Sou um bicho
raro. Minhas primeiras leituras foram os mitos gregos, depois vieram os
hebraicos, os semitas, os dos povos originários, os celtas, os africanos. Encantava-me
esse universo da fé. E, nesse entrecruzamento de deuses, deusas e expressões do
sagrado, fui percebendo que a religiosidade nos toma por dois motivos básicos:
a falta de uma explicação plausível para os mistérios do mundo e a nossa
fragilidade humana. Nietzsche muito bem definiu isso quando disse que a
religião servia aos fracos.
Pois ao
longo desse mais de meio século de vida, tantas vezes me vi tão fraca, tão sem
força, tão frágil diante da tormenta do viver que, nessas horas, sempre, sem
qualquer pudor, me apeguei aos deuses.
Eles serviam como redes onde podia descansar meu corpo doído ou espaços de
abrigo seguro para minha alma em escombros. Mas, com Mestre Eckart aprendi que
também os momentos de sublime beleza estão repletos desse sentimento indizível
do sagrado. Horas assim em que a sensação de felicidade é tão grande que a
gente se sente mergulhada num oceano intraduzível. O mistério. O ômega.
Também, ao
longo dessa caminhada de mulher militante, de lutadora social, nunca escondi que
junto a mundanidade das lutas, fatalmente carreguei a atmosfera do sagrado.
Nunca me envergonhei de amar os ensinamentos de Jesus, de Buda, dos pajés, dos
xamãs. porque, todos eles apontam para a construção de um ser humano de beleza,
de sensibilidade, de ternura, de cuidado com o outro. Mesmo quando tomada pelo
ódio, assoma em mim a certeza de que o ódio nos move na luta contra os vilões
do amor, e, por conta disso, é necessário. Nossa humana condição é essa mesmo,
sombra e luz, yng e yang. E assim vamos
caminhando.
Minha mãe
era muito igrejeira e desde pequena convivi com essa atmosfera de santos e
cerimônias. Uma das coisas que ela me ensinou é que o sagrado não está nas
coisas, nas imagens. O sagrado está em nós e na maneira como vemos as coisas e
nos movemos no mundo. Ainda assim, me apego a coisas, porque elas, de alguma
forma, concretizam determinados sentimentos que por vezes, me são necessários.
Amo a figura de São Francisco, por exemplo, não por ser santo, mas por ser o
homem que foi, e gosto de tê-lo em casa, numa imagem, porque ao mirá-lo, volta
e meia me recordo do que preciso ser. Também tenho em casa uma chacana, símbolo
da religiosidade andina, e sua sombra na parede me impele a compreender as
profundezas do mistério.
Guardo
bonequinhos do Sr. Spock, do Mulder, do Saci, seres de ficção que me encantam com
sentimentos bons, de alguma forma, sagrados. Tenho retratos do Che na parede e espalho pela casa bernunças e carrancas do
São Francisco. Porque, para mim, imagens
significam. Chorei quando os talibãs quebraram as estátuas do Buda porque
imagino o quanto aquilo podia significar para alguém. Luto pelas comunidades
indígenas e me indigno quando os brancos destroem seus espaços simbólicos do
sagrados.
Não importa
se a gente é de direita ou de esquerda. As coisas significam. E elas podem nos
paralisar, nos alienar, nos escravizar ou nos libertar. Tudo vai depender de
uma série de outras variáveis que vamos construindo ao longo da vida. Confesso,
vivo carregada de religiosidade, embora isso não me torne prisioneira de dogmas
ou de pessoas. Busco o sagrado e não tenho vergonha de me deitar nas redes do
que chamam "supertição" ou "ópio". Respeito os deuses de todos e tenho a firme
convicção de que o melhor dos mundos é aquele no qual não existem "povos
eleitos", definidos por algum homem ou mulher que se arvore decifrar o
sagrado. O sagrado é indizível, indefinível, é um momento único de encontro com
a beleza suprema. Disso não podem nascer igrejas, apenas relações de amor.
Sonho com o
dia em que poderemos viver nossas
fraquezas, amparada nos nossos mais variados deuses e deusas, sem que ninguém
diga qual deles é melhor. Esse dia está longe, e até lá, ainda teremos de
vivenciar muita intolerância. O que é uma pena.
Enquanto
isso, canto!
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