Uma greve de trabalhadores, mesmo quando não tem suas pautas atendidas, nunca é um movimento derrotado. Durante os dias de paralisação, pessoas de setores diferentes se conhecem, laços são criados, alianças são feitas. Mas, sobretudo, quando uma categoria se levanta em rebelião, ela pedagogicamente anuncia que a luta é coisa possível, mesmo nas conjunturas mais desfavoráveis. Assim, outros trabalhadores que se sentem oprimidos, ou que adormecem demandas, se encorajam, e também se levantam. Foi isso que os TAEs (trabalhadores técnico-administrativos em educação) da UFSC viveram nessa quarta-feira gris (dia 21).
O dia começou cedo para os grevistas, afinal estava definido o fechamento de alguns setores, o que precisava de uma boa logística e gente disposta e enfrentar o descontentamento dos colegas que ainda estão trabalhando. Mas, tudo correu bem. Uma das principais fundações que vivem dentro da UFSC foi interditada e os trabalhadores que chegavam para mais um dia de labuta, espiavam a movimentação e logo iam embora. Houve cara feia, raiva, mas não houve conflito.
A manhã corria tranquila nos pontos de fechamento quando chegaram, em frente à reitoria, os alunos do curso de Libras (língua de sinais), acompanhados de alguns professores e técnicos-administrativos que atuam como tradutores. Eles vinha se somar à greve dos TAEs. Traziam cartazes e faixas contendo suas reivindicações. Querem mais tradutores/intérpretes e exigem que os trabalhadores contratados sejam de nível superior. É que, atualmente, o MEC só autoriza contratação de trabalhadores de nível médio para esse tipo de serviço. “É um contrassenso formar gente no melhor curso de Libras do país, e já condenar os formando a um emprego no qual eles não poderão usar sua formação. A UFSC, como pioneira e considerada a melhor do Brasil na área deveria sair na frente e assumir a contratação de gente formada em Libras na categoria E (que é a de nível superior)”, reclamavam.
Todo essa demanda faz parte de um conflito que existe entre o MEC e os Libra-falantes no que diz respeito a interpretação da lei. Segundo os profissionais formados, a lei sobre contratação de trabalhadores públicos nas universidades não impede que eles sejam as mesmas sejam como nível superior. “Nós temos alunos surdos fazendo mestrado, doutorado. E, infelizmente, os tradutores com nível médio não têm o arcabouço de conhecimentos suficiente para ajudar essas pessoas nas suas pesquisas”.
A batalha dos estudantes e dos TAEs é para que a UFSC assuma a dianteira nessa luta, usando, inclusive, a sua excelência nesse ensino, e corajosamente contrate os trabalhadores como nível superior. Toda essa problemática foi apresentada para os demais TAEs e logo em seguida, estudantes e trabalhadores foram até o gabinete da reitora buscar uma audiência. Esse foi um momento muito importante do protesto porque mostrou como a maioria das pessoas na administração é despreparada para lidar com os estudantes que apresentam alguma deficiência, no caso, os surdos. Como não havia intérpretes de Libras para mediar a conversa com o chefe de gabinete, a comunicação estava travada. Era visível a aflição dos que ouviam e falavam na tentativa de se fazer entender pelos manifestantes.
Garantida a compreensão através da escrita, os estudantes e trabalhadores exigiram conversar com a reitora. Ela não estava no gabinete, cumpria agenda em Brasília. Foi apresentada a proposta de a vice-reitora Lúcia Helena descer e ouvir as demandas. Acordo feito, volta todo mundo para a Sala dos Conselhos. Ali, novamente o constrangimento da impossibilidade do diálogo, sem a mediação dos tradutores/intérpretes. “A senhora fala Libras?”, perguntou uma aluna. “Infelizmente não aprendi”, informou a vice-reitora, pedindo a ajuda de algum tradutor. Mas, havia sido feito um pedido, por parte dos estudantes, que os TAEs que são tradutores/intérpretes não atuassem, uma vez que estavam em greve. De novo fez-se o silêncio da in-comunicação. Lúcia decidiu então usar a escrita para se comunicar e foi produzindo vários cartazes onde dizia que a reitoria estava fazendo o possível para resolver a situação, mas que estava impossibilitada pela lei. Disse ainda que a reitora estava em Brasília para discutir a greve e que isso era parte da pauta.
Finalmente, depois da efetuada a pressão, os estudantes de Libras que falam e ouvem começaram a falar e traduzir aos demais o conteúdo das falas. Novamente a vice-reitora explicou seu ponto de vista, embora tenha sido contestada pelos estudantes e técnico-administrativos que garantem que já há jurisprudência garantindo a contratação dos tradutores/intérpretes como nível superior. “É uma questão de interpretação. A UFSC tem que sair na frente”.
O diretor do Centro de Comunicação, Felicio Margotti, informou que, hoje, a UFSC tem contratados como TAE apenas sete tradutores/interpretes, o que é considerado um número muito pequeno para a demanda. Seriam necessários, no mínimo, 15. Para desafogar a demanda, foram contratados mais seis, mas ainda assim há defasagem, uma vez que sempre há alguma baixa por doença, licença ou outro motivo. Segundo ele, é urgente resolver a questão.
A vice-reitora insistiu que é necessário uma mudança na lei e sugeriu que a UFSC chamasse os deputados federais catarinenses para uma discussão sobre o tema. Ainda assim, rebateram os trabalhadores, uma mudança na lei levaria anos e as soluções precisam ser dadas agora. Um dos TAEs, Tiago, que é tradutor, lembrou que se a universidade quiser – e ela tem força para isso – poderia mediar essa discussão junto ao MEC. “Temos certeza de que se eles nos ouvem, podem compreender o que estamos falando. Mas tem que ouvir a gente para entender como fazer a descrição do cargo. O argumento deles é que Libras não é uma língua estrangeira, mas nós traduzimos em Libras para estudantes que vem de intercâmbio, de outros países, nosso trabalho é diferenciado. Eles tem uma interpretação equivocada sobre o cargo. Não há necessidade de criar outro cargo, já existe esse cargo em nível superior para tradutores/intérpretes. Entendemos que a UFSC tem a responsabilidade de puxar essa luta”.
Para os demais TAEs que acompanharam o debate, esse foi um momento único da greve. Possibilitou o mergulho numa realidade que até então passava despercebida, mesmo no que diz respeito ao trabalho dos colegas que cumprem a função de tradutor/intérprete. “Somos analfabetos nessa área”, dizia Hudson Queiroz, da direção do Sintufsc, completamente absorvido pela demanda dos estudantes. E, como ele, todos os trabalhadores que acompanharam a negociação. Foi, talvez, um dos momentos mais pedagógicos dessa greve. Porque mostrou um caminho que ninguém ali estava acostumado a trilhar. Conhecer a dificuldades dos alunos surdos e compreender a posição dos colegas TAEs que atuam nessa área foi de vital importância para entender a diversidade dessa instituição e a necessidade de avançar cada dia na batalha por uma carreira que também contemple as demandas particulares. Não há dúvidas de que os estudantes e os profissionais da área de Libras proporcionaram a possibilidade de uma bonita aliança com os trabalhadores. Ninguém mais, que tenha vivenciado aquela experiência, permanecerá igual diante da questão. Foi o que concretizou um trabalhador, batendo no coração, a dizer, compassado, para ser entendido: “Estamos juntos!” E assim é.
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