- Vai queimar algum hoje? – a guria perguntou, enquanto eu
estava na parada do ônibus. Pensei com os botões: Ué! Como assim? Santa Maria?
- Ônibus, guria? – ela, repetiu, vendo que eu estava
confusa. Sorri! Não estava sabendo. O dia fora cheio. Assembleia, problemas de
trabalho, mais problemas de trabalho e um pouco mais problemas de trabalho. A
cabeça ardia.
- Não vi nada. Gritei. Alguém no ponto tratou de avisar. Não
vai ter aula. Os ônibus param as sete de novo. As pessoas se entreolharam,
tranquilas. Algumas gurias riam alto, comemorando o fato de não precisarem
ficar na faculdade. O clima era de tranquilidade.
Ainda assim, há quatro dias queimam os ônibus na capital.
Dizem que foi um salve geral dado desde dentro dos presídios, por conta de
torturas, maus tratos, má-alimentação. O mesmo da outra vez. Pânico entre os
trabalhadores que precisam se arrastar até suas casas pela noite afora.
Mas, para alguns, a coisa parece que banalizou. E ninguém
liga os pontinhos. Incrivelmente o atual governador, que concorre à reeleição,
pode até se eleger no primeiro turno, dizem as pesquisas. Minha cabeça roda.
Como é possível? O cara descumpre a lei, não paga o piso dos professores,
entrega os hospitais públicos para as Organizações Sociais, demite professores
que lutam por uma educação melhor, censura, aprofunda o terror do sistema
prisional, enfim, faz o que bem quer. E vai se reeleger? Oi?
No final da tarde, já morta pelo transporte desintegrado da
capital, chego ao meu bairro. Um caminhão do tipo trio elétrico circula pelas ruas com ninguém
menos que Dário Berger (o ex-prefeito), Tiago Silva (vereador) e um candidato do
PC do B. Mistura estranha. Cena difícil de encarar. E o que é pior, junto com
eles, um grande número de pessoas com bandeiras e santinhos, na maior tietagem.
Bá, tietar o Dário? Coisa mais triste para quem enfrentou no seu governo o
longo processo do Plano Diretor, pisoteado e arruinado. Nosso sonho de cidade
no chão.
Enfim, tanta dor, tanta raiva, tanta tristeza presa no corpo
pequeno, tinha de se expressar. Assim, enquanto o caminhão se afastava pela rua
de asfalto, no caminho de areia que leva à minha rua, gritei. Gritei alto e
forte como um bicho ferido. Dia 5 vai chegar e nada vai mudar...
Que longo caminho temos pela frente. As vezes penso que não
vou mais conseguir andar...
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