Final de manhã em Rio Grande. Faz calor, prenúncio de tempestades. Caminho pelo centro da cidade embriagada em belezas, essas coisas das cidades ocultas, que ninguém mais vê, porque as pessoas já estão com as retinas acostumadas à paisagem. Mas, eu, viageira, vou percebendo e me emocionando. Entro pela Praça Tamandaré, uma das tantas praças da cidade, e me encanto com a delicadeza dos lagos, as pontes, as esculturas. Tudo é absolutamente bonito, inclusive as gentes que compõem a moldura desse quadrado que é, a bem da verdade, um parque. Há os vendedores de ervas, com suas poções mágicas. Rio Grande é conhecida como uma cidade que produz muita doença, afinal, por aqui estão fábricas de agrotóxicos, de produtos químicos, que causam muita poluição. Há haitianos vendendo badulaques, tentando sobreviver numa cidade que os acolheu, mas que tem muito pouco a dar. Banquinhas de produtos chineses e gente tirando foto no mausoléu de Bento Gonçalves, que fica bem no meio da praça.
Mas, os meus olhos caminheiros são atraídos para um estátua que está escondida num nicho do lado direito da praça, o qual, em algum momento, abrigou alguns animais, visto que ainda tem os espaços de encerro. Ela representa um menino, cansado ao extremo, que adormece ao lado de um jornal. No lado da estátua está escrito: homenagem à imprensa.
É aí que meu coração explode em profunda emoção. O artista, de nome Erico Cobbi, não retratou um rico empresário da mídia, nem mesmo um jornalista. Ele imortalizou na pedra um jornaleiro, um desses meninos sem nome, que sai de sua casa bem cedo, em algum lugar da periferia e cumpre a honrosa função de distribuir o jornal. O menino da escultura está adormecido, na expressão de total pureza. Um trabalhador infantil, um anônimo passarinho que planta a informação na vida das pessoas, e com isso ganha os trocados que certamente deverá encher a mesa de toda a família.
Ali estava eu e o menino dormido em pedra. Ele no seu sono eterno, e eu com meu coração em um alucinado turbilhão. Então me deu uma vontade louca de abraçar fortemente esse artista que não sei quem é, passante que sou. E dizer, obrigada. Naquele menino extenuado ele mostra que a "imprensa" é essa roda de mó, que anuncia um mundo que não é real, que engana, que mutila, que desinforma, que esgota. Que está para além de nós, jornalistas, que buscamos fugir da bigorna da mentira produzida pela mídia comercial. A "imprensa" se configura naquele menino, exaurido pelo trabalho de divulgar a notícia e o jornal. O jornaleiro, possivelmente vítima dos podres poderes que ele mesmo anuncia toda manhã.
Deixei a Praça Tamandaré com a alma em escombros e, ao mesmo tempo agradecida por esse gesto poético do Erico Cobbi. A "homenagem à imprensa" é um grito branco na imensidão verde daquele parque cheio de belezas. E aquele menino está agora cravado no meu coração...
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