Por José Cristian Góes*
Impressionante
como alguns colegas jornalistas não conseguem entender (ou não querem) o
porquê das ações agressivas e persistentes contra repórteres e veículos
de comunicação em quase todas as manifestações pelo país. Convenhamos,
não precisa muito esforço para querer entender esse fenômeno.
Primeiro,
deixo bem claro meu posicionamento contundente contra qualquer
violência, seja do Estado, do mercado e das pessoas. Nada, absolutamente
nada justifica a violência, nenhuma forma violência, nem as explícitas e
nem as veladas. É o que penso.
As manifestações que tomam contam
do país têm uma pauta muito além da redução do preço do ônibus e isso
parece bem clar
o. No fundo, os atos apontam consistentes críticas às instituições
sociais porque elas não responderiam mais as demandas, as necessidades
da sociedade.
A corrupção privada e pública, a injustiça contra
muitos e o grande lucro de poucos são centrais no sistema capitalista.
As instituições sociais foram tomadas pelo capital e por seus
interesses, estando mergulhadas até a alma nesse fosso. Nos limites do
capitalismo elas esgotaram-se.
Mas que instituições sociais são
essas? A Política, por exemplo, (partidos, regras e financiamentos
eleitorais, participação); o Estado (Executivo, Legislativo e
Judiciário) e sua forma de organização e financiamento; a Organização
social (associações, sindicatos, entidades religiosas); o Jornalismo
(imprensa).
Essas instituições têm um traço comum: a
representação social. E a essência da crítica estaria aí. Esclarecendo,
política, Estado, entidades civis, imprensa não mais re
presentam de forma preponderante os interesses da maioria. Vivemos uma
crise de representatividade. Isso é um fenômeno mundial e já faz tempo. O
descrédito é a tônica.
Ocorre que as instituições não são entes
abstratos. Elas se materializam nos homens e mulheres que as compõem e
em suas atividades cotidianas. Na prática, a crise está na enorme
distância entre representantes e representados, entre compromissos e
realizações, entre promessas de fidelidade e ações concretas de traição,
entre o discurso e a prática.
O PT, apenas para citar um
exemplo, enquanto ideia de realização contribuiu imensamente para essa
desesperança, à medida que inverteu significativamente à lógica da
esperança depositada nele.
E a imprensa nessa história?
O
jornalismo também é uma instituição social e adquire essa condição
porque se comprometeu com a sociedade com o “dever da verdade”, doa em
quem doer. Ou não foi is
so? Nós (as audiências) concedemos ao jornalismo a tarefa de
representação dos interesses de todos. Acreditamos ser o jornalismo um
farol que nunca se apaga, isto é, estará sempre atento e pronto (sem
jamais descansar) para fiscalizar e denunciar, por exemplo, os atos
corrupção no sistema político.
Há um contrato tácito entre
jornalismo e sociedade. Esse acordo prevê que o jornalismo oferecido
pela imprensa a todos considera que a informação de relevante interesse
público é um direito fundamental para o exercício da cidadania e que os
jornalistas não podem admitir que esses direito seja impedido por nenhum
tipo de interesse (Código de Ética dos Jornalistas). Grife-se: nenhum
tipo de interesse.
Agora, avalie criticamente: Imprensa e
jornalistas têm cumprido esse acordo do dever da verdade? As coberturas
da imprensa revelam a supremacia absoluta do interesse público sobre os
interesses privados? Como tem ocorrido a seleção e o enfo
que das notícias? Há manipulação e inversão? Há mentira em lugar da
verdade? Omite-se para atender interesses políticos e econômicos? Há
sensacionalismo e criminalização das camadas populares? Quem tem fala
preponderante nas notícias: os políticos, os empresários, o Estado, a
polícia?
À prática cotidiana do jornalismo impõe-se o exercício
da reflexão sobre a atividade jornalística, exatamente em razão de a
imprensa ser uma importantíssima instituição social. Infelizmente essa
avaliação da prática do jornalismo é raríssima entre os próprios
jornalistas e impensável pelos meios. Aliás, a mídia – enquanto sistema -
tem verdadeiro horror e pavor da ideia de receber críticas, o que é
profundamente antidemocrático.
Alguém apressadamente pode gritar:
mas o jornalista é apenas um profissional que estaria a serviço da
empresa, do dono dos meios. Calma com o andor. Não é bem assim, não. De
fato, não se pode desconhec
er que a maioria dos veículos está nas mãos de políticos, de suas
famílias e de gente que trata o jornalismo como negócio. Independente da
linha política dos empresários e da natureza das empresas, o jornalista
é corresponsável em todo processo de informação.
O compromisso
fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos e ele deve
pautar seu trabalho na precisa apuração dos acontecimentos e na sua
correta divulgação (Código de Ética dos Jornalistas). Não é o dono do
veículo quem vai para rua, não coloca o revólver na cabeça do repórter
diz como deve ser feito o trabalho. Nenhuma linha editorial pode
contrariar o dever da verdade, a precisa apuração e divulgação dos
acontecimentos.
Um fato concreto: há uma manifestação de 15 mil
pessoas nas ruas. Movimento pacífico. O ato dura mais ou menos seis
horas. São inúmeras as reivindicações, as pautas, as figuras, as
músicas, etc, etc e etc. O ato termina tran
quilo. Depois de encerrado algumas pessoas (seis ou sete) resolvem
jogar pedras e tocar fogo. Alguns são presos. Claro, a imprensa cobre
tudo e tem que cobrir mesmo. É acontecimento.
Quando vai se
noticiar estão em destaque nas manchetes e fotos, isto é, como enfoque
principal sobre a manifestação: “depredação, crime, vandalismo,
quebra-quebra, saques, ônibus incendiado, terror, bombas, paus e pedras,
etc, etc”. O ato foi isso mesmo? Só isso? São presas 31 pessoas (muitas
sem provas), todas rotuladas como “bandidos, criminosos, canalhas,
vermes, pulhas”, etc e etc. Nas notícias a versão oficial é a versão da
polícia, e apenas são revelados os nomes e fotos dos presos, não por
coincidência, pobres. Ou seja, há uma profunda desproporcionalidade na
angulação do acontecimento, inversão, manipulação e a sociedade não
engole mais passivamente isso.
Assim, a cobertura jornalística
não informa, apenas contribui para o medo, p
ara o pânico social, criminalizando todo e qualquer movimento
reivindicatório. Qual será a reação das pessoas na próxima manifestação
diante da imprensa? De apoio ou rejeição? Pior, além de desqualificar
essas e outras coberturas – por má fé ou incompetência – parte da
imprensa ainda carrega a arrogância de querer dar direção, impor,
manipular as pautas de reivindicações populares, incentivando o
comportamento de manada, de um nacionalismo tirano e fascista.
Três
detalhes para finalizar: primeiro que o povo não é bobo. Até finge ser,
mas não é. Tem uma paciência imensa. Demora, demora, dá muitas e muitas
chances, mas tudo tem limite e acorda. Por exemplo, não foi a grande e
velha mídia quem convocou as grandes manifestações. O povo não foi às
ruas por causa de sua convocação, que não existiu. Os atos ocorreriam
independentemente do jornal A, da tv B e da rádio C fazer convocação e
cobrir.
Segundo que essa cris
e de representatividade envolvendo o jornalismo como uma instituição
social revela um modelo falido de imprensa e uma forma ultrapassada de
fazer jornalismo. Não se aceita mais com muita passividade a mentira, a
manipulação, a omissão, a criminalização, a versão oficial do Estado e
do mercado como única e intocável verdade. O desmascaramento não trata a
aparecer. As redes sociais estão em prontidão.
Não é preciso
reinventar o jornalismo nem a imprensa, mas se deve dedicar ao exercício
do que essa instituição social se propõe: o dever da verdade, da
pluralidade, da diversidade, do senso de justiça e respeito aos direitos
humanos.
E por fim, o terceiro e talvez o mais importante
detalhe: esse momento de crise é excelente para que jornalistas,
empresas e entidades da sociedade civil façam uma aprofundada reflexão
sobre esta instituição social. Lembre-se, por exemplo, que empresas de
rádio e tv são concessões públicas. Já pass
ou da hora da imprensa ser pensada e repensada enquanto atividade.
Esta
é uma oportunidade que muitos, por própria arrogância, sequer cogitam
debater. Bom, para esses, as coberturas jornalísticas continuarão sendo
realizadas com jornalistas sem identificação, com medo em cima dos
prédios, com a contratação de seguranças e colocando em risco seus
profissionais, ampliando ainda mais o fosso entre jornalismo e a
sociedade.
Reafirmo meu claro meu posicionamento contra qualquer
violência, seja do Estado, do mercado e das pessoas. Nada, absolutamente
nada justifica a violência, nenhuma forma violência. E sustento que a
imprensa deveria aproveitar o bom momento para tomar um chá de humildade
e reflexol. Faria muito bem ao jornalismo e melhor ainda para a
sociedade.
*Jornalista e ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas/SE, mestrando em Comunicação/UFS
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