Alzheimer/Velhice

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Honduras segue na luta contra a fraude



No jornal El Heraldo, de Honduras, a manchete de hoje não podia ser mais intrigante: "EUA felicita o TSE pela contagem profissional". Referia-se, é claro, a contagem dos votos que estão dando a vitória ao candidato oficialista Juan Orlando Hernández. Depois, a reportagem traz o conteúdo de uma nota emitida pela Embaixada dos EUA na qual saúda os hondurenhos e reafirmava a sua alegria pelo processo ter sido transparente. Diz ainda que reconhece a vantagem irreversível conquistada pelo candidato do partido Nacional. Não bastasse isso ainda apresenta as declarações da embaixadora Lisa Kubiske, que afirma ter recorrido os lugares de contagem de votos, podendo garantir que não existe possibilidade de fraude. 

Com esse destaque todo da "aprovação" dos Estados Unidos a mídia pretende deixar os hondurenhos seguros de que o país do norte segue sendo amigo, o que vai viabilizar o progresso do país. Nenhuma nota sobre manifestações e lutas das gentes que bradam contra a fraude. 

Já o La Prensa dá como manchete uma notícia que só reafirma o servilismo da imprensa local: "Não houve crime de lesa-humanidade em 2009". A matéria se refere ao golpe militar que depôs Manuel Zelaya e abriu um vertiginoso processo de perseguições, desaparições e assassinatos. Mas, o jornal se refere ao fato como uma "crise política". Bem a calhar esse tipo de informação num momento como esse. 

O partido Libre, de Xiomara Castro, segue não aceitando o resultado das eleições, de 34% para Hernàndez, e 28% para Xiomara. Insistem que houve fraude e exigem a recontagem dos votos. É bom que se saiba que até hoje ainda não foi finalizada a contagem oficial. Entre as irregularidades já levantadas pelo Partido Libre estão as pessoas que não puderam votar por terem sido consideradas mortas, a realocação de mesas de votação em lugares mais distantes, impedindo que as pessoas tivessem acesso, compra de votos comprovadas em vídeos e fotos, atas de votação nos lugares onde o partido de oposição é mais forte foram tiradas do processo e submetidas a auditoria, com os votos não sendo computados. Enfim, são dezenas de pequenas coisas que formam o grande mosaico da fraude. Tudo isso sendo negado pelo TSE, que é composto por gente que deu e apoiou o golpe de 2009. Sem falar na descarada intervenção da embaixada estadunidense.

Em meio a tudo isso, estudantes universitários iniciaram um processo de resistência, com atos massivos na capital, Tegucigalpa, e foram violentamente reprimidos pelas forças policiais. Mas, a luta não ficou só no âmbito estudantil, trabalhadores de várias categorias têm se somado ao movimento que pede a recontagem. 

O que se vê é que o virtual presidente de Honduras já começa a ser aceito pelos países vizinhos e o país deverá voltar a "normalidade". Bom frisar que a normalidade para aqueles que sonham com uma Honduras independente e livre do controle estadunidense significa mais mortes, desaparições e violências. Ou seja, a luta do povo de Honduras está bem longe de arrefecer. 

Veja o vídeo



quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Votação do Plano Diretor apontou uma verdade: a cidade tem dono


 Vereador se diverte em frente ao computador


população tenta passar sua mensagem

Fotos: Mateus Bandeira Vargas

Em menos de dois dias, a Câmara de Vereadores de Florianópolis votou um projeto de Plano Diretor, alterado por quase 700 emendas. Todos os ritos foram patrolados, nada impediu que, entre sorrisos de mofa, os vereadores fossem aprovando uma a uma, as emendas que continham os interesses dos grandes empresários. Alguns dos nobres edis davam claros sinais de que sequer sabiam do que se tratavam as emendas. É que não estava em questão o conteúdo e sim o princípio: fazer a vontade do capital.

Uma cidade como Florianópolis é como uma galinha de ovos de ouro para as empresas do ramo turístico. Quarenta e duas praias, clima agradável, um bom verão. Assim, se considerarmos que no sistema capitalista tudo é espaço de conquista de lucro, não haveria razão para se pensar que no espaço da cidade isso fosse ser diferente. Afinal, qual a razão de se aumentar o gabarito (numero de andares edificáveis) na região do Estreito, se ali já existem prédios de 15 andares? Ora, foi construída uma beira-mar continental, que hoje tem na sua margem uma série de imóveis velhos, de costas para o mar. Ali, agora, poderão se erguer espigões. Os donos dos prédios estão esfregando as mãos, suas propriedades dobraram de valor. E as construtoras que erguerem ali as torres habitáveis, também vão auferir lucros estratosféricos. Um apartamento a um milhão. Façam as contas.

E assim, cada alteração de zoneamento, cada alteração de gabarito, foi milimetricamente pensada para  gerar lucros. Seja para os que ora possuem as propriedades ou para os que as possuirão. É um azeitado jogo de interesses no qual os que saem perdendo são aqueles que querem um mundo diferente, que não seja esse, capitalista, baseado no lucro. O filósofo britânico, David Harvey, que esteve há pouco na cidade, deixou isso bem claro, quando falou da transformação das cidades em espaços especulados: " Para construir uma cidade diferente, é preciso ser anticapitalista". E nessa terra nossa, quem é?

Assim que a luta que se travou nos dias de votação da Câmara de Vereadores já tinha um vencedor bem antes de o plano entrar na casa. Todo o jogo de cena de que a população havia construído o plano por sete anos, divulgado pela mídia, que a discussão tinha acontecido, que as pessoas sabiam muito bem do que se tratava, era o manto da ilusão necessário para enganar a maioria. Numa cidade de quase quinhentos mil habitantes, com um movimento popular desarticulado e alquebrado, a opinião pública que se formou foi a de que o plano é bom e vai ajudar a cidade a progressar.

Quem viu o puxa-saquismo da RBS na entrevista com o prefeito nessa quinta-feira sabe bem do que estou falando. Quem, em sã consciência pode ficar imune aos discurso de que as praças públicas estão cheias de gente drogada, que os parques só servem para juntar marginais e que a falta de marinas e hotéis de luxo vai fazer faltar emprego? Para aqueles que sofrem a cidade diuturnamente, na falta de mobilidade, na insegurança, no desemprego, esses anúncios de vida melhor soam como cantos de sereia. Essas maiorias que passam 70% do seu dia tentando sobreviver, não tem tempo para estabelecer os nexos entre as promessas feitas na televisão e o seu completo descumprimento na vida real. Há que levar o leite para casa.

Para que a população pudesse desvelar as mentiras teria de existir um movimento popular e comunitário atuante e, principalmente, anticapitalista. Não tem. Temos vários grupos lutando na cidade por questões bem específicas. Passe livre, ciclovias, saneamento, mulheres, negros, homossexuais, sindicatos. E cadê que esses movimentos debatem junto com suas pautas específicas os destinos da cidade, como um projeto de espaço coletivo de vivência? Cadê que esses movimentos circulam pelas comunidades descortinando o véu do engano que a mídia comercial ajuda a disseminar? Cadê que eles articulam as variadas lutas num projeto anticapitalista de fato?

É que a luta pela cidade é a luta contra o capital. Não há espaço para meio-termo. O passe-livre sozinho não desescraviza o trabalhador. O saneamento sozinho não garante bem-viver, mover-se melhor na cidade não significa que se possa ir onde se quer. Tudo isso fica perdido se não for para libertar as pessoas da sociedade do consumo e do lucro. É só a tentativa de "humanização" do capital, obra inútil porque inalcançável. É da natureza do sistema a destruição do ambiente e do homem.

A batalha travada na Câmara pelo plano diretor já começou com um vencedor. Os lutadores que lá se fizeram presente, em torno de 100 almas, sabiam muito bem o que estavam enfrentando. Entre eles, ainda se podia observar um pequeno grupo de pessoas puras, que estavam realmente indignadas com toda a farsa promovida pelos vereadores e com a burla de todas as leis. Muitos acreditavam que a presença ali, em protesto e gritos de alerta pudesse mudar o resultado de um jogo já acertado no tapetão. Não podia.

Entre os militantes calejados, anticapitalistas por convicção, não existia ilusão. O sistema capitalista tudo aplasta e não está preocupado com nada além do lucro. Nesse processo, ainda estão os serviçais, que conseguem arrebanhar as migalhas do banquete. Qualquer lucro é bem vindo, porque essa é a essência. E foi o que se viu. Nos votos contra a entrega da cidade para a especulação, quatro vereadores resistiram. Os demais estavam de acordo, cada um por sua razão.

E enquanto a vida de todos era vendida por 30 dinheiros, a população seguia seu curso, na correria para pegar o ônibus, assistindo a um recital, participando de uma reunião qualquer para amenizar alguma dor, ou garantir algum pequeno avanço. Muitas pessoas assistiram a "confusão" causada pelos "de sempre", os "anti-progresso", na televisão e balançaram a cabeça em desaprovação.  No gabinetes, os donos do dinheiro celebraram com champanhe. Não estão preocupados com ambiente, vida boa, saúde, equilíbrio. Tudo o que querem é muitos zeros na conta bancária.

Daí que, para terminar, o que podemos dizer é que só há uma alternativa para os que lutam: reforçar a batalha contra o capital, contra o modo capitalista de organizar a vida. Ou isso, ou seguiremos afogados pelo desejo de consumo fomentado pelo sistema. Não dá para ser ingênuo acreditando que pequenas reformas nos levarão ao céu. O poder do capital dá o que quer dar. E nesses dias deixou bem claro: a cidade é dele e ponto final. Qualquer concessão que veio ao encontro dos desejos das comunidades está amarrada em um interesses econômico maior.



quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Câmara vota Plano Diretor de Florianópolis burlando todas as regras



Sem poder expressar sua voz, comunidade escreveu


Vereador Celso Sandrini tentando agredir uma moça

Fotos: Rubens Lopes

A Câmara de Vereadores de Florianópolis mostrou nesse dia 26 de novembro, a quem realmente representa na cidade. Burlando regimento interno, Estatuto da Cidade e até a Constituição, os vereadores iniciaram a votação de um Plano Diretor alterado por quase 700 novas emendas - que não passaram por avaliação do Instituto de Planejamento Urbano -  abrindo caminho para mais uma onda de especulação imobiliária, crescimento desenfreado, destruição e lucros exorbitantes para um determinado setor: o da construção civil.

Florianópolis é, basicamente, uma ilha (97% do seu território). Isso, por si só já delimita muita coisa. Tem um espaço que não pode se expandir, determinado pela capacidade de água, energia e mobilidade. Com um total de 436 quilômetros quadrados - entre ilha e continente - possui hoje quase 500 mil habitantes, embora pelo corredor metropolitano circulem mais de um milhão de pessoas. Assim como está, já enfrenta gargalos complicados, como é o caso da mobilidade urbana. Feita de ruas estreitas e  mal planejadas, vivencia todos os dias, engarrafamentos homéricos. Sair da ilha para o continente depois das cinco da tarde requer paciência de Jó. Passar de um bairro do sul para o leste ou norte, de ônibus, pode levar mais de três horas, embora as distâncias não sejam grandes. No verão, época de temporada de praia, a população triplica e podem ser contabilizadas mais de um milhão de pessoas só na ilha, aprofundando o caos. Falta de água e luz são constantes nessa época, mostrando a completa falta de estrutura para tanto adensamento populacional.

Por oferecer mais de 42 das mais belas praias do estado de Santa Catarina, a chamada "ilha da magia" é um dos destinos turísticos mais procurados por gaúchos, paulistas e visitantes de todo o mundo. Não é sem razão que o metro quadrado na ilha é o terceiro maior do país -  custa R $6.620,00 - ficando atrás apenas de Santos e São Paulo (dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas/ FIPE). E, por conta do crescimento que se deslocou para o sul, é no bairro do Campeche que os imóveis estão custando mais caro hoje em dia, rivalizando apenas com o centro da cidade. Um terreno simples de 360 metros quadrados, sem escritura pública, não sai por menos de 100 mil reais. O preço médio de um imóvel na ilha está em 700 mil reais.

Esses mínimos dados já conseguem iluminar o que está em disputa na batalha do Plano Diretor. Longe de preocuparem-se com o bem-viver ou a qualidade de vida da população, os vereadores - com raras exceções - estão a serviço das construtoras que veem na cidade um filão ainda bastante gordo de crescimento, por conta da proposta de verticalização que está dada no Plano que começou a ser votado nessa terça-feira. Assim, o que está em tela é um dos mais rentáveis balcões de negócio imobiliário do país. Vejam que não é pouca coisa. 

Conforme manda o Estatuto da Cidade, o processo de construção do Plano Diretor participativo começou durante a gestão de Dário Berguer, há sete anos. Mas, ao contrário do que dizem os vereadores da situação, não foi algo que teve fluxo contínuo. Todo o trabalho foi marcado por conflitos e interrompido diversas vezes, obrigando a população a se mobilizar e lutar de forma acirrada para fazer valer seus direitos. De qualquer forma, premido pelas gentes, o plano foi se fazendo até 2010, quando o então prefeito Berguer suspendeu tudo e encaminhou para um empresa fazer a versão final. Segundo ele, ela apenas sistematizaria o que foi construídos pela população, mas não foi isso que aconteceu. A empresa incluiu mudanças que beneficiavam a lógica do lucro da construção civil. 

Para que a população tenha uma ideia, o plano destinava áreas que tinham sido definidas como de lazer para construção de prédios, aumentava o gabarito dos prédios (número de andares possíveis de serem construídos), priorizava grandes empreendimentos e basicamente não respeitava a vontade da população. Grandes batalhas foram travadas e a população conseguiu barrar. Com a eleição do novo prefeito no ano passado, a discussão recomeçou. E, para surpresa de todos, o Núcleo Gestor Municipal - formado por representações populares dos três distritos de Florianópolis - foi destituído pelo novo prefeito. Assim, outra proposta de Plano Diretor, remexida pela nova administração foi apresentada à Câmara. Segundo a lei, qualquer alteração ao Plano teria que passar por novas audiências públicas nos distritos, mas isso não aconteceu. A prefeitura realizou apenas duas audiência, muito mal convocadas. Ainda assim, nas falas dos movimentos sociais e dos envolvidos na discussão desde 2006, ficou claro que havia muitas mudanças e elas precisavam ser melhor discutidas. Fazendo-se de surdo aos reclamos da população o prefeito César Souza entregou, no dia seguinte à audiência, o projeto prontinho para a Câmara. A casa legislativa aprovou o documento que tinha sido acrescido de quase setecentas emendas, em prazo recorde, sendo que três comissões votaram o plano em um único dia. Ora, é humanamente impossível analisar o conteúdo de 700 emendas em um dia.  

A farsa da votação 

Apesar dos reiterados pedidos dos vereadores Lino Peres (PT) e Afrânio Boppré (PSOL) para que o documento fosse melhor analisado, com mais tempo para o estudo das emendas, a maioria dos vereadores "patrolou" o processo que foi levado para a votação no dia 19 de novembro, às quatro horas da tarde, horário propício para o esvaziamento de povo. Afinal, as pessoas trabalham. Pois a Justiça expediu uma liminar suspendendo a votação, por entender que todo o rito estava comprometido. Se emendas novas foram feitas, novas audiências deveriam ser efetuadas e o plano re-analisado pelo IPUF (órgão de planejamento da cidade). Vitória da população que conseguiu mais tempo para discutir e conhecer o conteúdo das propostas. Mas, o sonho durou pouco. Dias depois, uma instância superior da Justiça cassou a limitar e o processo recomeçou, indo à votação nessa terça (26).

De novo, a Câmara chamou a sessão para o horário da tarde, juntando, à discussão do plano, uma homenagem à APAE, o que fez com que o plenário lotasse com os "homenageados", impedindo as pessoas de entrar. Com isso, armavam o circo de desinformação e desestruturação da organização das comunidades. Por duas horas, as pessoas ficaram no sol, esperando que a porta fosse liberada. A entrada só foi possível às cinco horas e até as sete da noite nada acontecia. No plenário, os vereadores esperavam pelo presidente da casa que, segundo informações dadas pelos vereadores Lino e Afrânio, estava em reunião com o prefeito. Mostrando completo desprezo pelas pessoas que ali estavam lutando pela cidade, os "nobres edis" se divertiam no facebook ou observando sites como o Voice Brasil. Nenhuma informação era passada. O que era a conversa do presidente da casa com o prefeito? Por que acontecia naquele momento? O que tramavam? Cabia ao povo supor que estava sendo articulado um acordo, possivelmente com a participação do empresariado da construção civil. Afinal, nas centenas de emendas estavam aquelas que aprovavam novos gabaritos (permitindo mais andares em vários bairros) e grandes empreendimentos. 

Quando faltavam poucos minutos para as sete, o presidente chegou e se fez o quorum. A sessão começou. Várias falas - do vereador Lino, Afrânio e Matheus (do PC do B, que estreava no plenário) pediam o adiamento da sessão para que fossem cumpridos os ritos legais desse tipo de processo. O presidente César Faria negava, e seguia patrolando.  O vereador Matheus (que é advogado) lembrou aos colegas que até a Constituição estava sendo rasgada e que todo aquele trabalho poderia ser barrado pela Justiça, como aconteceu na cidade de Itajaí, na qual o plano foi votado e depois suspenso por não ter seguido a lei. Mas, havia uma muralha constituída pela maioria que, inclusive, fazia depoimentos na tribuna, ofendendo e tripudiando das pessoas que ali estavam se manifestando. "Podem vaiar, vocês são uma meia dúzia", provocava o vereador Deglaber Goulart (PMDB).

Mas, o ato mais grave e escandaloso foi protagonizado pelo vereador Celso Sandrini, também do PMDB. Enquanto estava na tribuna, a população no plenário se manifestava chamando-o de vendido. Ele se irritou com uma moça que estava bem na frente, no vidro, e a ela se dirigiu, ameaçando: "Quero ver se tu me diz isso lá fora". Levou vaia. Ainda muito irritado ele saiu do plenário e veio para onde estava a moça, junto ao povo, em clara intimidação e pronto a agredi-la. Ela foi protegida pelas pessoas e alguns rapazes seguraram o vereador. Nessa hora, um segurança da casa, acompanhado de guardas municipais, chegou empurrando todo mundo, como se o agredido fosse o vereador. Tiraram-no da plateia e ele voltou ao plenário como se nada tivesse feito. Ou seja, ele quase agrediu fisicamente uma moça e ainda foi protegido pela guarda. Lá dentro, ninguém se pronunciou contra aquele flagrante ato de falta de decoro parlamentar. Podia cair uma bomba ali que nada pararia a sessão e a entrega da cidade aos abutres da construção.  

Assim, protegidos da população os vereadores foram votando as emendas em bloco, mostrando que estavam firmes na defesa da destruição da cidade. Na primeira emenda já derrubaram um dos bastiões da luta popular em Florianópolis: a Ponta do Coral, espaço pequeno de terra que tem na Beira-Mar (uma das principais avenidas). Ali, a população decidiu que quer um parque, mas os vereadores abriram uma mudança de zoneamento para permitir a construção de hotél, além de uma marina, para o atracamento de navios de cruzeiro. Era como um recado bem claro aos militantes sociais que ali estavam: "vocês perderam. Está tudo dominado". O envolvimento dos vereadores com o cartel da construção era tão flagrante que os relatores dos pareceres se recusaram a apresentá-los em plenário, levando à suspeita de que tinham completo desconhecimento do documento que, em última instância, eles deveriam ter escrito.

A sessão terminou minutos antes da meia-noite e hoje deve continuar. Alterações significativas na vida da cidade estão sendo feitas, sem que as pessoas sequer tenham tido tempo de saber. Bairros como o Estreito, Saco dos Limões e  Pântano do Sul, por exemplo, tiveram gabaritos aumentados, sofrerão vertiginosa verticalização. Áreas de lazer foram sacrificadas ao capital. Tudo está sendo preparado para mais uma onda de construções. A maioria dos vereadores se recusou a discutir questões como  a mobilidade, a capacidade energética. Em nome do discurso fácil do "progresso", os legisladores estão atendendo interesses que passam longe dos interesses das gentes que vivem na cidade. Todo o desenho do plano está calcado na construção de novos prédios e grandes projetos turísticos. Isso significa dinheiro demais, a considerar que um apartamento numa praia qualquer pode custar até um milhão de reais. 

Então, a briga que se trava na Câmara vai muito além do debate sobre qual o projeto de cidade que se pode querer. A única coisa que interessa ali é dinheiro. Business. Negócio. Plata. Boró.

Entre os militantes sociais que acompanharam a farsa, o sentimento era de revolta. Jeffrey Hoff, morador da Lagoa da Conceição e um histórico lutador nessa batalha pelo Plano Diretor Popular, estava desolado, mas ainda acredita que o processo possa ser revisto pela Justiça. "Há muitas irregularidades e ainda não foi julgado o mérito da ação que deu a liminar para suspender. Tenho esperanças que a gente ainda vá discutir esse plano como tem de ser". Gert Shinke e Raquel Macruz,  do Movimento Saneamento Alternativo, protestaram com o bom humor de sempre, distribuindo senhas às pessoas garantindo a elas uma "alteração de zoneamento, fazendo alusão à rifa que estava acontecendo dentro do Plenário. "São vendilhões e vão responder por isso".

E assim terminou essa primeira sessão, melancolicamente. A cidade loteada, entregue à especulação. Mas, entre as pessoas que caminhavam par ao terminal de ônibus, ia também a esperança, renitente, afinal, a luta não para. Muita água ainda vai rolar.  

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Gravidade


Mexo com comunicação, então, preciso estar sempre antenada com o que rola da indústria ideológica, nome dado por Ludovico Silva àquilo que os frankfurtianos chamavam de indústria cultural. Nome bem mais adequado, no meu entender, uma vez que o que rola no cinema, TV e outros meios do chamado campo cultural, têm muito mais de ideologia que de cultura. Mas, enfim. Tudo isso é uma breve introdução para falar do filme que foi o sucesso da indústria do cinema nas últimas semanas, o Gravidade, estrelado por Sandra Bullock e dirigido pelo incensado Alfonso Cuarón, roteirista, produtor e cineasta mexicano.

De alguma forma o filme me surpreendeu. Tirando um ou outro momento de tensão espetacular, a narrativa é lenta e arrastada, fora do padrão roliudiano de carros batendo, gente se socando, tiros, sangue e tudo mais que caracteriza o espiral de violência típico dos filmes de ação. Quando ele termina deixa bailando na cabeça pelo menos quatro grandes reflexões: a solidão, o altruísmo, deus e o presente precioso. E vai bem além da ideologia de propaganda de uma nação acostumada a fomentar a guerra. Talvez porque tenha sido feito por um mexicano.

A solidão é o que caracteriza a mulher que protagoniza o filme. Rayan tem nome de homem porque o pai queria um menino. Ela perdeu um filho e sua vida não tem sentido algum. Segundo ela mesma, desde que a criança se foi ela só "dirige", toca em frente, sem um lá-na-frente onde chegar. Apenas anda, como um autômato, e desde aí foi parar no espaço, consertando um telescópio. Estar viva ou morta, pouco se lhe dá. Isso é solidão. Estar vazio. E, ao longo do filme, é bonito ver como ela vai "se enchendo" de sentido. Está sozinha no meio do nada, mas não mais em solidão. Ficou bem narrado esse caminho feito pela mulher. deixa a gente pensando, pensando...

O altruísmo é um elemento praticamente inexistente no mundo moderno. Fazer algo realmente grande por alguém, chegando até o ponto de prejudicar a si próprio. Pois isso assoma no filme, aparecendo na figura do comandante da missão, o lindo George Clooney. É tocante a cena em que ele, depois de se desprender da colega, caindo no espaço vazio em direção a morte, ainda consegue animá-la e conduzi-la para dentro da estação. Divertido, caloroso, o astronauta que lidera a missão passa a impressão de que tem uma vida plena, cheia de sentido. E é ele o que decide morrer para salvar a colega, vazia e só. Momento de pura beleza. 

Mas, a cena mais bonita, para mim, foi a da presença de deus, ou do sagrado, ou de algo que não tem nome, que é aquele momento único em que nos deparamos com o essencial, o que nos move para a vida, apesar de todas as desesperanças. Rayan está na nave auxiliar, sem combustível, sem saber como chegar ao local que a salvaria. Ela se entrega, não se importa. Fecha os olhos e aceita a morte, de certa forma esperada desde quando perdeu o sentido viver. Então, (sonho ou realidade?) lhe aparece o colega despegado (o que devia estar morto), entra no módulo e lhe ensina (a faz recordar o que já sabia) um pequeno truque para que possa sair dali. O diálogo é lindo. E, a partir desse "encontro" ela aceita a ideia de que a vida pode ser boa, simplesmente por ser, sem qualquer grandiosa razão. A mão cavando a areia, o gosto da água, a brisa na beira-rio. A vida e sua permanência. Incrível momento humano. Esplendorosa lição. O presente, precioso, como momento capaz de ser suficiente para dar sentido à vida. 

A viagem da mulher em peripécia pelo espaço funciona como uma metáfora de cada um. Andando sempre tão longe para entender que o que realmente importa está diante de nós. Mas, para que cheguemos a isso, temos de vivenciar esses momentos-chave, cutucões dolorosos, experiências marcantes. A mulher que sobrevive e chega a seu destino não é a mesma que começa o filme, vazia de si e de tudo. Ela volta cheia, gorda de belezas, de sentimentos de gratidão, de estupefação com o presente precioso.

Eu que amo histórias de ficção saí da experiência cheia de encantamento. E havia muito tempo que um filme de roliude não me tocava tanto. Afinal, quem se descobre pode caminhar, enfim, para projetos coletivos. Valeu, Cuarón!