Aprendi com Walter Benjamin a andar pela minha cidade feito um viajante, com os olhos procurando ver o que sempre ali esteve, mas de um jeito diferente. Olhos de assombramento, de quem não naturaliza as coisas, de quem está frequentemente admirando o cotidiano, seja para celebrar ou denunciar. E assim andava pelo centro de Florianópolis, tonteando, com minha mochilinha verde – com o escudo do Figueirense - bem presa ao corpo, porque os furtos andam frequentes. Então, senti o ventinho. Passavam por mim, correndo, três pessoas. Estaquei. Porque era certo que algo passava. Eram três jovens equatorianos que vivem aqui há meses e ganham a vida vendendo lenços e carteiras na rua.
Corriam porque assomava ali, à esquina, dois guardas municipais. E, em Florianópolis, o comércio ambulante é proibido. Mas, como em qualquer grande cidade, a proibição não quer dizer nada. As pessoas não têm emprego e precisam viver. Alguns preferem expropriar quem tem, outros vão dando seu jeito no mundo informal.
A família de equatorianos é grande. Penso que são uns três ou quatro núcleos familiares distintos, mas certamente todos parentes ou amigos. Porque andam sempre juntos. As mulheres mais velhas vestem as roupas típicas, absolutamente lindas, com seus cabelos negríssimos, lisinhos, e colares típicos. As mais jovens usam jeans. Espalham-se pelas várias esquinas do centro com os produtos colocados sobre um grande pano, que pode ser enrolado rapidamente ao avistarem os fiscais. E assim eles passam o dia. Olhos saltitantes, sempre alertas, num interminável estado de tensão. Caso sejam pegos, perdem toda a mercadoria e aí, é um golpe duro demais.
Naquela tarde, em um segundo eles sumiram da vista, como se fossem fumaça. Para de novo se materializarem em outra esquina, entre risos nervosos. Parceiros de infortúnios e fugas são também os jovens vendedores de CDs e DVDs, as mulheres que vendem meias e os que oferecem badulaques para cozinha. Essa é a realidade no centro de Florianópolis. Seres-vento, correndo de uma esquina a outra, tentando manter-se com a cabeça sobre a água da sobre-vivência.
Por mim passam os dois guardas, dos quais fugiam os equatorianos. Andam devagar, quase solidários com aquela gente que corre espavorida. Eles se olham e sorriem. Sabem que poderiam correr e pegá-los, mas preferem passar o dia na insana lógica do gato e o rato. Não sei se sentem pena, se pensam ajudar, sei lá. O certo é que ainda que não corram e nem recolham a mercadoria, são sempre a faca sob a cabeça. Ameaça permanente. Dias há que não apertam o passo, dias há que recolhem tudo. É coisa de momento.
Já os trabalhadores, essas gentes fortes, resistem e insistem. Riem de si mesmos, carregam suas enormes malas e seguem correndo pra lá e pra cá. No final do dia eles voltam para casa carregando o leite e o pão. Amargam os ônibus lotados, suas casas de papelão e dormem como justos. Assim vão por anos, até que um dia, uma única faísca, vinda sabe-se deus de onde, acende o desejo de ser mais que aquele terror diário. E é aí que a coisa pega... para os que vivem do sangue da maioria. É só aí, que tudo muda!
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