Alzheimer/Velhice

segunda-feira, 25 de março de 2013

Quando um amigo chamar, vá!


Ela tinha muitos amigos no facebook e inumeráveis seguidores no twitter. Por ali sempre rolavam conversas, risadas, compartilhamentos de textos e sentimentos. Mas havia a frieza de um espaço sem olhares quentes, sem abraços apertados, sem beijos, sem toques de mãos. E ela precisava disso. Talvez porque fosse de uma outra geração, de um outro mundo, desses nos quais as pessoas se olham e se afagam e se beijam e se encantam uma com a outra. Ela, então, tinha sede e fome de presenças, era o seu alimento e, sem isso, definhava. Achava até que se não tivesse, vez em quando, o contato real com aqueles a quem amava, morreria.
Então inventou um encontro. Precisava dele para não sucumbir de vazios humanos. Comprou frutas, sucos, vinhos, pãezinhos e patês. Tal qual Babette planejando a festa, preparou delícias para dividir com aqueles os quais chama de amigos. Comer junto é comunhão, coisa sagrada, desperta o que há de melhor em cada ser. Também, feito a raposa, desde a manhã seu coração batia ligeiro esperando a hora do abraço que lhe devolveria a vida. Era o primeiro dia do outono, a mais bonita das estações, e chovia uma chuva forte, lavando a cidade e preparando a terra para a colheita. O universo conspirava para que a noite fosse de profundas alegrias.
Quando a hora chegou, tudo estava pronto. A mesa posta, a música escolhida, o vinho aberto. Ela sentou-se na varanda, a esperar. A chuva seguia, renitente, mas, pensou: “ninguém é de açúcar”. E quem ousaria não dar ouvidos ao chamado de um amigo? Sorriu e ficou a imaginar cada um dos rostinhos amados que chegariam, afogueados, guarda-chuvas abertos, fugindo do aguaceiro, também ansiosos pelo encontro, o abraço, o toque.
O tempo foi fugindo do relógio, a chuva seguindo seu curso, as frutas murchando e ninguém apareceu. A mulher deixou-se ficar à varanda, com todos os copos de vinho no chão. Na cidade molhada nenhum amigo atendeu ao chamado. Não haveria abraços, nem beijos, nem toques de mãos. Então, dos olhos, começaram a escorrer pequenas gotas de lágrimas, que foram crescendo, crescendo, crescendo, até formarem uma imensa poça de água. No dia seguinte, quando a procuraram, tudo o que puderam encontrar foi aquela estranha poça ao lado da cadeira que balançava sozinha no alpendre. A mulher nunca mais foi vista. Seu último post no facebook foi um insistente chamado para a festa.
Sua caixa de emails, aberta no dia seguinte, estava cheia de mensagens dos amigos, dizendo que tinham coisas importantes a fazer. Não seria possível o encontro. E a vida seguiu no facebook, com milhares de pessoas “compartilhando” coisas.  
 

2 comentários:

  1. Muito bom isto que você escreveu.
    Parabéns pela inspiração, Elaine!

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  2. Lindo texto.
    Tomara que a gente não tenha que viver isso.
    Vale o aleta.

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