A cada dia o “bicho-do-mato”
que mora em mim fica mais forte. Fujo das aglomerações, um pouco levada por
aquele máxima de Nietzsche: “onde estão rebanhos, estão as águas barrentas”.
Assim, qualquer atividade – fora as de luta, necessariamente coletivas - que reúnem mais de cinco pessoas já começa a me incomodar.
Mas, desde que vim
morar no Campeche virou uma espécie de tradição ir até a beira do mar na virada
do ano. Porque, ali, antes que o ano brotasse, a gente podia encontrar os
amigos de todo o dia, de todas as batalhas, dos projetos culturais, do cineclube, a turma da luta pelo plano diretor, os vizinhos. Aquela coisa ilhoa
de ficar na praia, passeando os olhos pelas ondas, caminhando com a família,
jogando conversa fora, distribuindo sorrisos e desejos de um ano bom.
Só que esse ano, a
praia estava diferente. Bem antes da meia-noite, já assomava pela Pequeno Príncipe uma multidão. Gente de todos os lados, com enormes caixas de isopor,
cheias de cerveja e garrafas de champanhe. Um frisson de criaturas fazendo
fotos de si mesmas, muito mais ocupadas com o clic do celular do que com a
festa mesma que acontecia na beira do mar. Cumpri meu ritual e fui para a
praia. Mas, mesmo andando para lá e para cá, não vi ninguém conhecido. Apenas a
turma do Rancho de Canoa se mantinha impávida, no morrinho, sentada nas
cadeiras, olhando de cima, o aglomerado sem identidade que se formava na areia.
Em meio aos fogos e ao
barulho de uma música ruim, andei meio perdida, feito um cachorro que caiu da
mudança. Perdidos estavam meus vizinhos, meus amigos, meus irmãos de luta. Nenhum
sorriso simpático, nenhum abraço conhecido. Só aquela gritaria insana. A praia
já não era mais a velha comunidade. Pensei no tremendo crescimento que vivemos
no bairro, com tantos condomínios novos e moradores de primeira viagem. Pessoas
que aqui vem morar, e não viver. Gente que não se importa em conhecer a
história, as tradições, as pessoas. Pessoas que usam o mar, a praia, a
paisagem, como se fosse apenas mais uma mercadoria.
E, entre tantos rostos
alegres e sôfregos, o meu acabou vertendo algumas lágrimas. Pensei na votação
do Plano Diretor, acontecida um dia antes, nossa derrota, a cidade desfigurada.
Bateu a saudade de um Campeche amigo, da comunidade, que, ali, já não estava
mais. Na areia, garrafas e latas se acumulando, num consumo desesperado de
alegria artificial. Flashes e flashes dos celulares modernos pipocando, buscando
tornar a imagem mais bonita que o real. Discrentei.
Foi aí que meu amor me
tomou pela mão e fomos andando de volta para casa, afastando da praia, a alma
em escombros, tentando encontrar outra vez o céu verdadeiro, sem o brilho
feérico dos fogos. Não havia estrelas, nem lua. A luz que escapava da barra do
horizonte era a de alguns relâmpagos renitentes. E eu, bicho do mato, enfim
sorri. Ali estava meu ano novo se anunciando. Cheio de raios e trovões. Xangô
me arrancava da nostalgia. Dei graças! Devagar, como uma filha dileta de Oxalufã,
segui na direção do meu destino. Às batalhas, Elaine, às batalhas...
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