Alzheimer/Velhice

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Valeu Zumbi!

Quando o governador de Pernambuco, Caetano de Melo Castro, decidiu colocar a cabeça de Zumbi dos Palmares num mastro para satisfazer os que se achavam ofendidos pela idéia de liberdade que ele representava e para dar uma lição nos negros que sonhavam em fugir para os quilombos, jamais poderia imaginar que estava dando asas ao herói negro. Tentando apagá-lo da memória e mostrar que estava mesmo morto e humilhado, o medíocre governador só conseguiu fazer com que os negros que olhavam a cabeça salgada, alongassem seu olhar para além da morte, para além da prisão, e vissem o horizonte de beleza que ele representava.

Zumbi foi vencido em 20 de novembro de 1695, depois de longas e acirradas batalhas. Mas qual, essa é uma informação errada. Seu corpo foi violado, seu quilombo dizimado, mas a idéia que morava em sua cabeça jamais se rendeu. Seu nome criou asas, seu corpo foi se transformando em outros tantos corpos negros, que fugiam das garras da dor e criavam espaços de liberdade. Seu desejo de vida digna, de riquezas repartidas, de trabalho coletivo, seguiu cavalgando pelos campos, colinas e montanhas. O guerreiro é, tal qual dizia o seu povo, imortal.

É por isso que em todo novembro sua imponente figura volta a intimar as gentes. Ele reaparece, lança em punho, olhar ardente, a dizer que ainda há muito que libertar. Há o preconceito, a discriminação, a violência, o ódio. Há a pobreza, o desemprego, o tratamento desigual. E nós, ao vê-lo passar, sentimos que não fazemos ainda o suficiente, que é preciso mais. Zumbi nos inflama, nos desconforta, nos abre os olhos. Zumbi nos acena, majestoso, e nos convida a segui-lo. Ah, esse homem que foi traído, que perdeu a cabeça e a vida, ali está, no asfalto, na cidade, buscando os seguidores para um novo quilombo. Não mais Zumbi, o neto da princesa Aqualtune, mas o que passou a ser quando sua cabeça circulou pelos fundões do Brasil. O espírito. Então, quando nas noites deste novembro escutamos o rumor delicado do vento, sabemos: eis o espírito... E o acompanhamos, para o mundo que virá, construído por todos nós!

Um comentário:

  1. Belíssimo texto, Elaine! Tanto na forma quanto no conteúdo. A Humanidade se faz de Homens, e não de "famosidades" (como a moderna mídia apelida os que se fazem célebres, mas que desaparecem como fogo-fátuo, o que aparece no processo químico dos corpos orgânicos em decomposição... isso dá o que pensar).
    Tenho sido premiado com seus textos pela Urda. Ela também é um belíssimo exemplar do animal Homem - alguém que não nasceu para o brilho efêmero, mas para a luz permanente que sobreviverá aos tempos.

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