“A crise, a crise, a crise”. É o que mais se ouve no rádio e na TV - essa fábrica que vive da mais valia ideológica, como bem analisou o grande pensador venezuelano Ludovico Silva. Começou lá nos Estados Unidos e quase ninguém sabe muito bem por que. Os locutores falam de uma quebra nos bancos causada pelo não pagamento das hipotecas e as pessoas, jantando, não conseguem entender o que isso significa. Bueno, ao que parece, as pessoas pegaram empréstimos para comprar moradia e agora não têm dinheiro para pagar. Fico pensando na política do governo Lula que, por conta do “crescimento da economia” fez convênios com Bancos para garantir que os trabalhadores pudessem se endividar de forma tranqüila e sem qualquer entrave, com desconto em folha. A CUT aprovou a idéia e o povo começou a corrida aos bancos para tirar dinheiro e consumir, consumir, consumir. Penso que é um pouco por aí o que aconteceu por lá, na nave mãe.
Também, na televisão, já se começa a ver reportagens sobre o aumento do preço disso e daquilo, e os jornalistas avisam em tom de ameaça: “é a crise, ela vai pegar todo mundo”. É quase como a trilha sonora do Tropa de Elite. Ninguém vai escapar. Assim, pelas ruas, as pessoas vão internalizando a idéia de que há uma crise, portanto, é normal que os preços comecem a subir. Vem a pedagogia do medo e os pequenos burgueses principiam a comprar bastante carne para congelar nos abarrotados freezers, esta peça escrota da acumulação sem necessidade. Já os que não têm freezer... que se danem! “Estamos todos no mesmo barco”, dizem os economistas e analistas de TV. Só que esta é mais uma mentira do sistema. Podemos até estar no mesmo barco, mas a divisão de classe garante que haja os que tomam champanhe na cobertura e os que remam nas galés. No final, quem é que salva o barco mesmo? São os remadores, sempre os remadores. O povo das galés!
Nos noticiários internacionais chegam as notícias de gente que perdeu tudo o que tinha. Choro e ranger de dentes. Mas ninguém pergunta por que motivo afinal esta gente entrou na onda das aplicações voláteis da bolsa. A promessa capitalista do lucro fácil, sem esforço. Bota a grana ali e ela vai render, pronto. Poucos são os que falam dos riscos do sistema. É que o capitalismo é bom de propaganda e tem o controle da fábrica de ideologia. E lá se vão as velhinhas e os trabalhadores comprar ações. Aqui no Brasil também há um incentivo para que os trabalhadores usem seu décimo terceiro salário ou suas economias e apostem no cassino financeiro. E pasmem, existem sindicatos e centrais que fazem campanha para que isso aconteça. A idéia de que o trabalhador comum pode ser um empreendedor é hegemônica.
E as emissoras de TV, com seus oráculos bonitinhos, se apressam a falar que, se é preciso que as gentes apertem os cintos por conta da crise, não é necessário temer. O estado já interveio. Já colocou bilhões de dólares para salvar os banqueiros, afinal, como poderíamos viver sem bancos? Já os que apostaram suas economias nos cassinos financeiros, bom eles tinham de saber que havia riscos. Perderam e pronto. Paradoxalmente serão eles os que salvarão os banqueiros, pois afinal, o dinheiro público de quem é?
O capitalismo é bicho esperto, tem seus pedagogos da beleza, do engano, da ideologia embotadora. Vai minando a consciência de classe. Pois, o que fazer, se os sindicatos brasileiros, em sua quase esmagadora maioria, estão domados? O que fazer se as centrais sindicais gerem fundos de pensão e fazem campanha para que os trabalhadores se endividem? Como falar de socialismo e de distribuição da riqueza num tempo em que as pessoas estão em retirada, tentando salvar o que lhes resta da enganação do capital? Poucos são os que se dão conta de que a questão não é a crise em si, o salvar-se agora, o apertar o cinto esperando a tormenta passar. Esta é a tormenta mesma. E ela só está mais forte no momento, mas é a mesma ventania capitalista que tudo arrasa, até as consciências, todo o santo dia e todo dia santo.
Para os trabalhadores está dado o desafio. Vivemos até agora um tempo de arar a terra, de estudar, de desvelar os horrores econômicos impostos pelo sistema. E também estão aí os exemplos do que pode fazer a luta coletiva que tem como pilar mestre a idéia de povo – gente em luta. Está aí a Venezuela, o Equador, a Bolívia, onde a falência de instituições como sindicatos, governos e partidos levou ao crescimento dos movimentos sociais a às transformações cada dia mais radicais. Não dá para sentar diante da TV e acreditar que o capitalismo acabou. Ele é matreiro, manhoso e se recompõe muito rapidinho, a história nos mostra.
As crises cíclicas do capital mostram o quanto este sistema é predador e a cada uma delas fica claríssimo que quem perde sempre são “los de abajo”. Então é preciso sair às ruas, pedagogicamente retirando o véu do engano,” explicando, provocando a consciência de classe. É hora de movimento, de semear. Mas, fundamentalmente, é hora de anunciar a boa nova: sim, é possível viver de outro jeito, organizar a vida de outra forma. Exemplos há e é tempo de espalhar a notícia.