Reunião do conselho
universitário discutiu regras da eleição para a reitoria
O conservadorismo
que volta a se mostrar de forma explícita nas ruas e nas redes
sociais, também se apresenta na UFSC em todas as suas cores. E, nada
melhor do que uma reunião do Conselho Universitário para se
perceber isso. Na terça-feira, dia 17, a discussão foi sobre as
eleições para a reitoria. Desde há meses vêm se movimento pela
universidade um grupo de professores que quer o retorno da
porcentagem 70/30 para a escolha do reitor ou reitora. Os professores
pregam a “legalidade” uma vez que a Lei de Diretrizes e Base
determina que os professores tenham peso maior no processo decisório,
garantindo a eles 70%, com os técnicos administrativos e os
estudantes dividindo os 30% restantes.
A LDB, como sabem,
foi votada nos anos 90, com um substitutivo do então senador Darcy
Ribeiro, que atropelou mais de 20 anos de discussão e construção
coletiva. Nesse substitutivo foi mantida essa regra inconstitucional,
pois não há nada que justifique o voto de alguém valer mais ou
menos. Que justificativa pode ser apresentada para que os professores
sejam considerados “superiores” a técnicos e estudantes?
E foi justamente
essa resposta que se tentou responder no Conselho Universitário.
Qual argumento plausível para que o voto do professor valha mais?
Não faltou quem respondesse com clara tranquilidade. O professor
Daniel Martins defendeu que os professores decidissem a vida da
universidade porque era assim que acontecia nas universidades de
ponta de todo o mundo. Também defendeu a meritocracia, dizendo que
um docente que estudou mais tinha mais direito do que quem estudou
menos. E também comparou a universidade com a família, apontando
que na sua casa não havia democracia. Chegou a dizer que se
orgulhava da meritocracia, ratificando que preferia trabalhar numa
universidade estrangeira de qualidade – onde os professores definem
o administrativo – do que numa universidade do Amazonas.
O professor Rogério
Portanova também defendeu que mesmo entre os professores deveria
haver diferença. Um professor iniciante – argumentou – vale
menos do que um com doutorado. “A democracia garante igualdade de
tratamento, mas temos de levar em conta o mérito”. E bueno, se até
entre os seus pares ele defende diferença no voto, que sobrará para
TAEs e alunos?
Outros não foram
tão explícitos e verdadeiros como os professores mencionados, mas,
seja no silêncio ou nas falas dúbias, também defenderam que os
professores são os mais capacitados para definirem os destinos da
universidade. E o argumento é o mérito pelo estudo. Um argumento
furado, pois não é o estudo em determinada área que faz de alguém
capaz de administrar uma universidade. E, não bastasse isso, a
democracia é uma bandeira tão defendida que até mesmo o MEC já
acatou em vários documentos a consulta informal – eleição
realizada pelas entidades – como legítima para a escolha do reitor
ou reitora.
Outros conselheiros
defenderam o voto paritário como um degrau na consolidação da
democracia dentro das universidades. Os votos das três categorias
valendo de maneira equitativa, 1/3, 1/3 e 1/3. Isso significa que há
um melhor equilíbrio de forças ainda que o voto dos professores
siga valendo mais do que o de um técnico e o dos técnicos mais do
que o de um estudante.
E ainda houve quem
defendesse o voto universal, como os técnicos e os estudantes, para
quem uma pessoa vale um voto, sem qualquer diferenciação. Não há
argumento que se sustente na defesa do voto majoritário dos
professores. Dizer que os alunos são passageiros e não teriam
interesse no processo é uma mentira. Quem faz um curso superior está
sempre conectado a sua universidade, pode voltar, fazer uma
especialização, uma pós-graduação, se importa com o seu destino.
Os trabalhadores técnico-administrativos estão na instituição
pelo mesmo tempo que os professores e estão cada vez mais
qualificados. E mesmo que não aprofundassem os estudos, quem garante
que eles não teriam capacidade para definir um voto? O professor
Paulo Horta chegou a dizer que os estudantes e os técnicos não eram
“engajados o suficiente” para ter peso igual ou equilibrado com o
professor. Depois, confrontado pelo TAE Luciano Agnes, redefiniu sua
fala dizendo que era preciso haver paz entre as categorias. Mas,
enfim, quem está fazendo guerra?
Os estudantes também
se manifestaram mostrando as incoerências dos argumentos
meritocráticos. “Que qualidade pode ter um professor que forma um
aluno que ele mesmo considera incapaz para o voto?”, E lembraram
que o Conselho Universitário, enfim, não é o campo das lutas. Ali,
onde também imperam os professores em maioria avassaladora, não é
espaço democrático. As grandes batalhas se dão com a mobilização
dos estudantes e trabalhadores.
E a tarde caminhou
nessa interessante batalha de ideias, a qual teve também ameaças
veladas de intervenção via justiça, caso se votasse pela consulta
informal e paritária, como sempre foi na UFSC. Falou-se ainda em
instabilidade institucional e coisa do gênero, bem ao gosto do mais
espantoso conservadorismo.
Ao final havia três
propostas na mesa. Uma que orientava a eleição informal e
paritária, conduzida pelas entidades, outra que arquivava o
processo, deixando sem qualquer indicação o tema e outra que
reivindicava que o Cun fizesse a consulta formal – o que pela lei
teria de ser com o percentual 70/30. Como a terceira proposta ficou
dúbia, porque não se sabia que se propunha o 70/30 ou se orientava
para o paritário, fez-se a votação – nominal - das duas
propostas iniciais. O resultado foi 28 votos para a proposta da
consulta informal e paritária, e 15 pelo arquivamento. A terceira
proposta acabou não sendo votada pois se entendeu que já estava
superada com a primeira votação, que indicava as entidades para
comandar o processo.
Com essa decisão, a
eleição para a reitoria da UFSC segue sendo como sempre foi,
organizada pelas entidades. Mas, a história parece que não
terminará por aí. A Apufsc, que representa os professores é quem
está puxando a retomada do 70/30 e já divulgou que não
participará. Outros falam em buscar na justiça a aprovação para a
eleição em 70/30. O grupo de alguns “iluminados” professores da
UFSC insiste que os mesmos são mais iguais que os TAEs e os
estudantes. Essa guerra ainda promete muitas batalhas.
A reitora Roselane Neckel, bem como os pró-reitores votaram pela proposta um, de consulta informal e paritária.
A reitora Roselane Neckel, bem como os pró-reitores votaram pela proposta um, de consulta informal e paritária.
Para quem vive o
cotidiano da UFSC, esses debates de fundo que o Cun realiza são
realmente fabulosos, porque permitem que as ideias se expressem com
claridade, mostrando como ainda falta muito para que a democracia
realmente seja entendida como um espaço de igualdade, de respeito
pelo outro e de liberdade.
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