Alzheimer/Velhice

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

As lições das eleições


Observei que o inominado cresceu nas pesquisas depois das denúncias sobre ter assediado meninas. Não me surpreendi. Vivemos em Floripa uma situação parecida. O candidato a prefeito, filmado com a bunda de fora, transando com uma secretária dentro da prefeitura, também aumentou o número de votos depois da denúncia. Venceu em primeiro turno. Algo assim como se a pessoas respaldassem o "mau passo", "coisa de macho" que pareceu irrelevante diante das promessas concretas que ele fazia. Pode transar na prefeitura desde que calce a minha rua.

Estamos agora vivendo a campanha mais idiotizada de todos os tempos. Com acusações no campo moral e religioso que não levam a nada. Para os apoiadores do inominado, a desculpa dele, ao lado da mulher, com cara de santa, valeu demais. Tá tudo certo. Ele se arrependeu. Tá perdoado. Para os eleitores indecisos - que são os votos que interessam -  isso não tem importância. Eles querem saber se vão ter emprego e como vão ter. Eles querem saber se vão ter comida, se os filhos terão escola e posto de saúde. Eles querem propostas, concretas e viáveis. Pouco se lixam se o cara é evangélico ou católico ou discípulo de satanás. Querem respostas para seus problemas urgentes e materiais. 

Não é por acaso que nas cidades onde mais morreu gente na Covid, o inominado vence. A memória é curta e para quem perdeu parentes o erro foi do médico, ou do hospital, ou do vírus comunista chinês. Não associam a falta de política de enfrentamento ou de proteção. Nada cola no cara. 

Fosse eu a candidata à presidência me preocuparia com isso: ter um programa de fácil compreensão, de entendimento imediato, voltado aos problemas materiais e prosaicos. Farei isso e será assim. Não me preocuparia em rebater bobagens do oponente. Essa batalha moral já foi vencida pelo bolsonarismo e tanto que vamos ter de conviver com essas bizarrices por muito tempo ainda, mesmo que o Lula vença.  

Mas, enfim, sou apenas uma guria que quer destruir o sistema capitalista e que sabe - por conta da experiência histórica da humanidade - que não é com discursinho paz e amor e conciliação de classe que a gente muda o mundo. É quebrando os ovos, é dizendo a verdade sobre as coisas e é propondo coisas que realmente são possíveis de se fazer nesse momento da luta. 

Essa campanha me frustra. Por conta da incapacidade de uma ação mais radical contra o sistema - que hoje aparece mais na direita e a faz referência - podemos mergulhar em mais quatro anos de desastre para os trabalhadores e para a nação. Arre, égua, como diria Petruchio.

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

São Borja na memória


Pracinha da Lagoa

Quando eu estudava  no colégio das freiras a caminhada para chegar até lá era grande. Morando quase no final da Rua dos Andradas, eu ia serpenteando pelas ruas, passando pelos lugares mais bonitos da cidade. Era longe, mas para a guriazinha daqueles dias, o trajeto era uma aventura. 

Acordava cedinho, sem que ninguém me chamasse, sempre gostei de estudar. Já deixava preparada a pasta no dia anterior. Levava os cadernos bem encapados com plástico colorido, o estojo de lápis, os lápis de cor e o plástico dobrado para colocar em cima da carteira. Sim, naquele tempo a gente protegia as coisas no colégio e todo mundo tinha de levar um plástico que cobria a carteira. Assim a sala ficava colorida, pois cada um levava da cor que mais gostava. 

A mãe preparava o café, eu comia e logo saia troteando, carregando a bolsa pesada. Ainda não havia mochilas e era preciso carregar na mão. Gostava ainda mais quando era inverno e o vento minuano assoprava no meu ouvido. Aquilo era música pra mim. O frio intenso e a cidade vazia. Pegava a rua do CTG e logo dobrava para passar em frente ao Hotel Charrua. Ali, atravessava a Pracinha da Lagoa, passando pelas pontezinhas, observando os bichos nos laguinhos, vez em quando balançando no balanço, pulando pelas alamedas. Depois seguia em direção a casa Nemetz, onde me deliciava vendo as lindas vitrines, sempre bem montadas. Dalí passava em frente ao Cinema Municipal, com uma paradinha para vez os cartazes dos filmes, e então seguia para a Praça XV e a atravessava de ponta a ponta, já que o colégio ficava numa de suas esquinas. Eram mais de dez quadras, cumpridas com indisfarçável alegria. Depois tinha a volta, o caminho todo de novo, feito com a mesma lentidão, observando cada pequeno detalhe do trajeto.

Hoje, pensando nisso, vejo que vem desde aí essa felicidade que eu sinto quando ando pela cidade onde moro. Desde pequenina trago comigo esse olhar deslumbrado pelas coisas sempre vistas, nas quais geralmente consigo encontrar novidades intermináveis. Um caminho nunca é igual. Ainda que o cenário pareça o mesmo, tudo sempre está em mudança. É tão lindo prestar atenção, maravilhar-se, surpreender-se.

Assim era aquele caminho até o colégio, feito todos os dias, mas sempre tão novo. Era diferente no verão, no outono, na primavera, no inverno. Todas as manhãs aquela cidade me presenteava com seus cenários encantadores e surpreendentes, fazendo com que eu me perdesse e me encontrasse todos os dias. Guardo nas retinas as imagens, as cores e os sons, que me chegam agora no outono da vida de maneira tão vívida. 

Essa minha adorável São Borja, pampa amiga que forjou meu espírito missioneiro, estradeiro e payador. Como foi bom percorrer essas ruas e vivenciar tanta beleza...