Cética, mas sempre otimista, fui à Audiência Pública proposta pelo vereador Afrânio Boppré, sobre a questão do aumento do IPTU em Florianópolis. Digo cética, porque as audiências públicas que envolvem decisões da prefeitura e dos vereadores, no geral, são apenas atos ritualísticos, formais, nos quais as pessoas falam, mas ninguém escuta. Essa, particularmente, fora proposta quando ainda estava na casa legislativa o projeto do executivo que pleiteava o aumento do IPTU. Dias antes da audiência, o prefeito retirou o projeto, dizendo que iria esperar a decisão da Justiça, visto que o tema está sendo questionado judicialmente por várias entidades da cidade. Ainda assim, os vereadores decidiram mantê-la. A proposta era ouvir as forças vivas da cidade.
Até aí a decisão já se configurava uma novidade visto que a Câmara é muito avessa a qualquer debate mais profundo sobre os temas quentes. Basta lembrar a votação do Plano Diretor, que aconteceu depois da inclusão de mais de 600 novas emendas. A população pedia nova audiência pública para discutir as emendas, mas os vereadores passaram o trator, fazendo a votação, sem nem mesmos eles terem conhecimento sobre as emendas. Vai lá saber na defesa de quê interesses...
Mas, basta uma olhada no público interessado que lotou o auditório do CDL e já se pode ver porque os vereadores aceitaram, cordatos, fazer a audiência: a maioria era de representantes de entidades empresariais. Os poucos representantes populares que entraram - porque o acesso foi restrito ao número de cadeiras - ainda tiveram de ouvir desaforos do presidente da Câmara, Bispo Jerônimo Alves Ferreira, como se não fosse legítimo um cidadão comum querer expor seu pensamento.
De qualquer sorte, as falas das entidades e dos cidadãos seguiram uma direção única: ninguém quer o aumento de imposto conforme foi apresentado pela prefeitura, o qual chega a sofrer aumento de até 250% em algumas áreas. O plano de César Souza Junior foi criado em cima de alguns telefonemas dados para pessoas aleatórias nos bairros perguntando o valor de seus imóveis, o que se configura uma metodologia muito pouco aceitável, segundo a denúncia de vários representantes empresariais. "O valor do imóvel não pode ser medido pelo preço de venda, pois esse preço nunca é o real", disseram os empresários.
Outro aumento questionado, que já foi inclusive aprovado pela Câmara (com poucos vereadores votando contra), é o do ITBI, que é pago quando a pessoa transfere o imóvel para o seu nome. Passou dos 0,5% para 3%, configurando um aumento de 500% e que praticamente inviabiliza que muita gente possa legalizar seus imóveis, pelo valor excessivamente alto que precisa pagar. Segundo os empresários do setor de venda de imóveis, isso está trancando muitas vendas. Sobre esse ponto, um dos vereadores, o Coronel Paixão, chegou a fazer um mea culpa, dizendo que os dados referentes ao ITBI tinham sido repassados pela Secretaria da Fazenda, e ele havia votado confiando nesses dados, logo não teria problema em pedir desculpas e voltar atrás. A perplexidade é saber que um vereador vota cegamente na confiança de um dado oferecido pelo executivo, sem procurar investigar por conta própria. Ora, a quem ele representa, então? Aos interesses da prefeitura? Um vereador precisa estudar e avaliar as propostas enviadas pelo executivo a partir de outras fontes.
Foi lembrado a todos os presentes que a proposta do prefeito está claramente ancorada no modelo de cidade que o Plano Diretor, votado atabalhoadamente e sem conhecimento, pelos próprios vereadores - excetuando Lino Peres, Afrânio Boppré e Pedrão - aprovou. Segundo o Plano, a cidade passa a ser um espaço para os ricos e agora, o aumento do IPTU vem nessa direção. A intenção é tornar inviável a presença de gente pobre ou classe média baixa em áreas consideradas nobres. "Naqueles dias não ouvimos a voz dos empresários contra o Plano Diretor. Pelo contrário. Agora, não deveria ser surpresa essa decisão da prefeitura", disse eu mesma, na tribuna. Ainda assim, reconheci que essa luta específica contra o aumento do IPTU - da forma como a prefeitura propõe - nos coloca juntos nesse momento da luta. Depois, quando as planilhas e cálculos começarem a ser feitos, certamente estaremos em lados diferentes, até porque muitos dos empresários que falaram na tribuna se manifestaram contra o IPTU social, por exemplo.
A audiência terminou com um consenso. A proposta da prefeitura não pode ser votada. Há que ser apresentado um novo projeto de lei para que sejam feitas mudanças na chamada Planta Genérica de Valores (PGV), que aumenta o valor venal dos imóveis, esses sim bastante defasados e sem reajuste há muitos anos. Como isso será feito e quem o fará não ficou claro, mas pelo menos se obteve um apoio claro de praticamente todos os vereadores que estavam presentes. Resta ver para crer.
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