O mundo liberal
burguês criou o mito da democracia como sendo a possibilidade que o povo tem de
escolher seus representantes. Vota-se a cada dois anos, para prefeito,
vereador, deputado estadual, federal, senador, governador e presidente. E tudo
está feito. Fez-se a democracia. Os eleitos, que na campanha prometem defender
as causas do povo, ao assumirem os cargos passam a defender os interesses de
quem financiou a campanha, o que nunca é o povo. No geral são empresários,
grupos de interesses específicos, que cobram a fatura. Assim, o povo fica a ver
navios, esperando pela próxima campanha, na qual os candidatos farão as mesmas
promessas.
Estamos em campanha
agora. Os mesmos caras que governam a cidade há décadas expõem suas propostas
como se nunca tivessem estado no poder. Falam de melhorar o transporte, a
saúde, a segurança, tem quem queira colocar GPS para que o povo saiba onde está
o ônibus, os que vão criar creches 24 horas e nas férias, para que as mães
possam trabalhar tranquilas. Enfim, um festival de bobagens. Na outra ponta, as
gentes, alucinadas com a dura tarefa de sobreviver, que se encantam com a tela fosforescente
e acreditam nas promessas. Sem tempo para pensar a realidade e se organizar
numa verdadeira democracia participativa, acossadas pela necessidade de ganhar
a vida, as pessoas preferem crer nos representantes e esperar que eles os
salvem. Não é assim, nem nunca será.
Esta semana a
prefeitura organizou uma cena digna de compaixão. Juntou trabalhadores do Posto
de Saúde do Campeche e da região, famílias amigas, políticos inescrupulosos e
propuseram uma obra ao bairro: um novo Posto de Saúde, desta vez próprio, pois
o que tem está em casa alugada. A prefeitura recebeu uma grana do PAC e precisa
gastar tudo até o final do ano. Estava com pressa. Aproveitou as eleições e
colocou para o povo a possibilidade da construção do Posto no mesmo lugar onde
a comunidade, há décadas, pede a criação de uma Parque Cultural. Pois algumas
lideranças comunitárias, dessas que estão na luta orgânica desde sempre foram à reunião para tentar explicar que o Campeche
tem muitos outros terrenos onde o Posto pode ser construído. Por que escolher o
lugar do parque?
Na verdade, quem luta
no Campeche sabe porque a prefeitura veio com essa proposta. Porque o Parque
Cultural é uma proposta do movimento popular, dos que lutam por uma
bairro-jardim, por vida boa para todos, dos que batalham por espaços de
convivência que integrem e organizem a comunidade. E essas coisas tem de ser
destruídas pelo poder instituído. Impor uma derrota ao movimento, esfacelar os
sonhos, dividir as gentes.
E foi o que se viu.
Moradores contra moradores, pessoas simples, gente que convive diariamente e
sofre a falta de espaços de lazer e de organização, acusando os lutadores sociais
de estarem contra o Posto de Saúde. Ou
seja, desvirtuando completamente as coisas. O que se propunha era o Posto em
outro lugar. E há terra demais para isso. E não teve jeito. Como a prefeitura
havia organizado as famílias e os trabalhadores, a proposta passou. Derrota
para o movimento social, desgaste, tristeza. As lutas de anos a fio indo pelo
ralo.
Não bastasse isso, os
vereadores da cidade, na surdina, sem divulgação alguma, e no apagar das luzes
antes das eleições, aprovaram uma série de alterações de zoneamento, quando
todo o movimento de luta por um Plano Diretor vem exigindo um defeso nessa
área. E o que significa isso? Que não deve haver alteração de zoneamento
enquanto não se decidir o plano diretor. Isso foi decisão das comunidades, das
gentes que estão há mais de cinco anos discutindo o Plano Diretor. Mas quem diz
que vereador representa o povo? Eles representam os interesses imobiliários,
dos poderosos, dos ricos. E, surdos às gentes, aprovaram proposta do vereador
Dalmo de Menezes (candidato de novo) alterações na lei que limita o número de
andares nos prédios do Cacupé, abolindo a decisão do povo que exigia a
continuidade da regra dos dois pavimentos. Aprovaram ainda outra lei que altera
zoneamento no Campeche, de autoria do vereador João Aurélio (candidato de
novo). E outro do Dalmo Menezes que incentiva a construção de shopings na cidade, e mais outros quatro
projetos que também alteram o zoneamento de áreas no Saco Grande, Vargem
Grande, Pântano do Sul e Centro, apresentados pelos vereadores Ricardo Vieira e
Jaime Tonelo (candidatos de novo). Candidatos de quem?
"Ah, mas tem um
que cria um parque", pode dizer algum mal-intencionado. Não importa. O que
tem de ficar claro é que os movimentos sociais, as pessoas envolvidas com a
construção do plano diretor haviam decidido pelo defeso. Por que não são
escutadas? Porque o que vivemos não é uma democracia. Porque o que manda é o
poder financeiro, os caras que investem, que criam negócios altamente
lucrativos para muito poucos.
A democracia deveria
ser a aceitação da decisão da maioria. Mas isso é burlado todos os dias, em
quase todos os espaços. E quando o poder quer fazer passar seus interesses eles
arranjam a maioria, levam pessoas, compram corações e mentes, muitas vezes ingênuos,
acreditando fazer bem à comunidade.
E assim vamos seguindo
nessa cidade triste, onde a voz das gentes não é escutada. Mas, cada derrota
sofrida serve de mola para que a luta siga. E os que estão aí por anos a fio
batalhando por uma cidade boa de viver não se abatem com as manobras
governistas e com a ação dos que praticam a pequena política. Tem muita gente
que consegue levantar o véu dessa democracia de mentira, consegue ver o que
está debaixo do pano, consegue compreender e encontra forças para avançar.
O Campeche, lembra a
educadora Telma Piacentini, é espaço de surfistas e eles nos ensinam todos os
dias que sempre vem uma onda melhor. Eles ficam ali, deitados na prancha,
esperando por ela. E quando ela vem, eles assomam, cavalgam e domam. Hoje, os
vereadores, a prefeitura e os pequenos políticos nos pegaram...Mas é bom que
saibam, estamos aqui, na prancha, esperando a onda. E ela vem... ela sempre
vem...
Excelente, Elaine! Excelente!
ResponderExcluir... Dormia a comunidade tão distraída... sem perceber que era subtraída... em tenebrosas transações.