Alzheimer/Velhice

terça-feira, 27 de maio de 2014

Crônica de um dia de luta




















Ali estavam os técnico-administrativos. Mais um dia de luta, dos mais de 70 que se arrastam sem que o governo se digne a uma boa conversa. Para os que estão no mando do país - a exemplo de outros tantos que os antecederam - não há o que dizer aos trabalhadores das universidades. Mesmo que não tenham sido cumpridos os acordos. Não importa. Essa é uma gente que não é estratégica, como são os trabalhadores da Justiça ou da Fazenda. É a ralé da área da educação, pessoas-meio, trabalhadores que podem ser substituídos por uma máquina, talvez.  

Não é sem razão que desde o governo de FHC, os trabalhadores técnico-administrativos da área da educação estão sendo extintos. Já não estão mais no quadro os cozinheiros, os motoristas, os jardineiros, e outros tantos. Para esses serviços contrata-se terceirizados, ou empresas especializadas. E dá-lhe engordar os cofres públicos.  Afinal, para quê jardineiros? Quem precisa de flores ou belezas no local de estudo? Os "centros de excelência" precisam ser espaços de produção, não de criação do conhecimento. E cozinheiros? Não precisa. Ainda mais que, nas greves, eles se tornam estratégicos, inviabilizando as refeições. Melhor tê-los privados. Controla-se. E assim vai a nave da privatização pelas beiras.

Agora, na greve de 2014 os trabalhadores querem retomar o debate sobre os extintos, sobre os problemas criados pelo novo plano de cargos, uma espécie de minotauro inventado no governo Lula., sobre a privatização dos hospitais. E o governo insiste que não há o que dizer. Que está cumprindo o acordo de aumentar 5% ao ano o salário até 2015. Mas, o acordo não era só isso. Era mais. Mas, quem se importa? A mídia não tem interesse em divulgar a verdade sobre os dramas dos trabalhadores. Preferem desinformar a opinião pública dando destaques a pequenos factoides, como os provocados pelos professores e alunos do CTC. Ajudam a confundir e aprofundam o preconceito contra os servidores públicos. 

E no plano da UFSC nada é diferente. A reitora age igual ao governo federal. Não  respeita, não dialoga, não se importa. E se os trabalhadores se insurgem e confrontam, ela faz cara feia, fica braba, incapaz de reconhecer que esta é uma luta justa. Se entrevistada pelos meios de comunicação, fala bem da greve, mas basta uma olhada nas imagens dos atos de greve para ver que o discursos não combina com a prática. 

Hoje, mais uma vez os TAEs tiveram de impor sua presença, uma vez que parecem invisíveis. Como se não houvesse uma greve, as reuniões do Conselho Universitário seguem normais, e se os Técnico-Administrativos em Educação (TAEs) pedem para discutir o movimento, os membros rejeitam a proposta. "Não há o que discutir".  Na semana passada, a reitora decidiu levar os conselheiros para uma sala que serve de estúdio, fora da reitoria, para que os conselheiros decidissem sobre a vida da UFSC sem precisar ouvir a gritaria dos trabalhadores que estavam lá fora, com seus tambores. E sequer chamou os conselheiros, representantes dos técnico-administrativos, para a reunião. Tampouco deixou que os mesmos entrassem quando descobriram o local. Parado na porta estava o chefe de gabinete, como um guardião.

Nessa terça-feira o Conselho Universitário se reuniu outra vez, como se a vida na UFSC estivesse normal. Os trabalhadores prepararam um  corredor de cadeiras e panos pretos, para simbolizar a falta de democracia na instituição. E os conselheiros foram passando, algo contrafeitos, mas sem se importar com o simbolismo. Via de regra, eles parecem não notar os TAEs, e agora não seria diferente. Suas expressões de enfado parecem dizer: "Mas que gentinha chata. Como incomodam".  E, assim, como quem abana uma mosca, eles desviam e passam. Raros são os colegas docentes que param, conversam, perguntam sobre o movimento e se solidarizam. Os TAEs seguem invisíveis, mesmo quando "atrapalham", bem ali, no meio do saguão da reitoria.

Assim, os conselheiros passaram em direção a Sala dos Conselhos para mais um dia de decisões sem os técnicos. Mas, para o azar deles, os TAEs insistem e se fazer notar. Então, com as bocas tapadas com panos pretos eles entraram no conselho para mais um protesto. Querem ser ouvidos e respeitados. A reitora, Roselane, tão logo viu a entrada do grupo, batendo tambores, se incomodou. "O que significa isso? Ninguém pediu para entrar..." E como as pessoas não falassem nada, pois estavam com a boca tapada, ela olhou para a sua vice, Lúcia, e perguntou: "Vamos sair?".  No plenário, um pequeno grupo de professores repetiu a expressão de enfado. Alguns um pouco incomodados, desconfortáveis, outros com ar cínico. Aquilo era mais uma incomodação. "Vocês podem dizer o que é isso e quanto tempo vai durar?", perguntou a reitora. "São só três minutos, queremos ler um manifesto". 

E a trabalhadora Dalânea começou a falar. Discorreu sobre a democracia, o que é e a quem serve. Falou do direito que cada pessoa tem em representar a si mesma, com o mesmo peso. Ninguém pode valer menos por ser TAE, ou docente, ou estudante. Cada um deve ser ouvido e respeitado, sendo quem seja. Quem decidiu que o professor pesa mais que o TAE? Ou que o TAE pesa mais que o estudante? De que democracia se fala quando se defende isso? 

A fala seguiu, três minutos. No plenário, nenhuma reação. A reitora mexia no celular. Rostos contritos, olhares de revés, bocas torcidas. Quando o texto terminou, os trabalhadores saíram. Nenhum gesto de solidariedade, nenhum aplauso, nenhum sorriso, nenhum apoio. Era como se eles nem estivessem ali. A porta se fechou e tudo continuou, na normalidade. 



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