Alzheimer/Velhice

quarta-feira, 24 de maio de 2023

A montanha russa do Alzheimer



A montanha russa não para. Já está outra vez fazendo seu percurso estonteante. Quando a gente começa a se acomodar numa fase, vem outra, e outra, e outra. É um sem fim. O pai, depois de sete anos de doença já não faz mais gracinhas. Quase não se comunica a não ser com os olhos, sempre expressivos. Vez em quando, como se tomado por espírito, ele reaparece, mas é raro. Como quando vai tomar água. Ele faz um grande gole e fica fazendo bochechos. É hora das risadas, porque pode esperar que ele vai lançar um chafariz. Eu fico com o copo e o pano à postos, mas ele sempre encontra um jeito de me enganar. Um descuido e zaz, lá vem o jorro de água, na minha cara ou no chão. 

E digo: Bah, seu Tavares, o senhor sempre faz o mais difícil.

E ele responde: Mas não mesmo. E me olha com os olhos mansos.

Agora de uns dias para cá entrou numa fase que já parece não saber mais como respirar e comer. Seguido ele fica com a boca bem aberta, respirando por ali, sem lembrar que a parada é pelo nariz. E nisso faz uns roncos estranhos, assustadores. De dia ainda fica tudo bem, mas de noite, assume proporções épicas. Na hora de comer também temos dificuldades. Ele fica com a comida girando na boca, sem saber o que fazer com ela. Nem cospe, nem engole. E a gente tem de ficar atento para ele não se engasgar. A refeição vai devagarinho, e sempre bem pastosa, com pequeníssimas porções. É preciso muita paciência. 

Também já está apresentando certa rigidez na hora em que acorda e é sempre bem difícil esse momento, pois a sensação é de que ele vai quebrar o pescoço.  Em alguns dias ele fica bem, mas o cotidiano tem sido mais para ruim. Há que ter um preparo psicológico e espiritual bem forte para a gente não desmoronar. Não é bolinho ver alguém se apagar aos poucos, olhando para a gente no fundo do olho.

A gente segue conversando, colocando música e mantendo ele no convívio da casa, que é bem animada, mas cada dia ele dorme mais tempo. Tenho medo de que chegue a hora em que ele não levante mais. Luto desesperadamente, mas sei que não tenho controle sobre isso. Há que esperar e enfrentar. 

Nas manhãs estão sempre os melhores momentos, quando ainda há certa consciência de si e do ambiente. São lampejos de alegria aos quais nos agarramos. E assim, vamos sacolejando nessa difícil estrada.  Por sorte temos uns aos outros e é essa a força que nos sustenta.