Foto: DC
Já se passaram 16 dias
desde o primeiro ataque aos ônibus em Santa Catarina e a capital,
Florianópolis, é a que vive os piores momentos, uma vez que a população está
tendo de amargar um toque de recolher desde antes do carnaval. Oito horas da noite
encerram-se as linhas de ônibus normais. Depois, apenas algumas funcionam com
trajeto alterado e com escolta policial. Essa é a atitude dos governantes,
deixar a deriva mais de 200 mil usuários do transporte público. As causas dos
ataques parecem ser as mesmas que provocaram o primeiro desse tipo de ação
organizada em novembro de 2012: a tortura e a violência nos presídios do Estado.
No ano passado, uma série de atentados teve início em função de problemas na
penitenciária de São Pedro de Alcântara. Naqueles dias, a situação chegou a tal
ponto que foi ordenada a morte do diretor. O plano não deu certo e quem acabou
morrendo foi a esposa dele, uma agente prisional. Como as violências dentro dos
presídios não cederam, os chefes do crime organizado deram a ordem para ataques
sistemáticos e pontuais visando os ônibus urbanos.
Um acordo com o
governo sobre o fim da tortura colocou ponto final no problema e a vida seguiu
seu rumo. Agora, em janeiro, no penúltimo dia do ano, uma segunda sequência de
ataques começou outra vez. Segundo fontes de dentro dos presídios, divulgadas
através de gravações na mídia comercial, a situação continuou a mesma, com
novas cenas de tortura e violências de toda a ordem. Nessa segunda leva de
ataques também o interior do Estado foi atingido e a queima de ônibus e ataques
a bases policiais já passa dos 90 casos.
Enquanto os
trabalhadores do transporte amargam cenas de completo terror, tendo armas
apontadas para suas cabeças, e a
população precisa se virar para chegar em casa depois do trabalho, as
autoridades insistem em dizer que tudo está sob controle. Só não dizem de quem.
Ao que parece, o controle é do chamado "Primeiro Grupo Catarinense",
grupo organizado a partir de dentro das penitenciárias com ramificações em todo
o Estado. A secretária de segurança, Ada de Luca, tem tido uma atuação bastante
omissa e quando finalmente falou com a imprensa, limitou-se a dizer que há uma
batalha interna contra ela na segurança pública, uma vez que as fitas que
vazaram para a imprensa foram encaminhadas - segundo informações correntes - por agentes prisionais. Sobre as torturas,
nada a declarar. Enquanto isso o "salve geral" dado desde dentro dos
presídios aos que estão fora chegou ao ponto de atingir a garagem do centro
administrativo do Estado, com dois carros queimados. E os jornais locais
reproduzindo notícias de que tudo estava sob controle no carnaval e divulgando
informações de exaltação ao sistema de segurança estadual dizendo que este
possui as melhores tecnologias de inteligência (sic), numa tentativa de
minimizar a completa derrota do estado.
Apenas ontem, dia13, o
governo se reuniu com o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que esteve
no Estado para discutir a situação. A proposta que vinha sendo aventada, mas
não foi confirmada pelo ministro, por "questões de segurança", era a de envio de forças nacionais e a transferência
de presos para presídios federais. Tanto uma como a outra parece carecer de
eficácia. A primeira porque é paliativa e não garante que os ataques cessem e a
segunda porque pode gerar ainda mais revolta. O que os presos querem é que
cessem as torturas dentro das penitenciárias e essa opção é a que parece mais
distante.
Cenas em vídeo
distribuídas pela mídia mostram um cotidiano bastante perverso nos locais onde
os chamados criminosos deveriam estar sendo ressocializados. O Estado, que
deveria primar pelo cuidado das vidas que estão sob sua custódia é o que acaba
fomentando mais violência. E aí não se trata de querer que os presos sejam
tratados a pão de ló, apenas com a dignidade que merece uma vida humana. O que
pouca gente mostra é que a maioria dos apenados não é formada por gente que tenha
praticado crimes bárbaros. Pelo contrário, são delitos mais leves. Tanto que na
vistoria feita aos 49 estabelecimentos penais do Estado durante o carnaval, o Departamento
de Administração Prisional levantou o número de 20 pessoas que seriam as
responsáveis pelos chamado aos ataques. Vinte pessoas, num universo de mais de 12 mil presos.
Assim, fica claro que as condições dentro das cadeias acabam criando uma
espécie de escola do crime e a pessoa geralmente sai pior do que entrou. Para
se ter uma ideia, segundo estudo da Corregedoria Geral de Justiça, em 2009, o sistema em Santa Catarina poderia abrigar
apenas a metade do número que hoje abriga, gerando superlotação. Naqueles dias já havia um excesso
de 5.050 presos no sistema. E são
justamente essas condições que fazem brotar "fraternidades" , as quais
prestam serviços importantes aos presos e aos familiares (no geral pessoas
empobrecidas, sem condições de dar assistência ao familiar) gerando um código
de honra que se expressa em momentos como esse, de crise.
Durante os festejos do
carnaval o vereador Tiago Silva se movimentou e conseguiu reunir as assinaturas
necessárias para convocar a secretária Ada de Luca a dar esclarecimentos sobre
a situação na Câmara de Vereadores, em reunião convocada para hoje, dia 14.
Ainda não há confirmação da presença. No geral, as forças políticas da cidade
estão anestesiadas ou desinteressadas. Talvez estejam esperando passar o carnaval
ou quem sabe estejam mais preocupadas em definir planos para a sucessão
governamental do próximo ano. Não se vê movimentação no mundo sindical, exceto
entre os trabalhadores do transporte público que já delineiam uma greve e do
sindicato dos professores que pediram o adiamento do início das aulas, o qual
foi olimpicamente ignorado pela Secretaria de Educação. As aulas começaram hoje
e ninguém sabe como as pessoas que estudam à noite vão voltar para casa. Uma ou
outra nota pública circula, mas não há uma mobilização junto aos trabalhadores
para discutir o problema na sua causa e não apenas a consequência.
Também se percebe nas
ruas o velho ranço conservador que exige mais violência contra a violência. A
população, nos ônibus, nas ruas, nas esquinas, reproduz os discursos de que é
preciso uma mão mais dura junto aos apenados, sem se dar conta de que é justamente
isso que está levando o Estado a esse caos. Sem a mídia para fazer o debate e
sem os sindicatos, partidos políticos e movimentos sociais informando e
esclarecendo, a tendência é de que esse pensamento siga florescendo, avançando inclusive
para bandeiras mais reacionárias como a diminuição da maioridade penal. Como a
maioria dos atentados está sendo protagonizado por menores, a grita geral é que
é preciso dar cadeia a esses garotos. De novo, as causas ficam encobertas.
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