Alzheimer/Velhice

sábado, 24 de maio de 2014

Luta por escola mostra o autoritarismo do governo de Santa Catarina

Eduardo Perondi - professor 

Quatro professores da rede estadual estão afastados de suas funções de ensino, respondendo processo administrativo, pelo simples fato de que se colocaram junto à comunidade do sul da ilha, em Florianópolis, na defesa de uma escola capaz de abrigar alunos e professores com um mínimo de qualidade.  

A história começa na Escola João Gonçalves Pinheiro, que fica no bairro Rio Tavares, desde há muitos anos sucateada e em precárias condições.  Infiltrações, esgoto à céu aberto,  estrutura desmoronando, falta de espaço para novos alunos e consequente falta de vagas.  A situação gerou lutas na comunidade e o governo prometeu uma escola nova, que deveria ter sido concluída em 2010. Não foi. O prédio custou a subir e quando subiu veio com um problema adicional. A escola nova ficaria colada ao terminal de ônibus do Rio Tavares. É que quando o projeto foi criado ali não havia o terminal e ninguém poderia prever que as janelas das salas de aula ficariam voltadas para as plataformas.  Os argumentos foram levantados, mas ninguém foi ouvido. Não houve mudança no projeto e a escola começou a ser erguida conforme o projeto original. Tudo bem, esse seria um problema para ser pensado no futuro.

Mas, as coisas começaram a demorar. A obra seguia lentamente e nada de terminar. Por outro lado, o velho colégio  se deteriorava, a ponto de ser praticamente um perigo estar ali dentro. Pais, alunos e professores começaram a se mobilizar. Fizeram reuniões, manifestos, protestos, exigindo que o governo apressasse o andar das obras, visto que o tempo passava e nada de prédio novo. Passaram-se quatro ano anos e nada, No final de 2013, a movimentação voltou a crescer dentro da escola. Novas reuniões, assembleias, manifestos. Ou o governo terminava a escola ou as atividades na João Gonçalves Pinheiro iriam parar. 

Quando o ano letivo de 2014 começou a nova escola não estava pronta. Mais uma vez os pais e reuniram e decidiram que não enviariam os filhos para a escola velha. Ou o governo entregava o prédio, ou teria que arcar com o ônus de impedir  - por absoluta falta de condições – o ensino de mais de 600 crianças e adolescentes. Os professores da escola, que participaram de todo o processo, concordaram em acatar a decisão da comunidade que se fez representar maciçamente nas reuniões. E é aí nesse ponto que começa a ação autoritária do governo de Raimundo Colombo, bem como do Ministério Público.

Rebelião de pais e alunos

Com a decisão dos pais em não enviar os filhos para a escola o ano letivo não começou na Escola João Gonçalves Pinheiro, provocando a reação do governo. Mas, em vez de dar aos alunos e pais a segurança de um espaço capaz de viabilizar o ensino com qualidade, a Secretaria de Educação pediu a intervenção do Ministério Público. Esse, em vez de exigir do governo a escola – que já atrasava em quatro anos  - ameaçou os pais. Caso não enviassem os filhos para a escola, seriam processados. Não bastasse isso, o governo estadual decidiu destituir a direção da escola, que compartilhava da decisão dos pais, e nomeou dois interventores. 

Só esses fatos já seriam dignos de repúdio, uma vez que as famílias e os professores estavam querendo garantir o cumprimento da promessa feita pelo governo, bem como proteger os alunos. Mas as coisas ainda ficaram piores. Tão logo chegaram os interventores, eles decidiram por “cortar a cabeça” dos professores que seguiam denunciando o golpe dado na democracia escolar e comunitária. Assim, enquadraram quatro deles em um processo administrativo e proibiram os mesmos de darem aula até que o processo termine. “O que nós estávamos fazendo era dar consequência a uma decisão da comunidade. Não foi coisa da nossa cabeça. Os pais se reuniram várias vezes, discutiram muito. Teve assembleia com até 300 pais, foi muito representativo. Eles não queriam que os filhos seguissem em risco na escola velha. Essa decisão tinha de ser respeitada. Mas, o governo preferiu punir os professores que estavam apenas lutando por melhorias e por mais vagas. Um golpe na democracia”, argumenta o professor Eduardo Perondi, um dos processados. “Na verdade, eles quiseram desmobilizar as pessoas para que ninguém mais reclamasse  do autoritarismo instalado ali”. 

Só que, como sempre acontece, os poderosos negam, acusam, prendem, punem e, depois, acabam tendo de fazer exatamente aquilo que as pessoas em luta demandaram. E foi assim que, finalmente aconteceu a mudança para a nova escola, ainda que o prédio não esteja totalmente pronto. Por outro lado, seguem atuando os interventores e seguem processados os professores. A nova escola já apresenta suas debilidades. As salas de aula estão voltadas para o terminal de ônibus e os alunos enfrentam o barulho, a poluição e a falta de atenção. Eduardo acredita que esses problemas terão consequências no processo pedagógico, mas avalia que devem ser enfrentados no debate democrático, na parceria com os pais. A comunidade mostrou que está preocupada com o ensino dos filhos e é certo que continuarão a acompanhar. A escola nova, por si só, não garante o bom ensino. E, essa, em particular, tem sido um bom exemplo para mostrar como atua o poder instituído, como a comunidade não é respeitada nas suas decisões. De certa forma, é pedagógico. 

Os professores, processados por lutarem pelo direitos dos alunos esperam que a comunidade esteja junto no acompanhamento do processo e que, igualmente, não aceite esse ato arbitrário e fora de propósito.  Justamente no ano em que se lembra os 50 anos do início do tenebroso período do regime militar, marcado pelo autoritarismo, violência e completa falta de democracia, é quase um despropósito que esses educadores sejam afastados de suas atividades justamente por acompanharem uma decisão democrática dos pais dos alunos. 

E essas são as histórias que se escondem atrás dos muros das escolas estaduais, sem que a imprensa comercial divulgue uma linha. Basta que a comunidade se levante em luta, que professores se aliem aos desejos de pais e alunos por uma escola digna, que lá vem o estado, aplastando tudo. A educação segue sendo um privilégio de poucos... Aos empobrecidos, sobram as migalhas, a violência, o autoritarismo e abafamento das ilusões. 

Ouça a entrevista com o professor:

http://www.iela.ufsc.br/uploads/docs/205_eduardo.professor.mp3


quarta-feira, 21 de maio de 2014

Estudantes de Libras e trabalhadores: aliados na luta









Uma greve de trabalhadores, mesmo quando não tem suas pautas atendidas, nunca é um movimento derrotado.  Durante os dias de paralisação, pessoas de setores diferentes se conhecem, laços são criados, alianças são feitas. Mas, sobretudo, quando uma categoria se levanta em rebelião, ela pedagogicamente anuncia que a luta é coisa possível, mesmo nas conjunturas mais desfavoráveis. Assim, outros trabalhadores que se sentem oprimidos, ou que adormecem demandas, se encorajam, e também se levantam. Foi isso que os TAEs (trabalhadores técnico-administrativos em educação) da UFSC viveram nessa quarta-feira gris (dia 21).

O dia começou cedo para os grevistas, afinal estava definido o fechamento de alguns setores, o que precisava de uma boa logística e gente disposta e enfrentar o descontentamento dos colegas que ainda estão trabalhando. Mas, tudo correu bem. Uma das principais fundações que vivem dentro da UFSC foi interditada e os trabalhadores que chegavam para mais um dia de labuta, espiavam a movimentação e logo iam embora. Houve cara feia, raiva, mas não houve conflito.

A manhã corria tranquila nos pontos de fechamento quando chegaram, em frente à reitoria, os alunos do curso de Libras (língua de sinais), acompanhados de alguns professores e técnicos-administrativos que atuam como tradutores. Eles vinha se somar à greve dos TAEs. Traziam cartazes e faixas contendo suas reivindicações. Querem mais tradutores/intérpretes e exigem que os trabalhadores contratados sejam de nível superior. É que, atualmente, o MEC só autoriza contratação de trabalhadores de nível médio para esse tipo de serviço. “É um contrassenso formar gente no melhor curso de Libras do país, e já condenar os formando a um emprego no qual eles não poderão usar sua formação. A UFSC, como pioneira e considerada a melhor do Brasil na área deveria sair na frente e assumir a contratação de gente formada em Libras na categoria E (que é a de nível superior)”, reclamavam. 

Todo essa demanda faz parte de um conflito que existe entre o MEC e os Libra-falantes no que diz respeito a interpretação da lei. Segundo os profissionais formados, a lei sobre contratação de trabalhadores públicos nas universidades não impede que eles sejam as mesmas sejam como nível superior. “Nós temos alunos surdos fazendo mestrado, doutorado. E, infelizmente, os tradutores com nível médio não têm o arcabouço de conhecimentos suficiente para ajudar essas pessoas nas suas pesquisas”. 

A batalha dos estudantes e dos TAEs é para que a UFSC assuma a dianteira nessa luta, usando, inclusive, a sua excelência nesse ensino, e corajosamente contrate os trabalhadores como nível superior. Toda essa problemática foi apresentada para os demais TAEs e logo em seguida, estudantes e trabalhadores foram até o gabinete da reitora buscar uma audiência. Esse foi um momento muito importante do protesto porque mostrou como a maioria das pessoas na administração é despreparada para lidar com os estudantes que apresentam alguma deficiência, no caso, os surdos. Como não havia intérpretes de Libras para mediar a conversa com o chefe de gabinete, a comunicação estava travada. Era visível a aflição dos que ouviam e falavam na tentativa de se fazer entender pelos manifestantes. 

Garantida a compreensão através da escrita, os estudantes e trabalhadores exigiram conversar com a reitora. Ela não estava no gabinete, cumpria agenda em Brasília. Foi apresentada a proposta de a vice-reitora Lúcia Helena descer e ouvir as demandas. Acordo feito, volta todo mundo para a Sala dos Conselhos. Ali, novamente o constrangimento da impossibilidade do diálogo, sem a mediação dos tradutores/intérpretes. “A senhora fala Libras?”, perguntou uma aluna. “Infelizmente não aprendi”, informou a vice-reitora, pedindo a ajuda de algum tradutor. Mas, havia sido feito um pedido, por parte dos estudantes, que os TAEs que são tradutores/intérpretes não atuassem, uma vez que estavam em greve. De novo fez-se o silêncio da in-comunicação. Lúcia decidiu então usar a escrita para se comunicar e foi produzindo vários cartazes onde dizia que a reitoria estava fazendo o possível para resolver a situação, mas que estava impossibilitada pela lei. Disse ainda que a reitora estava em Brasília para discutir a greve e que isso era parte da pauta. 

Finalmente, depois da efetuada a pressão, os estudantes de Libras que falam e ouvem começaram a  falar e traduzir aos demais o conteúdo das falas. Novamente a vice-reitora explicou seu ponto de vista, embora tenha sido contestada pelos estudantes e técnico-administrativos que garantem que já há jurisprudência garantindo a contratação dos tradutores/intérpretes como nível superior. “É uma questão de interpretação. A UFSC tem que sair na frente”. 

O diretor do Centro de Comunicação, Felicio Margotti, informou que, hoje, a UFSC tem contratados como TAE apenas sete tradutores/interpretes, o que é considerado um número muito pequeno para a demanda. Seriam necessários, no mínimo, 15.  Para desafogar a demanda, foram contratados mais seis, mas ainda assim há defasagem, uma vez que sempre há alguma baixa por doença, licença ou outro motivo. Segundo ele, é urgente resolver a questão.

A vice-reitora insistiu que é necessário uma mudança na lei e sugeriu que a UFSC chamasse os deputados federais catarinenses para uma discussão sobre o tema. Ainda assim, rebateram os trabalhadores, uma mudança na lei levaria anos e as soluções precisam ser dadas agora. Um dos TAEs, Tiago, que é tradutor, lembrou que se a universidade quiser – e ela tem força para isso – poderia mediar essa discussão junto ao MEC. “Temos certeza de que se eles nos ouvem, podem compreender o que estamos falando. Mas tem que ouvir a gente para entender como fazer a descrição do cargo.  O argumento deles é que Libras não é uma língua estrangeira, mas nós traduzimos em Libras para estudantes que vem de intercâmbio, de outros países, nosso trabalho é diferenciado. Eles tem uma interpretação equivocada sobre o cargo. Não há necessidade de criar outro cargo, já existe esse cargo em nível superior para tradutores/intérpretes. Entendemos que a UFSC tem a responsabilidade de puxar essa luta”.

Para os demais TAEs que acompanharam o debate, esse foi um momento único da greve. Possibilitou o mergulho numa realidade que até então passava despercebida, mesmo no que diz respeito ao trabalho dos colegas que cumprem a função de tradutor/intérprete. “Somos analfabetos nessa área”, dizia Hudson Queiroz, da direção do Sintufsc, completamente absorvido pela demanda dos estudantes. E, como ele, todos os trabalhadores que acompanharam a negociação. Foi, talvez, um dos momentos mais pedagógicos dessa greve. Porque mostrou um caminho que ninguém ali estava acostumado a trilhar. Conhecer a dificuldades dos alunos surdos e compreender a posição dos colegas TAEs que atuam nessa área foi de vital importância para entender a diversidade dessa instituição e a necessidade de avançar cada dia na batalha por uma carreira que também contemple as demandas particulares. Não há dúvidas de que os estudantes e os profissionais da área de Libras proporcionaram a possibilidade de uma bonita aliança com os trabalhadores. Ninguém mais, que tenha vivenciado aquela experiência, permanecerá igual diante da questão. Foi o que concretizou um trabalhador, batendo no coração, a dizer, compassado, para ser entendido: “Estamos juntos!” E assim é. 

terça-feira, 20 de maio de 2014

Colômbia – a marcha pela paz




Livro foi lançado durante as Jornadas Bolivarianas  - X Edição


Matheus Lobo Pismel e Rodrigo Simões Chagas eram ainda estudantes de Jornalismo às voltas com o trabalho final quando decidiram que era preciso voltar os olhos para os demais países da América Latina. Não que faltassem pautas aqui mesmo no Brasil, mas os dois sabiam também que havia uma riquezas imensa de histórias nessa “américa baixa”, ainda tão desconhecida. A busca apontou para a Colômbia, um país que vive uma guerra civil desde 1948, quando os conservadores mataram Jorge Gaitán, um candidato que aparecia liberal e progressista demais aos olhos da elite local. O assassinato provocou revoltas populares que geraram uma resposta descabida do poder. Desde aí a Colômbia mergulhou num processo de violência, terrorismo de estado e medo que ainda perdura. Nesse ínterim, nasceram movimentos guerrilheiros de libertação, cresceram os paramilitares e mercenários e, a tudo isso, seguiu-se uma rotina de mortes e desaparições também provocadas pelo exército colombiano. 

Hoje, a Colômbia tenta mais uma vez levar ao fim um processo de paz que possa permitir à população viver em paz. Para isso, iniciaram, na cidade de Havana – solo neutro – uma série de diálogos entre guerrilheiros e estado. Não é coisa fácil, uma vez que isso já foi tentado e acabou em chacina de todos aqueles que decidiram largar as armas.  Mas, as mesas de conversa vão avançando, ao mesmo tempo em que na Colômbia aparecem novos movimentos de luta, não armada, buscando outro protagonismo.

A guerra e o terrorismo de estado tem transformado – principalmente o povo empobrecido – num exército de viandantes, uma vez que são obrigados a perambular pelo país, desalojados pela violência ou pela busca de uma vida melhor. São essas gentes que começam a atar os fios de novas tramas políticas. E foi esse país que Matheus e Rodrigo buscaram desvelar. Botaram a mochila nas costas e partiram em busca das informações que – via de regra – são negadas pela imprensa comercial. Durante dois meses eles viajaram pelo país, conversando com lideranças populares e políticas, tentando tecer uma visão totalizante dessa imensa colcha de retalhos que é a Colômbia. O resultado desse esforço acabou virando o trabalho final que lhes rendeu o título de bacharéis em jornalismo. 

Mas, tudo o que puderam ver com os “olhos livres” – para usar uma expressão de Oswald de Andrade – não podia ficar confinado numa prateleira de trabalhos finais. Era preciso dar visibilidade para todo esse processo quase heroico do povo colombiano em busca da paz, depois de tanto tempo em guerra, num processo de violência naturalizada. Então, o trabalho virou livro, com o apoio da Editora Insular, de Florianópolis. O resultado é um panorama muito rico da situação da Colômbia que, nesse mês de maio, enfrenta mais uma eleição presidencial. Uma eleição na qual o tema do livro - a paz - é ponto crucial. Enquanto forças de esquerda e de centro tentam o caminho da negociação, grupos à direita – dirigidos pelo ex-presidente Uribe – buscam consolidar o caminho do terror, e são essas duas vias que estarão em disputa no 25 de maio. 

Assim, a leitura do trabalho de Matheus e Rodrigo aparece como imprescindível para quem quer conhecer o que se passa na América Latina, afinal, ali, na Colômbia, também se enfrentam visões de mundo e de integração. Não é à toa que o país tem nove bases militares estadunidenses com a desculpa de “combate ao tráfico”. No livro “Colômbia – movimentos pela paz”, o leitor vai encontrar importantes relatos da luta pela educação pública, a batalha pela terra e a sonhada conquista da paz. O que o torna fundamental é o fato de que os autores não se limitaram a estudos bibliográfico. Eles se fizeram repórteres, colocando o pé na realidade, ouvindo as gentes, sentindo os cheiros, vivenciando  cotidiano. O resultado é um trabalho de fôlego que vale a pena ser lido.

O livro, que foi lançado durante as Jornadas Bolivarianas, em abril desse ano, já está à venda nas livrarias - também no Iela - e é um documento riquíssimo sobre a realidade colombiana.