Texto de: Newton Tomazzoni
Sou uma eterna criança. E não tenho vergonha nenhuma de dizer isso. O que para a maioria talvez seja uma grave acusação, uma infame calúnia, ou uma irritante constatação, a mim é, na verdade, uma festa e uma orgia. Uma volta ao meu verdadeiro lar. Lá onde eu moro comigo mesmo e minha quente verdade. A se acreditar no filho de Deus, somente quem se tornar uma criança poderá entrar no reino dos céus. Por isso há muito tempo que desisti do mundo sério e engomado dos adultos. Ele não acordou a minha alma. Não fez cócegas na minha fantasia. Não zombou dos eternamente corretos. Ao contrário: ele tornou tudo cinza e barrento. Vozes resolutas anunciadoras de cantos estranhos a toda delicadeza...
Digo isso como um prelúdio: resisto em me tornar adulto. Talvez essa afirmação estranhe àqueles que, filhos da normalidade e devedores do ideal de cientificidade do mundo ocidental, acreditam no estado de maturidade como o ápice da vida. Eu caminho por outras estradas. Quem se tornou maduro é boi de canga, escravo, desertor de novas paragens, aceitou o selo da desistência gravado em sua pele, trocou as águias pelas tartarugas. A maturidade é um estado de quem chegou. Eu não quero chegar a lugar algum. Quero andar procurando...Há tantas coisas belas e simples espalhas pelo caminho. Invisíveis para quem não tem o olhar brincante. Jamais saboreadas por aqueles que “chegaram”. Quem chega desiste de novos rumos. Quem chega esvazia as malas. Quem chega guarda sua capa de chuva no armário. Quem chega, na verdade, chegou ao fim. Envelheceu. Seus olhos veem o que todos veem. Normal, demasiadamente normal.
Eu tenho dó dos maduros. Eles se sentam nas praças olhando o infinito com os olhos marejados de água. Sentam-se no meio fio das calçadas enquanto a banda passa “cantando coisas de amor” que eles nunca viveram. Tristes e dolorosos olhos em direção ao nada. Ansiando uma luz, uma mão, um sorriso...Eles não perseguem mais estrelas. Pois não há mais onde seguir. Chegaram. Maduros. Que vida triste, medida, domada, enclausurada, impotente, medíocre. Não haveria assim uma espécie de forma de sacudir essa gente? Penso que sim: um susto. Só há duas maneiras de alguém acordar antropologicamente para a vida. Primeira: uma decisão pessoal jogada na direção do não sabido. Uma corajosa vontade interior de enfrentar os abismos da existência. Alternativa muito pouco usada. Segunda: uma grande dor, um grandioso susto que os arranque desse ai aterrorizante de suas vidas estilhaçadas e os faça caminhar em direção a uma grande aventura.
Por isso que eu tenho um costume infantil. Adoro assustar meus alunos nos intervalos das aulas. Tal uma criança peralta, eu me escondo atrás das pilastras da Universidade e os assusto quando eles passam. Muitos pensam: esse professor não cresceu? Não. Definitivamente não. Esse professor não cresceu. Nem quer...Quando eles menos esperam eu grito nos seus ouvidos. A algazarra é geral. O riso emerge feliz por alguém tê-lo despertado. Ele é encouraçado, reservado, é preciso trazê-lo para fora. Ele não aparece fácil. Uns ficam brabos, outros entendem o recado: é preciso sair da mesmice que o cotidiano nos coloca. É preciso acordar para a delicadeza da vida, pois ela é uma grande brincadeira séria. O riso não é algo inocente. Ele é poderoso revolucionário. Rir não é só dispêndio de energia, como acusa nossos dicionários. Ele é um abrir cercas para deixar passar nossos anseios escondidos. É a última rebelião contra a tragédia. É como se rindo disséssemos: isso que ai está não é nossa grandeza. Há algo mais profundo. Belo, trágico, engraçado...O riso nos mostra a direção do sentido. Só ri quem já se superou. Segundo Ernest Bloch: “O que esta ai não pode ser verdade”. É isso que o riso faz. Nos arrasta para além da verdade. Nos empurra para dentro da beleza.
Por isso não deixarei de assustar meus alunos. A despeito de alguns ficarem brabos, não me importo. A beleza que brota de seus risos nos faz seres melhores, eu e eles, em dia com a quente verdade da vida. Uma vez uma aluna me disse: professor, você parece tão feliz! Eu respondi: Meu riso é uma desesperada tentativa de domesticar a tristeza. Não sei se ela entendeu, espero que sim. Se não, torço para que esse texto a ressuscite, como o riso faz em mim a toda hora. Por isso escrevo. Minha alma é hebraica. Os hebreus acreditavam na força da palavra. Até colocaram la no seu livro sagrado: “O verbo se fez carne...”. É isso. A palavra tem o poder de nos ressuscitar assim como um susto. Que um dia meus alunos possam, ao cair da noite de suas vidas, dizer como Mario Quintana, esse irmão que eu tenho da mesma mãe existência: “Sou apenas uma criança que envelheceu, um dia, de repente”.
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