Alzheimer/Velhice

sábado, 26 de agosto de 2023

Do amor




Carlos Walter Porto-Gonçalves é assim, um monumento. Geógrafo dos mais importantes não só do Brasil, mas da América Latina, ele não se comporta como um “pescoçudo”, que é como eu chamo os doutores metidos. Bem ao contrário. Ele é risonho e falador. O conheci num evento em Curitiba, junto com a sua companheira Márcia. Fiquei meio tensa porque sempre tenho medo de conhecer quem admiro. Vai que a pessoa é uma babaca. Não foi o caso. Carlos Walter é um fofo,  alegre e intenso. Um homem adorável e uma espécie de biblioteca ambulante. Em poucos minutos de conversa e ele já vai te dando a conjuntura, a história atual e passada, números, dados, estatísticas, teses, mas de um jeito tão querido que nunca soa pedante. Ele é um poço de saber e tem prazer em dividir o que sabe. Um ser raro, por supuesto.

Quando comecei meu doutorado, sobre a questão indígena, ele foi o primeiro nome que me veio à mente. Mas, e cadê a coragem para pedir para ser da minha banca? Não fosse minha amada Beatriz Paiva eu não o teria chamado. Ela insistiu e o fiz. Aceitou na hora, com aquele seu sorriso de menino, feliz e satisfeito. Ajudou muito na qualificação, dando dicas de leituras, fazendo observações cirúrgicas. Só enriqueceu. Sempre que eu olho meu trabalho eu fico inflada de orgulho por saber que ele tirou um tempo de sua vida corrida para ler e fazer comentários. 

Ele agora está vivendo em Florianópolis e eu posso partilhar de sua amizade e seu convívio. Posso dizer que somos amigos, e isso é incrível. Gosto de estar com ele e ouvir suas inúmeras e maravilhosas histórias. Caminhares de um geógrafo humano que se encanta com as pessoas e os lugares. Um latino-americano. Seu conhecimento não é frio. É quente. Repleto de ternuras e amor pelas gentes e pelos lugares. Quando ele fala o mundo se abre em delicadezas e espanto. O vejo menos que gostaria, mas é bom de saber que ele está aí, bem perto, pronto para a comunhão amorosa dos seus saberes. 

No dia que lancei meu livro de crônicas me fez uma baita surpresa. Foi lá, com seu sorriso e seu abraço. Ele, uma espécie de deus, se movendo por uma simples mortal. Encheu meu coração de alegria. Autor de dezenas de livros e artigos ele já foi até Prêmio Casas das Américas. É uma sumidade, mas não ostenta. Quem priva de seu convívio sabe. Fala pelos cotovelos, derrama saberes e nos embriaga com seu conhecimento. É um intelectual generoso, que sabe ensinar e dividir. 

Te amo Carlos Walter, és verdadeiramente um ser especial. Te amo pacas...

Furdunço



Hoje foi um dia de chuvas e ventos, caiu até granizo. Quando a tarde escureceu todinha, o pai ainda dormia a siesta. Veio o temporal e ele nem viu. Pensei em deixá-lo no quarto, já que estava frio. Mas, acordar, tomar café e ficar ali, olhando para o vazio, não parecia certo. O pai gosta do furdunço que sempre assoma na nossa pequena cozinha onde organizamos uma gostosa poltrona para ele ficar. Com ele, ficam os cachorros, os gatos e a gente, circulando, estudando, fazendo coisas. Também tem a vitrola que toca suas músicas preferidas ou a TV com os doramas, que são os meus preferidos, mas que ele acompanha. A vida pulsa na cozinha. Melhor fazer a operação “ET”. 

Colocamos o pai na cadeira de rodas e cobrimos o corpo todo com um cobertor, inclusive a cabeça. Só os olhinhos ficam de fora.  Aí é sair correndo, atravessando o pequeno caminho que vai do quarto – que fica fora da casa - até a cozinha. Nisso o meu sobrinho Renato é craque. 

Chegando à cozinha ele se alegra vivamente. A música toca, os cachorros se achegam, mais tarde chega o bisneto, gritaria, confusão, furdunço. Ele ri bem faceiro, esparramado na sua poltrona, coberto com o cobertor quentinho. É hora da janta. Bagunça e falaceira. A vida em movimento. Não é que a parada não seja dura ou que a doença de Alzheimer não seja cruel. Mas temos aqui em casa essa coisa do bom humor, do riso, da alegria. Vamos enfrentando cada golpe da doença com graça, na valentia. E ver o pai alegre, em meio à barafunda da cozinha é bom demais. A gente já entendeu que a velhice precisa ser vivida na aldeia, no meio da muvuca, na quenturinha do amor. E assim, vamos indo... e ele, resistindo...

Homenagem aos vivos/ Miriam Santini de Abreu


Minha amiga, parceira de realidades e companheira de vida, Miriam Santini de Abreu, será homenageada pelo Desacato, nesta sexta-feira, dia 25, na  2ª. Edição da distinção Gustavo de Lacerda de Jornalismo, dentro do seminário sobre comunicação que celebra também os 16 anos do Portal. Esta é uma distinção absolutamente merecida, a considerar que Gustavo Lacerda, jornalista catarinense, foi no seu tempo um agitador, buscando garantir direitos aos colegas e criando a Associação Brasileira de Imprensa para ser um espaço de luta e reflexão. 

Miriam tem essa veia, da criadora de coisas, agitadora. Ela é como uma cornucópia, sempre jorrando ideias de textos, artigos científicos, projetos. Não para quieta um minuto. É como se sua cabeça fosse uma enorme galpão, com inúmeras e variadas oficinas, aonde ela vai construindo, lapidando, moldando. E dela sempre saem belezas. 

A gente se conheceu quando ela foi trabalhar no Sintufsc e eu era diretora por lá no começo dos anos 2000. Queríamos, Raquel e eu, uma jornalista que estivesse disposta a fazer jornalismo de verdade, sem se acomodar no sindicalês. E ela se mostrou perfeita. Em pouco tempo já comandava com segurança a comunicação do sindicato, sempre com alguma ideia inovadora, fora da caixa. Chegou a fazer, sozinha, um jornal sobre São Francisco do Sul que planejava a instalação da empresa ArcelorMittal Vega através de parceria publico-privada, com investimentos públicos que beneficiaram grandemente a empresa e tornavam a cidade refém. Uma maravilha aquele jornal. 

A Miriam é como um dínamo, sempre girando. Assim fez seu mestrado, focado na farsa do desenvolvimento sustentável e o papel do jornalismo nesse engodo. Depois seu doutorado, discutindo a cidade. E segue estudando em pós e pós e pós doutorados, porque tem sempre uma pergunta inquietante a lhe queimar os miolos. É estudiosa e metódica. No meio disso tudo ela ainda faz seu trabalho no sindicato e mais umas trocentas outras coisas que toca em diversas parcerias. Jornalismo, meio ambiente, cidade, moradia, plano diretor. Pensa a cidade. Pensa o jornalismo. Faz livro, faz vídeo, organiza debates. É parceira de longas conversas teóricas e de projetos alucinantes, que nos esgotam forças e plata. Mas, não descansa. E eu a sigo em tudo que propõem porque gosto de caminhar com ela, de partilhar de sua imensa luz.

Nesta sexta ela recebe esta distinção e eu agradeço aos queridos amigos do Desacato por isso. Porque homenagens precisam ser feitas em vida, para que a pessoa saiba e sinta o que significa para o grupo onde está inserida. Parabéns minha adorável amiga, trem bala que desembesta e envereda por todos os caminhos, abrindo frentes, descortinando horizontes. Tu mereces esse carinho e esse reconhecimento. 

Te amo, sua pobrezita nojenta! Minha eterna Scully dos cabelos vermelhos...