Alzheimer/Velhice

quinta-feira, 14 de abril de 2022

Mestre Sérgio Weigert



Hoje eu tinha marcado gravação do programa Pensamento Crítico e armado toda a logística para o pai. Mas, chegou na hora, faltou luz. Como a cuidadora já estava a postos eu fui curtir um pouco a minha biblioteca, coisa que não tenho feito por pura falta de tempo. Fiquei entre as estantes a tarde toda, olhando meus livros, vendo o que poderia reler, quando achei meus velhos cadernos. Eu tenho mania de guardar minhas anotações de leitura em cadernos, bem como as anotações de aula. Tenho tudo do tempo da faculdade e até algumas coisas de antes. São notas as quais eu gosto de retornar, pois sempre encontro maravilhas. Além do que, os olhos não são mais os mesmos, eu não sou a mesma, então, sempre me surpreendo. 

Pois não é que dentre os cadernos achei um que eu organizei só com as notações de aula do Sérgio Weigert, meu mestre, meu amado, aquele que iluminou a minha vida com Adelmo Genro e com a filosofia. As aulas dele eram absolutamente fantásticas e a gente esperava por elas com sofreguidão. Quando ele chegava à sala a gente sabia que seria uma manhã inesquecível. O tanto que nos desafiava a ler, a conhecer, a questionar. Pois eu gostava tanto daquelas aulas que montei um caderno específico, só das aulas do Sérgio. Uma compilação das anotações esparsas que fazia nas aulas, com uma letrinha mais compreensível. 

Foi uma alegria imensa encontrar esse caderno, perdido numa das estantes. Apesar das folhas amareladas pelo tempo, as palavras ainda estão ali, e gritam, bem assim como se fosse o Sérgio a nos exortar ao desconhecido, ao abismo, a vertigem do conhecimento. Ah, aquelas aulas deslumbrantes, aqueles debates emocionantes, aquele homem singular e apaixonante, impossível esquecer. Agora estou aqui, revendo cada página, emocionada, feliz. O Rubens Alves dizia que o que a memória amou, fica eterno, não precisa anotar. Relendo as notas eu vejo que ele tem razão. Não há ali nada de extraordinário. São coisas que posso encontrar nos livros, na internet. 

Mas, o que ficou eterno foi a forma como tudo aquilo foi passado, aquela paixão pelo conhecimento que ele derramava em nós. Ainda assim vou agora começar a compilar as notas para um arquivo de computador, só para re/cordar, passar de novo pelo coração. Modernizando as lembranças do Sérgio, que é meu mestre, que segue presente em cada texto que escrevo. Porque ele abriu as veredas necessárias em mim, e por elas eu caminho, sem medo de errar. À bênção meu amado!... Obrigada por tanto…

quarta-feira, 13 de abril de 2022

Ouvir os velhos



É muito comum como as pessoas mais novas evitarem o convívio com os velhos. Como eles já não fazem mais parte do mundo produtivo, deixa de ser alvo de interesse. Não são úteis, não tem nada a dizer, já eram, estorvam. Mesmo aqueles que criaram coisas incríveis quando estavam na ativa, ou que protagonizaram lutas, ou que foram importantes em alguma medida para a história do seu lugar, sendo escanteados sistematicamente. Os mais jovens sempre acreditam que o mundo começou com eles.

Tive o sorte de, desde menina, ter convívio com velhos. Dos meus avós foram sempre a espremer histórias, queria saber tudo, do passado, da família. Depois comecei a me voluntariar para ajudar nos asilos de São Vicente de Paula, indo visitar, conversar, limpar os velhinhos. E sempre notei que uma boa prosa era o que mais alegrava cada um deles. Eles gostavam e eu também.

Adulta, passei um tempo morando com meu vó, e também era eu que todos os anos fez a longa travessia Rio Grande do Sul/ Minas Gerais com ela para que ela pudesse ficar um tempo com a filha, minha mãe. Assim que adquiriu esse hábito de sempre levar em consideração os velhos e lhes dar muita atenção. Longas conversas sempre estaram no menu, foram em casa ou nas intermináveis horas no ônibus.

Agora com o pai morando comigo, retomei essa prática. Nos primeiros anos do Alzheimer ele ainda se lembra de coisas, e eu ia puxando. Passados quase oito anos de que ele desenvolveu a doença já não consegue se lembrar de quase nada. Suas frases são desconexas e às vezes nem consegue pronunciar bem as palavras. Ainda assim temos longas prosas. Ele sentadinho na sua poltrona ou tomando sol no alpendre e eu a tagarelar fazendo circular o companheiro. Conversamos muito. Conto sobre tudo o que passa e explica como anda a política e tudo mais.

Eu digo que ele fala língua de cigano, porque às vezes parece incognoscível, mas, por sorte, sou versada nela. Então, manter o papo pela tarde afora e também na hora de dormir. Sempre que o observo meio apático lá vou eu puxar a charla. E ele sempre reage bem. Cruza a perninha, fica me olhando e respondendo a tudo, na língua dele é claro.

Como é que foi? Mas, como? Quem falou? E o senhor, o que acha? Viste aquilo? Vou te contar uma boa... Mas, oooolha... A partir daí vou desenrolar o novelo da comunicação. Observo que isso significa muito pra ele, porque demonstra que tem alguém atento, alguém ligado, alguém se importando de verdade, ouvindo de verdade. Essas experiências são sensacionais porque nos mostram que, no fim e ao cabo, isso vale para toda a vida, toda pessoa. Debruçar-se sobre ela, olhar nos olhos, estar atento e verdadeiramente em comunicação. Tenho sorte em ter aprendido isso...