Alzheimer/Velhice

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Memórias


O ano é provavelmente 1972 ou 73 e aqui estão o Claudemir, Zé Newton (meu mano) e Elton, três amigos inseparáveis naqueles dias. E a foto me traz um mundo. Foi tirada na parte de trás da casa na rua dos Andradas, em São Borja, onde o pai colocava o fusca, entrando pelo terreno da casa do pai do Claudemir. Nosso velho fusquinha amarelo com o qual empreendíamos a deliciosa viagem à Uruguaiana todos os verões. 

Nossa casa fazia divisa com a casa da Dona Cira, mãe do Elton, e com a da dona Alda, mãe do Claudemir. Apenas uma cerca, como era comum, a qual era ultrapassada sem pedir licença no vai-e-vem da criançada. Nossa casa estava sempre em construção, como ocorrem ser as casas de quem não tem muito dinheiro. Essa parte de tijolo sem reboco que aparece era onde ficava o tanque e a sala do radioamador do pai. Sim, ele tinha um desses rádios que nos trazia o feitiço do mundo depois da janta, quando ele se instalava ali e ficava conversando com gente de todo o planeta. "QSL? QSL?" Talvez venha daí essa minha curiosidade pelo mundo e seus mistérios geográficos e humanos. 

O quintal era o espaço da fantasia de todos nós. Ali armávamos grandes batalhas com bonequinhos de plástico, inventávamos selvas, florestas, ou construíamos enormes cidades, onde circulava essa fulgurante frota que aparece na frente dos guris, orgulhosos. A casa de São Borja era como um útero, quentinho, protetor, e tanto que até hoje, sempre que eu sonho que estou em casa, é nesta casa que estou, com seus quartos grandes, cozinha vasta e pátio repleto de frutas e mistérios. 

É por isso que agora, olhando esses gurizinhos, que hoje já são homens, eu mais uma vez volto pra lá, buscando também a magricelinha que fui, de cabelo grande e cheia de sonhos. É sempre bom voltar pra casa...

Resumo da ópera golpista no Brasil


STF destruído - Foto: Agência Brasil

Nunca uma ação terrorista foi tão anunciada como a que aconteceu neste domingo em Brasília. Desde há semanas as redes bolsonaristas mostravam a organização da marcha até a capital federal com o intuito de tomar o Congresso, o STF e o Planalto. Vídeos, material de propaganda, lives, tudo circulando sem qualquer pejo. Os acampamentos em frente aos quartéis serviram como incubadoras de todo o furdunço. Foi uma grande ingenuidade pensar que ali estavam apenas os velhos e as tias do uatizapi. Quem acompanha as redes sabe que desde o resultado das eleições, a extrema-direita está organizando esse povo e preparando a estrada do golpe. Não é um movimento espontâneo. Tudo muito bem articulado e financiado. 

Mais de 100 ônibus chegaram à Brasília em tempo recorde. Milhares de pessoas uniformizadas com a camisa da seleção foram organizadas e conduzidas pela Polícia Militar de Brasília para a Esplanada dos Ministérios no que eles chamaram de “Greve Geral”. Apesar do pedido de reforço da segurança do Congresso e do STF, que pressentiu o perigo, o governo do Distrito Federal não mobilizou as tropas para a proteção do patrimônio público e apesar dos bolsonaristas não serem muito numerosos, em pouco tempo eles tomaram os três principais pontos da capital numa ação rápida e sem qualquer bloqueio. Havia pouquíssimos policiais acompanhando a caminhada e as seguranças locais não tiveram como segurar a turba que quebrou as vidraças, entrou nos locais e promoveu uma destruição insana. Gente defecou sobre as mesas, obras de arte foram danificadas e até portas foram arrancadas. 

A invasão durou horas, sem que o governador do DF tomasse qualquer atitude, portanto, ficou absolutamente claro que a ação foi permitida. Basta lembrar que em outros momentos da história, com muito mais gente na Esplanada, o contingente de segurança sempre foi grande e a repressão duríssima. Desta vez, não. Os bolsonaristas chegaram a atacar policiais e jogaram dentro do espelho de água os carros da segurança do Congresso. Uma festa. Bolsonaro e o Secretário de Segurança do DF acompanharam tudo de Orlando, juntos. 

É importante ressaltar que não houve incompetência. Foi uma inação deliberada, preparada, planejada. Por outro lado, o governo federal também foi incompetente em não definir um plano de defesa para esse dia. Deixar na mão do inimigo foi um erro. Havia quer tido um plano B. Depois de toda a destruição feita, a polícia chegou e foi dispersando os bolsonaristas. Até agora 300 pessoas foram presas. 

Há informes de que os financiadores do ônibus já foram identificados, mas nenhum foi preso. Há focos de atos terroristas em frente a algumas refinarias no Paraná e em outros lugares do país há trancamento de vias, inclusive a Marginal Tietê, uma das principais vias de São Paulo, sem que a polícia tome qualquer atitude. Há também um chamamento para os caminhoneiros pararem o país. A organização segue firme e sistemática, sem que os incitadores do golpe sejam cerceados. Divulgadores de mentiras e incitadores do caos seguem transmitindo sem problemas.

O ministro Alexandre de Moraes ordenou o desmonte dos acampamentos bolsonaristas em todo o país. Em Brasília os acampados estão saindo tranquilamente com suas malas e travesseiros, dando risada e sem qualquer intimidação. Os mesmos que ontem destruíram o Congresso, o STF e o Planalto. A Polícia apenas acompanha, quando não interage de maneira simpática. Algo impensável numa manifestação de trabalhadores, por exemplo. Também o Exército, em Brasília, protege os acampados com carros blindados.

Agora, no rescaldo da ação terrorista é que vai ser possível ver de que material é feito o governo eleito. Vai atuar com energia contra os terroristas? Vai atacar os peixes graúdos? Sim, porque essa turba está sendo financiada e organizada por gente grande. A mão da justiça chegará neles? O que fará com relação as Forças Armadas? Continuará deixando o caso nas mãos do STF?

O que aconteceu neste domingo é um entre tantos eventos que vem se repetindo desde o golpe contra a Dilma em 2016. Como Lula vai enfrentar o núcleo desta trama que são as Forças Armadas? Este é o ponto central, como alerta o professor Nildo Ouriques. Segundo ele, há que colocar na reserva todos os generais que conspiram, à luz do dia, contra o país.

Movimentos sociais e partidos de esquerda estão organizando manifestações para esta segunda-feira em todo o país. As ruas serão ocupadas.