Alzheimer/Velhice

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A beleza na gaveta


Os índios navajos têm um dizer que é a essência de suas existências: “viver é caminhar na beleza”. Coisa profunda, mas difícil demais de tornar concreta na vida cheia de sombras que é a que temos nesse mundo de tantas desgraças cotidianas. Conheço um homem que, vivendo em uma pequena cidade no norte do país, decidiu se esconder dentro dele. Nunca entendi bem por que ele escolheu esse caminho. Quando era ainda um menino lia Lord Byron e se encantava com as palavras do poeta, gostava de filosofia e sabia muito sobre literatura. Um dia, do nada, se isolou do mundo. Ele está em corpo, mas não em alma.

Esse homem que decidiu abraçar a solidão dorme de dia e vive de noite. Mas a vida que vive não é como a nossa, de pequenas misérias cotidianas. Ele fica em casa, frente ao computador, jogando vídeo game ou RPG. É uma espécie de avatar de si mesmo. Nas intricadas histórias de vampiros, magos e mistérios ele vai caminhando cada dia mais para dentro dele. E nós, que o amamos, vamos ficando cada vez mais sem condições de alcançá-lo.

Até bem pouco tempo eu pensei que, sendo assim, tão fechado em si, tão pouco afeito ao encontro humano, tão solitário, tão caramujo, tão ensimesmado, já não tivesse mais espaço para a beleza. Escapulindo no seu mundo paralelo, ele é quase intocável.

Dia desses eu fui vê-lo, buscando uma brecha para seu coração. Estive ao seu lado por dias, sem conseguir entrar. Então, sem aviso prévio, fui remexer em uma de suas gavetas. Tal foi o meu espanto. Dentro dela estavam dezenas, centenas, creio, de pequenos origamis, essa arte japonesa que vai dobrando o papel e transformando aquilo em beleza. Aquele homem lindo, que buscou o caminho da solidão, está cheio de beleza. Uma beleza que ninguém vê, escondida na gaveta. Com suas mãos magricelas ele vai construindo um mundo inteiro de maravilhas, tão delicadas, só possíveis de serem criadas por alguém que seja repleto de profunda formosura.

Foi então que descobri que, tal como dizia seu poeta favorito, o Lord Byron, “fugir dos homens não é o mesmo que odiá-los”. Meu adorado amigo está dentro de si, sabe-se lá porque, mas, não tenho dúvidas: ele mesmo, quando quiser, vai encontrar a porta de saída. Porque tal qual os navajos, ele já vive na beleza. Quem dera pudéssemos aprender...

Um comentário:

  1. Olá Elaine!

    Que lindo seu texto e sua percepção!
    É tão difícil quando a beleza, para o outro, se apresenta de uma forma diferente... É difícil não sermos "normativos" com relação à beleza e à vida.
    Parabéns a você e a seu amigo, que caminham na beleza a seu próprio modo!

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