Não sou petista e tenho fortes críticas aos governos Lula e Dilma. Tendo votado no PT em 2002 e esperando que o governo avançasse em, pelo menos, algumas questões estruturais, acabei sendo uma das lideranças sindicais de esquerda ( à época estava na coordenação do SINTUFSC), que, logo em seguida da posse – três meses depois – já denunciava o grande golpe dado nos trabalhadores públicos com a contra-reforma da Previdência. Assim, deixando claro aos provocadores de plantão, tenho, desde então, observado com olhar crítico a ação governamental petista, e não posso deixar de dizer que muito me incomoda essa enxurrada de bobagens – obviamente eleitoreiras - que tem sido ditas nas redes sociais sobres os males do nosso país.
As pessoas estão morrendo nos hospitais. Não é “culpa” do PT. Também, mas não só. Desde sempre, nos sucessivos governos da República, e antes, do Império, que a saúde das populações empobrecidas está entregue às moscas. Os hospitais sempre estiveram lotados e sem condições de atendimento, porque os municípios – governados pelos mais diferentes partidos - administram mal a política de saúde, com postos sem médico e precariamente equipados. A educação vai mal. É verdade! Mas, quando não foi? Desde quando que os pequeninos das comunidades rurais, ou das áreas urbanas empobrecidas tiveram condições reais de estudar? Em qual governo isso se deu?
As grandes cidades se enchem com as chuvas? Obviamente. Desde o início do processo de desenvolvimento urbano que a organização das cidades não respeita o leito dos rios, córregos e ribeirões. Mas, quantos foram os governo que sucessivamente passaram, apostando nessa lógica insana do crescimento a qualquer preço, sem levar em consideração a realidade da natureza?
O PT tem a sua cota de responsabilidade, é claro. Esperava-se que por vir de raízes populares tivesse outra forma de lidar com os problemas. Mas, não aconteceu. Apesar de ao longo dos governos de Lula e Dilma terem crescido as políticas sociais voltadas aos empobrecidos, o governo petista não tocou nos grandes nós estruturais. Muita gente saiu da miséria absoluta, e isso é coisa louvável. As políticas de distribuição de renda, ainda que ínfimas, em alguns lugares e para algumas famílias significam a linha entre a vida e a morte. Mas, ainda são políticas compensatórias que raramente emancipam.
Milhares de jovens no interior desse país agora podem cursar a universidade. É um fato. Os governos petistas criaram universidades em lugares inauditos, inimagináveis. E propiciaram que outras tantas faculdades privadas surgissem nas cidades mais longínquas. Como negar a importância disso? O ensino não tem muita qualidade, os empresários da educação enchem seus bolsos, mas alguns jovens que jamais teriam oportunidade de cursar o terceiro grau, o estão fazendo. Precariamente, é certo, mas há os que se superam e vão adiante. Sempre fiz a crítica às políticas de engordamento do bolso privado e sigo fazendo. Mas, já me emocionei com famílias amigas que foram ver a formatura de seus filhos, coisa impensável até alguns anos atrás em uma cidade como Cristalina, interior de Goiás, ou João Pinheiro, interior de Minas. Também é importante a consolidação da política de cotas, que trouxe os negros e os índios para dentro dos muros das universidades, obrigando uma das instituições mais fechadas do país a se confrontar com a cara real das gentes brasileiras.
Só que as coisas boas – poucas, porque permeadas de complexidades - que se podem apontar no governo petista não são suficientes se realmente queremos um mundo diferente. Precisamos de um estado que enfrente o modo de vida capitalista. Precisamos de governantes que balancem as estruturas, que sejam capazes de mudar as coisas, na sua raiz. Então, se alguma “culpa” o PT tem é a de não ter pego o bonde da história, aquele que produziria a mudança, coisa que poderia ter feito, tamanha a popularidade de Lula no primeiro mandato. Em vez disso, o governo se manteve nos limites da “governabilidade”, adoçando os lábios da pobreza, enquanto segue alimentando com manjares a voracidade dos capitalistas, dos grandes empresários, dos donos de terra. Comporta-se como os demais, embora permita uma certa distribuição de renda via políticas públicas.
Por isso não acho justo atribuir ao PT a “culpa” pelos males do país. Esses problemas estruturais estão aí desde a colônia e temos de seguir fazendo frente a eles, com críticas e propostas. Por conta disso sinto-me muito confortável para criticar as políticas governamentais sem correr o risco de me assentar do lado direito da “assembleia”, que seria o lugar dos conservadores dos reacionários. Não o sou. Por outro lado, não consigo permanecer impávida diante da crítica daqueles que durante toda uma vida chuparam o sangue dos brasileiros e que agora querem fazer crer aos incautos e desinformados que todos os males - que eles mesmos ajudaram a aprofundar – são de única responsabilidade do governo que aí está. Não reconheço essa crítica e não aceito.
Essa semana, durante o Encontro Nacional de Economia Política (ENEP), uma economista, defendendo as políticas do governo petista, dizia: “prefiro apoiar esse governo, que consegue implementar pequenos avanços, porque nele posso ter mais chance de arrancar coisas melhores”. Fiquei a pensar e cheguei a conclusão de que não concordo. Um governo do PSDB, do DEM, ou do PP não me servem, porque eles estão claramente comprometidos com a elite e não são capazes de fazer qualquer concessão à maioria. Mas o governo petista, bem como o de seus aliados, PMDB e PC do B, também está ajoelhado diante da elite, sem coragem de dar passos mais ousados. Teve a chance. Não o fez. Logo, não pode representar nada além disso que já está aí. E, como disse, até fez algumas coisas boas, mas absolutamente insuficientes no sentido de uma mudança real de paradigmas.
Assim que ainda estamos diante do desafio de encontrar outro caminho, que, creio, certamente não passa pela via eleitoral. Como bem definiu o economista Marcelo Carcanholo, também no XIX ENEP, não podemos ter como horizonte administrar o estado capitalista dependente, porque ele seguirá exigindo o que o sistema determina. E, nesse espectro, o governante tem pouca margem de manobra. Passinhos de formiga. É o caso do governo atual.
Então, nesses dias que antecedem a Copa e as jogadas eleitorais, é hora de refletir sobre o mundo que queremos, ancorados nas nossas utopias. É esse lá-na-frente, ainda não chegado, mas possível, que precisa servir de bússola para nossa ação. Mas, a crítica, necessária, deve ser, sobretudo, honesta. Nesse sentido, todo meu repúdio aos vilões do amor, que desde a chegada das caravelas estão se banqueteando com as riquezas alheias. A eles, nenhuma concessão.