Alzheimer/Velhice

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

O capitalismo de Wall Street



O lobo de Wall Street é um filme aterrorizante e fascinante. Mesmo para aqueles que sabem bem como funcionam os mercados do dinheiro de papel (a bolsa de valores) ver o processo desde dentro provoca vertigens. O filme, dirigido pelo veterano Scorsese é baseado em uma história real. Mostra um jovem corretor que, em meio a uma crise, e já iniciado nas artimanhas da bolsa, decide montar uma empresa para atuar com ações de baixo valor. Ou seja, os clientes em potencial seriam as pessoas mais pobres, pequenos investidores interessados em participar, ainda que com ínfimas fatias, do banquete do mercado de capitais. Todo o esquema é baseado numa fé cega no dinheiro. Todos querem enriquecer, mas, naquele processo, só o corretor envolvido é quem consegue.  Não importa se isso tiver de ser feito enganando as pessoas. Gente que aplica as economias de toda uma vida, igualmente envolvida pelo apelo do enriquecimento fácil.

O filme escancara a formação desses trabalhadores, que mexem com as finanças alheias. Os tais clientes não são pessoas. São caixas de grana, cujos conteúdos devem vir para o bolso de cada um. Nesse mercado de ações de baixo valor, se uma pessoa investe quatro mil dólares, a metade vai para o bolso do corretor. É dinheiro vivo. Na hora. Enquanto que aquele que investe está sujeito à montanha russa da bolsa. No geral, perde tudo, porque as ações são podres. Tudo é inventado. Uma rede de mentiras.

O que aparece de maneira muito clara é a forma messiânica como todos vivenciam a coisa. O protagonista, vivido por Leonardo de Caprio, faz exortações como se estivesse, num púlpito, reproduzindo as palavras de deus. Os seus jovens comandados o veneram como um. É como uma igreja fundamentalista, cheia de rituais selvagens. Danem-se as pessoas. Danem-se as economias. Danem-se todos. O negócio é ficar rico. E assim, segue o festim da grana alheia, movido a drogas, sexo e muita adrenalina. Nos olhos dos corretores é visível o arrebatamento, enquanto batem no peito murmurando uma canção gutural.

O filme tem três horas de duração, mas passa num átimo. Vale a pena conhecer essa engrenagem por dentro, porque, afinal, ali não há nada de ficção. As coisas são bem assim. A bolsa de valores é uma invenção do sistema. Um tigre de papel, passível de se despedaçar a qualquer momento, fazendo virar pó fortunas inteiras, ou as economias amealhadas durante anos.  Não há cenas mostrando a situação de quem é enganado, para que a gente se apene deles. Não. Tudo gira em torno do jovem corretor que consegue roubar até 200 milhões de dólares.

No paralelo, de forma bem coadjuvante, há um agente do FBI disposto a desvelar o esquema de roubo e engano.  Mas a gente não fica sabendo muita coisa dele. Não é um personagem. E sua cena final é um tanto quanto piegas. Mas, tudo bem. Scorsese talvez tenha querido salvar o estado, ou passar alguma esperança.

Ao final desse turbilhão, Scorsese mostra que o FBI pode ser renitente e desbaratar pequenos esquemas, como foi o caso desse Jordan Belfort. Mas, nas palavras do próprio Jordan, os grandes ladrões seguem por aí. A ciranda do dinheiro fictício não é espaço para “refeições” minúsculas. Todos os dias, megaempresas de corretagem fazem o mesmo que Jordan, dentro dos limites legais, o que não deixa de ser um engano ou uma fraude, uma vez que no geral, o sobe e desce das ações é quase sempre fabricado. 

E, no admirável “mundo livre”, parece não haver espaço para esperanças. O mesmo homem que rouba, engana, subverte e trai, não encontra problema algum em voltar ao topo, sendo reverenciado justamente por ser quem foi: um insensível, uma máquina de vendas, ainda que não vendesse nada real. Apenas o sonho de ficar rico, sentado em casa, a custa do trabalho de outro.  

Um lobo, diz o título do filme. Não! Um lobo não seria tão cruel. 


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