Não sei bem porque, mas os animais, principalmente os gatos, gostam de viver na minha casa. Eles aparecem, assim, do nada. Comem, dormem, ocupam espaços e vão ficando. Chegou um tempo em que eram doze. Eu não consigo mandá-los embora, muito menos dar. Acabam virando da família. Mas, como gatos – majestosos e independentes - eles fazem suas regras. Às vezes somem por dias, nem mandam telegrama. Depois, reaparecem, com seu andar malemolente, e se deitam ao sol. Nem pergunto onde andaram. Eles não contariam. Outros vão embora para sempre e deixam saudades. As gatas começam a dar crias e eu enlouqueço. Que fazer com tantos? Dar, jamais.
Então chegou o tempo em que havia de operar as bichinhas. Uma crise de consciência tamanha. Tirar delas a alegria de terem seus gatinhos? Dias e noites pensando. Que fazer? Coisa difícil isso. Cada vez que uma delas pulava no meu colo e olhava nos meus olhos me assaltava a culpa. Toca saber onde fazer a operação. Pela prefeitura não dá, só quem é carente. Nas veterinárias é o olho da cara. Dureza para quem teve a benção de ser escolhida por várias gatas. Então encontrei uma ONG que vende cupons para operação a preço baixo. Arrisquei. O fato é que me dei mal.
Levei a Juanita para a tal cirurgia. Tudo correu normal, ela foi entregue no final do dia, ainda dormida. Com as recomendações de que não tirasse a malha e a deixasse em lugar seguro. Fiz uma boa caminha dentro do guarda-roupa, para ela não correr o risco de cair. Mas, quem consegue segurar uma gata de muro? Na manhã seguinte, ela já havia tirado a malha. Como? Não sei. Sacrifício tremendo para colocar outra. Cuida e cuida, cada passo, como se fosse um bebê. Mas, foi só descuidar outra vez e ela tirou os pontos externos. Quando vi, bateu o desespero. O que fazer? A gatinha com o corte aberto. Liga para a veterinária que fez a operação. Em vez de ajudar, ela deu esporro e só depois de muito chororô disse que levasse a gata no seu consultório. Mas, teria de pagar, avisou. De novo pirei. O consultório ficava na Trindade, uns 40 quilômetros de onde eu estava, e nem carro tenho.
Tratamos de pegar a gatinha e levar num veterinário do bairro. Improvisa um jeito de carregar a bichinha na bicicleta e toca a procurar um. Encontramos. Foi entrar no consultório e ele já avisou. “Pelo nosso código de ética não posso atender um animal que já está sendo tratado por outro”. Explicamos a situação, era uma emergência e não tínhamos como levar até o outro lado da cidade. Não aceitou. A gata poderia morrer estrebuchando na sua frente e ele nem se importaria. A menos, é claro, que pagássemos, e caro. Mandamos o filho de uma ronca e fuça às favas e voltamos para casa. Nosso pânico quase maior que nosso amor. Fomos até a agropecuária perto de casa, pedir um socorro. A boa alma do atendente nos indicou uma pomada e um antibactericida. “Fiquem tranquilos, ela vai ficar boa”.
E voltamos para casa atordoados pela falta de amor daqueles que deveriam ser os mais queridos cuidadores. Não há médicos com corações humanos – isso eu já comprovei - e tampouco veterinários. A primeira pergunta é pela grana. Podem pagar? Se não, vazem! E a gente fica no limbo. Nem tão pobre para ter o atendimento da prefeitura, nem tão rico para pagar os absurdos que pedem os veterinários. E nessa brecha da desgraça ficam os pobres bichos, sem qualquer chance de serem tratados. A sorte é que a gatinha se refez, entre seus próprios cuidados e os nossos. A ferida fechou e hoje ela anda por aqui, saltitando por entre os livros. Mas eu sigo de coração plúmbeo, esperando que um dia possamos ter um hospital público também para os bichos. E veterinários capazes de compaixão.
Eu não posso reclamar de veterinários, pois tive uma que tratou por muito tempo um cão que herdei, cobrando apenas os medicamentos. Mas infelizmente na mesma clínica, um outro cãozinho sofreu maus-tratos numa tosa, provavelmente teve parada cardíaca e faleceu no dia seguinte. Denunciei na Delegacia do Meio Ambiente em São Paulo, foi aberto inquérito, mas no Fórum o que falou mais alto foi a grana da veterinária: o promotor arquivou o processo. No Brasil, crimes contra animais ainda são tratados como algo de menor importância. Vamos ver se com o Novo Código Penal a coisa muda... Abraços e felicidades com seus felinos!
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