tem sido a mesma: 21% dividido em quatro anos, ou 10% divididos em dois. Nas duas propostas, o índice anual deverá ficar em torno de 5%, ou seja, abaixo da inflação. Nesse caso, os trabalhadores já saem da greve perdendo. Não bastasse isso os trabalhadores ainda tem de ouvir, por parte de jornalistas a soldo do poder, ou da sociedade mesma, que eles são os vagabundos e os que não querem negociar.

Na verdade, seria bem legal se as pessoas pudessem compreender que mesmo na categoria dos funcionários públicos, a luta de classes se expressa de maneira muito clara. Ou como diria Orwell, há funcionários públicos que são mais iguais que outros.

Um exemplo: os juízes. Essa categoria é de funcionários públicos, eles servem à república e são pagos pelo dinheiro público, assim como os técnicos das universidades. Esse pessoal não faz greve, é considerado gente de bem e jamais seria colada neles a etiqueta de vagabundos. Mas, veja a diferença: com dois anos de atividade o cargo de juiz já passa a ser vitalício e o salário inicial da profissão gira em torno dos 20 mil reais. Só que com gratificações e outros benefícios - que podem passar de 32 itens - o salário pode subir para 40 e chegar até 150 mil. Eles tampouco precisam de data-base porque, na verdade, definem o próprio salário.

Outro exemplo: os deputados. Esses senhores e senhoras que votam os projetos de lei que definem os salários dos trabalhadores públicos de vários órgãos também são funcionários públicos. E o salário deles é pago pela mesma fonte: o tesouro nacional. Assim como os juízes são eles que definem o próprio salário e esse ano o valor do soldo é de 33 mil reais. Somado a outros benefícios e penduricalhos que eles mesmos criam, um único deputado pode custar até 140 mil reais à nação. Também eles não precisam de data-base, pois podem reajustar os vencimentos quando acharem por bem. Obviamente não fazem greve e estão no rol das pessoas de bem.

No caso dos técnico-administrativos das universidades o salário base pode variar de 1.086 reais no nível intermediário até 7.000 reais, em fim de carreira do nível superior. E ao contrários dos juízes e dos deputados, não são eles os que definem seus salários. É o governo que diz quanto e quando vai pagar. Porque tampouco existe uma data-base como no universo privado. Os trabalhadores precisam mobilizar e fazer greve cada vez que reivindicam reajuste ou aumento.  

Nessa mesma situação estão os professores, os trabalhadores da saúde, da previdência, da agricultura, enfim, os demais funcionários públicos. E, tirando as carreiras que o governo considera estratégicas, como a dos trabalhadores da Receita Federal e da Justiça, todos amargam salários bem baixos se comparados aos de seus outros colegas juízes e deputados.

Essa gente toda é a mesma que sofre todo o tipo de violência por parte da mídia e da sociedade, sendo sistematicamente considerada parasita do dinheiro público. No limite, ainda são condenados pelos colegas juízes que são os que julgam as greves, no mais das vezes considerando-as "abusivas".  

E é assim que caminha a humanidade no reino do funcionalismo público. Os mais explorados são os que viram vilões.

Na última reunião com o governo, nessa sexta-feira,22, os trabalhadores técnico-administrativos saíram outra vez com as mãos abanando. No chamado "diálogo", o governo insiste em não abrir para qualquer reivindicação que implique dinheiro. Se quiserem, que aceitem os 5% em 2016 e outros 5% em 2017. Se não, vão ganhar isso mesmo, porque quem decide o quanto é o governo. Fora isso, aceitam fazer novas reuniões para discutir temas pontuais que já estão na mesa há anos.  Mas é só.

E, assim, enquanto os outros colegas vão definindo seus soldos e ganhando para mais de 100 mil reais, sem que a sociedade se assombre, os TAEs seguem sua jornada de luta, batalhando pela vida e pela manutenção da universidade pública. Sabem que a mídia fabrica o consenso sobre eles, chamando-os de  vilões, mas não se rendem. E é por causa de gente assim, como esses trabalhadores públicos, que a universidade ainda se mantém pública, apesar de tantos ataques e pequenas privatizações. 


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