A luta de classe, já dizia o
velho Marx, é isso mesmo: luta. Uma batalha entre aqueles que detêm os meios de
produção contra os que são oprimidos por eles. Nesse confronto, as forças
geralmente são desiguais porque os que dominam têm também o controle das forças
armadas, a força bruta, a repressão. Por isso que, para vencer, os oprimidos só
podem usar o que têm: "seus corpos nus", como dizia o grande repórter
Marcos Faermann. Então, sem o recurso das armas só quando muitos corpos se unem
numa mesma luta, é possível vencer a força bruta. Assim, a revolução!...
Mas, a revolução tampouco é coisa
que nasce do nada. Ela é o acúmulo de anos e anos de medos, dores, ódios,
amores, mortes, violências. As coisas vão acumulando nas camadas mais pobres da
população, entre os oprimidos, até que um dia, um motivo torpe, uma coisa de
nada, acende o estopim, e tudo começar a arder. Quem não se lembra de 1968, na
França, quando uma manifestação estudantil contra a divisão de dormitórios,
acendeu o pavio de um movimento gigantesco, que mudou a cara do mundo no que
diz respeito aos costumes, à cultura e até à política. Não chegou a ser uma
revolução, mas alavancou transformações importantes.
Ontem, no Brasil, a população viu
o que não via há tempos. Multidões nas ruas, reivindicando, exigindo direitos,
protestando. Começou como um dos tantos protestos contra o aumento de tarifas,
teve uma reação fora de propósito pela polícia paulista e gerou uma onda
incontrolável de manifestações. É um estopim.
Muitos analistas falam da falta
de foco do movimento. Cada um protesta por uma coisa diferente. As
reivindicações são difusas e não convergem para um propósito único, capaz de
provocar uma fissura realmente considerável no sistema. Isso de fato é verdade.
Há uma gana por dizer a palavra, há tantas coisas a reivindicar e isso tende a
diluir as vitórias. Só que como as manifestações estão sendo feitas por gente,
o resultado de tudo isso ainda é inalcançável. Tudo pode acontecer.
Tive a oportunidade de acompanhar
algumas das grandes manifestações que ocorreram no mundo nos últimos anos.
Estive na Grécia, nas greves gerais, quando milhões de pessoas saíram às ruas
contra os "ajustes" impostos pelos bancos que levaram o país a
bancarrota. Estive na Praça do Sol, na Espanha, vendo milhões a caminhar contra
o arrocho provocado pela mesma crise que atingiu a Grécia. Estive na cidade do
Cairo quando a multidão saiu às ruas para celebrar um ano da queda de Mubarack. Em cada um desses lugares, os milhões de
manifestantes ( e tantos mortos) lograram poucas mudanças. A Grécia segue
aprofundando as medidas de recessão, a Espanha elegeu um presidente da direita
que também penaliza as gentes e o Egito ainda segue tentando garantir alguma transformação.
Em todos esses momentos também foi possível observar as reivindicações difusas,
as divisões internas, a intervenção "providencial" da direita. Porque
a luta de classe é assim mesmo: batalha de duas concepções divergentes. E
quando as gentes ocupam as ruas, a classe dominante sabe que também tem de
sair, usurpando bandeiras e confundindo as mentes. Quando a força bruta perde
eficácia, a classe dominante usa a confusão, usa a alienação mental
potencializada pela mídia comercial a seu serviço, infiltra gente para fazer
ações de desestabilização ou incita a que as façam. A batalha é feroz.
Mas, tudo isso não pode fazer com
que o sentido da revolta seja diminuído. Num mundo onde as pessoas são
diuturnamente bombardeadas com informações alienantes e desestruturastes, seja
na escola, na mídia, nos diversos grupos sociais, é natural que os desejos de
transformação sejam parciais, difusos, variados. Todo o sistema funciona no
sentido de manter a mente das pessoas prisioneira da ideologia de que no
capitalismo, em algum momento, se elas trabalharem direitinho, chegarão "lá".
O que significa chegar a um nível de consumo capaz de satisfazer todos os desejos
de vida boa e bonita.
Mas, no capitalismo, esse chegar
lá é individual, depende de cada um. Daí a sua sedução. E essa mentira,
repetida tantas vezes, em todos os veículos de transmissão da ideologia da
classe dominante, vai se fazendo realidade. A classe dominante aprova e
incentiva a formação de grupos diversos, para que as reivindicações fiquem
mesmo difusas: negros, mulheres, LGBT, funcionários público, trabalhadores
privados, familiares de presos, ecologistas, pela liberação da maconha, contra
a corrupção. Assim, divididos e sem um corte de classe definido, fica bem mais
fácil de controlar.
Só que chega um dia, como ontem,
que essas gentes divididas entre tantas reivindicações segmentadas se juntam e
caminham em uníssono. É onde nasce a possibilidade do ainda-não. É um momento
único de explosão da consciência de classe. De alguma forma, todos ali na
caminhada são oprimidos, estão enfrentando o mesmo aparato repressor, se
enfrentam com um única classe dominante. É a luta de classe.
O que pode acontecer depois
desses momentos de elevação da consciência de classe não há como saber. Pode
ser apenas um momento de acumulação de força, de crescimento da consciência, de
reconhecimento sobre quem é a elite dominante e como age para manter o controle. O fato é que a consciência de
classe só pode brotar desses instantes únicos, de comunhão, de povo unido na
rua. Ela não pode ser incutida pelo discurso, pelos cursos de formação. Ela só
pode brotar assim, na práxis, no enfrentamento da vida mesma. As ruas do Brasil se encheram ontem, de
jovens, de velhos, de trabalhadores, de crianças, de gente querendo mudanças.
Como um dia, num passado bem próximo, se
encheram pela anistia, pelas diretas, pela queda de Collor. Foi um momento
lindo, bonito de se ver e viver.
Agora, nos palácios, governantes
e aqueles que os governam, já ensaiam sua reação. Que virá. As tarifas vão
baixar e eles esperarão para contabilizar os estragos, para observar as
rachaduras no muro ideológico, sempre com o cimento na mão. Para nós, que
estamos do outro lado também será tempo de observar onde avançou a consciência
de classe e seguir, sempre prontos para o combate.
Fascistas, Fascistas! Não passarão!!!
ResponderExcluirAcabo de voltar da passeata na Av. Paulista, convocada pela direção nacional do PT. Éramos não mais de 200 militantes.
Quando cheguei à concentração, na Av. Angélica, vi que talvez não conseguíssemos caminhar nem 100 metros... O ódio dos que estavam na Paulista e que ocupam as ruas há dias era total. Mas esse ódio não era direcionado apenas ao PT. Era contra qualquer bandeira, qualquer movimento social organizado. A CUT estava presente. O Movimento Passe Livre. E a UNE também.
Durante a passeata, várias bandeiras foram atacadas, rasgadas e queimadas sob gritos de "Fora PT, vai tomar no cu!", "o povo acordou", "oportunistas" e, last but not least, "mensaleiros"!!!
Desde o início, foi necessário formar um cordão humano para "proteger" o final da passeata. Às vezes, formava-se um cordão também na lateral.
Os ataques acompanharam toda a passeata. Fomos vaiados na maior parte do tempo (por milhares, milhares de manifestantes). O silêncio só veio quando cantamos um trecho do hino nacional. Também gritávamos: "Sem violência", "Democracia", "Vem pra rua, vem contra a tarifa", "olha que loucura, contra partido, parece ditadura" e "R$ 3 não dá, contra a tarifa, é passe livre já".
Durante o trajeto, tentaram invadir a passeata, ameaçaram, provocaram, partindo para a agressão, xingando o tempo todo. Foi tenso. Deu um medo danado.
Um dos gritos que se expandia com muita facilidade, espalhando-se pela Paulista, era: "O povo unido não precisa de partido". Enquanto gritavam, as pessoas, que ocupavam as laterais da avenida, colocavam os braços para cima, em gesto típico do nazismo/fascismo.
Seguimos até o Masp. Não sei nem dizer como conseguimos. Nessa hora, os gritos de "abaixa a bandeira" tornaram-se cada vez mais fortes. E os ataques também. Chutes e ameaças, de um grupo de "carecas" e fortões, que seguiu a passeata durante todo o trajeto, tornavam a cena totalmente assustadora.
Na altura da estação Trianon-Masp fomos cercados. A passeata tornou-se, praticamente, um cordão humano, de um lado e de outro. Começaram a jogar rojões em cima da gente e bolas de papel com fogo.
Nessa hora, correram avisos para que a gente guardasse as bandeiras. Eu, por exemplo, estava empunhando uma bandeira da União Estadual dos Estudantes de São Paulo (acho que era isso) e desfilei o tempo todo enrolada numa bandeira do PT. Alguém pegou a bandeira da UEE e outro me avisou para tirar a bandeira do PT e guardar na mochila (para evitar linchamento e coisas do tipo, caso a passeata se dispersasse).
Para vocês terem uma ideia, eu estava compondo o segundo cordão no fim da passeata. Não foi nada fácil.
Nesse momento surgiu o grito: "Fascistas, Fascistas, Não Passarão!!".
O grito foi entoado em uníssono, com muita força. Embora o momento não fosse propício, cheguei a rir quando uma moça, que estava atrás de mim, soltou: "gente, não adianta gritar isso, eles não sabem o que é, vão achar que é só provocação e, ao que parece, somos minoria!!".
E éramos. Depois de alguns minutos, abaixamos as bandeiras, a passeata foi invadida. Dispersamos.
Voltei para casa, com a bandeira na mochila, pensando. Pensando muito. Lembrei do Allende.