Alzheimer/Velhice

sexta-feira, 7 de maio de 2021

A luta pela privacidade digital em 2021



Informações repassadas pela Techwarn

A pandemia mundial de COVID-19 mudou (e exacerbou) diversos aspectos de nosso relacionamento com a tecnologia: para muita gente, a continuidade dos trabalhos, lazer, e até contato com família e amigos, depende hoje de um computador ou celular como intermediário. Suas vantagens são inegáveis, podemos ter acesso ilimitado e imediato à informação, podemos nos comunicar a qualquer hora, e aplicativos podem ajudar a resolver diversos problemas do cotidiano.

O problema é que, dentro de um sistema de constante expansão que visa extrair o máximo de valor do trabalhador comum, a tecnologia também pode servir como arma, e suas desvantagens podem ser ainda mais significativas em períodos de vulnerabilidade social. O fenômeno do trabalho em apps de delivery, por exemplo, demonstra como a mesma tecnologia pode oferecer comodidade, praticidade e estabilidade para restaurantes, às custas, mais uma vez, da exploração de um trabalho perigoso e mal remunerado para os entregadores. 

Dentro de todos esses paradoxos, especialistas em segurança digital alertaram que a privacidade (que já estava sendo minada na última década) está sendo completamente destruída nos últimos meses. Não há ainda resposta de que resultados serão enfrentados pelas próximas gerações que viverão em um mundo que se esqueceu do direito à privacidade, mas ainda temos em mãos a oportunidade de entender e lutar contra o começo deste processo. Vamos entender. 

Coleta de dados como modelo de negócios

A grande tendência do fim da privacidade digital aconteceu com a percepção de que os dados relativos a um usuário são extremamente valiosos. É sob essa premissa que plataformas e serviços como o Google e Facebook são capazes de operar “gratuitamente”, e ao mesmo tempo, integrarem o conjunto de empresas tão valiosas que superam o PIB de diversos países. 

Sem que um usuário use alguma técnica consciente para limitar a extração de seus dados, como uma VPN, um DNS customizado, e uma extensão de navegador que bloqueia rastreamento, uma rede como a Google pode imediatamente saber: sua localização, seus contatos, acessar suas fotos, hábitos diários, local de trabalho, comidas favoritas, histórico de navegação, histórico de pesquisa, músicas favoritas, entre muitos outros dados que, em conjunto podem descrever perfeitamente uma pessoa. 

E se isso não é suficiente, o uso de algoritmos de inteligência artificial pareados aos metadados do usuário podem chegar ao nível de conhecer as pessoas mais profundamente que sua própria família. Em um caso famoso, a varejista estadunidense Target usando “a ciência que te faz comprar mais” notou hábitos de consumo diferentes em uma cliente, associados às mudanças de saúde resultantes da gravidez, e passou a oferecer produtos relacionados à gestação antes mesmo que a própria mulher, e seu pai, soubessem do bebê a caminho. 

Algoritmos e liberdade

Se uma empresa como a Google conhece cada detalhe de nossas vidas pessoais, inclusive coletando dados remotamente através de aparelhos com Android, e vende essas informações para anunciantes que, por sua vez, usam os dados para nos convencer de mil maneiras a comprar mais produtos, é possível que algumas pessoas considerem que este fenômeno não seja tão preocupante. Afinal, que diferença faz se o Facebook sabe que prefiro comprar Coca-Cola ao invés de Pepsi? 

O problema é que o uso “inocente” do marketing digital para nos oferecer produtos é a menor das preocupações. Algoritmos inteligentes e um volume imensurável de dados podem ser usados não apenas para entender nosso comportamento, e sim, para o influenciar. Pesquisadores sociais já demonstraram por exemplo que o Facebook ajudou Trump a ganhar as eleições, e uma série de artigos demonstram como plataformas como a Google Notícias e o Instagram criam o “efeito bolha” para manter seus usuários viciados em um círculo fechado de ideias, sem a capacidade de buscar outras informações, questionar suas convicções, e refletir antes de propagar uma notícia ou publicação baseando-se apenas nas emoções. Isso não é um erro, é um algoritmo proposital. 

E a situação pode piorar: Edward Snowden, ex-agente do departamento NSA dos Estados Unidos, é perseguido político por revelar ao mundo que a agência coletava e monitorava os dados de pessoas do mundo inteiro, incluindo a ex-presidenta Dilma Rousseff e cidadãos comuns do Brasil, para que entre outros motivos a opinião pública à respeito do país pudesse ser controlada.

A luta pela privacidade digital é mais importante do que nunca: Se deixarmos nossa vida ser transformada em um pacote de dados para serem comprados e vendidos por gigantes da tecnologia, com poderes financeiros inimagináveis, estaremos abandonando alguns dos direitos mais fundamentais da humanidade, e nos rendendo à nova etapa do capitalismo moderno orwelliano que trata pessoas comuns como amontoados estatísticos que servem apenas para gerar mais renda para suas corporações. 


A escravidão e o Jacarezinho



O sistema colonial que se instalou no “novo mundo” depois da invasão das Américas precisava de mão-de-obra para fazer o trabalho andar. Foi assim que os países ricos da época – Inglaterra e Holanda  - começaram um comércio até então inédito: o de gente. Levavam os navios para o continente Africano, sequestravam gente, e levavam para a América para trabalhar como escravo. Foram séculos dessa infâmia.

No caso do Brasil, quase dois milhões de pessoas foram trazidas para trabalhar nas fazendas dos senhores de engenho ou de café. Mais de 200 mil morreram no caminho. Essa gente toda foi espalhada pelo território e apesar das condições brutais de existência, gerou descendência. Um censo realizado em 1872 - 16 anos antes da abolição - dá conta de que 58% da população brasileira se declarava negra ou parda, ou seja, os negros eram maioria, sempre foram desde que trazidos da África. Quando a abolição finalmente chegou, o país tinha ainda 723 mil pessoas na condição de escravo. 

É bom que se lembre de que antes disso teve a Lei do Ventre Livre, que deu “liberdade” aos nascidos de pessoas ainda escravizadas e a Lei do Sexagenário, que liberou os mais velhos. Ora, todas essas duas leis foram perversas porque jogavam numa condição ainda mais miserável os bebês, que apesar de “livres” tinham de ficar com os pais ou abandonados, e abandonava os velhos a sua própria sorte depois de já terem sido consumidos. Nem às crianças nem aos velhos foi dada qualquer condição de reproduzir a vida. 

Da mesma forma, toda essa gente escravizada se viu livre numa manhã de 1888, sem qualquer opção de existência. A eles não foi dado o direito de propriedade e muito menos qualquer política pública de recomeço da vida agora como um ser livre. Nem mesmo o trabalho lhes restava porque as levas de imigrantes agora viriam a substituir os negros, e estes eram sempre a primeira opção dos fazendeiros. Isso mostra bem a condição do negro naqueles dias de libertação. Começava aí um novo processo de aprisionamento, desta vez como exército de reserva do capitalismo nascente. 

Depois de 300 anos de escravidão, os negros eram largados com uma mão na frente e outra atrás. Sem emprego e sem opção, eles foram ocupando terras periféricas e se organizando como dava. No geral, o máximo que conseguiam eram trabalhos esporádicos, bicos, e suas condições de vida eram precárias. É dessa história de sequestro, violência e abandono que nasce o menino de rua, a favela, o mendigo. É claro que muitos negros conseguiram romper com essa planejada destruição, mas a maioria foi jogada na marginalidade.  

A tragédia do Jacarezinho – Rio de janeiro/2021

Neste dia 06 de maio de 2021, 133 anos depois daquele maio que tornou livres os negros escravizados, uma tropa da polícia civil do Rio de Janeiro entrou na comunidade do Jacarezinho e matou, sem direito a julgamento ou defesa, 25 pessoas. Gente jovem e preta, como tem sido, sistematicamente, há décadas, em todas as regiões do país. A lógica é cortar o “mal” pela raiz. O argumento é singelo: os policiais estavam ali “limpando” a área para garantir a segurança aos “cidadãos de bem”. Segundo a versão oficial, as pessoas mortas eram bandidos, traficantes e mereceram o destino: CPF cancelado, para usar a linguagem dos tempos bolsonarísticos. Não foi um confronto, foi uma execução. 

Analistas entendidos da realidade carioca falam que o Jacarezinho é uma região do Rio onde as milícias ainda não puderam entrar. E que são elas as que dominam quase 60% do território. Pode estar aí um dos motivos para essa “incursão” já que todo o poder institucional do estado e da cidade está conectado com as milícias. Há quem diga que o próprio clã que hoje governa o país também. Tudo isso são questões que aparecem de maneira periférica na discussão. Geralmente quando acontece algo assim sempre vêm à tona as guerras de facções, os esquemas de poder do submundo do crime e tal. 

Para o leitor/espectador comum, o foco todo fica sempre no morto: era um bandido. Mesmo que não seja. Se era preto e vivia na favela, era bandido. Essa é a compreensão. E se o morto é uma criança, as pessoas pensam: bom, se não era bandida ainda, seria. Porque no imaginário nacional o negro está sempre vinculado ao lado ruim da força. Essa é a ideia que vem se reforçando desde o princípio da escravidão, eu intuo. Imagino os donos de engenho repassando aos filhos a informação: “não cheguem perto dos negros, eles não são gente, são coisas do mal”. Depois, quando os negros estavam livres e foram se incrustar nos morros, seguiam sendo apontados como os “malvados”, os “capoeiras”, os “marginais”. Hoje, ainda confinados às regiões mais pobres, eles seguem sendo a imagem do mal. É uma construção histórica que muito bem serve à classe dominante, essa que nunca saiu da casa grande.

Pode ser que alguns daqueles jovens assassinados no Jacarezinho fossem traficantes. Pode ser. Muitos deles são. Porque aos pobres do país muitas vezes não resta saída. Ser recrutado pelos gerentes do tráfico é coisa corrente nas comunidades. É bem difícil escapar desse destino porque no geral não há trabalho para jovens negros, e se há, é subemprego. Com o tráfico eles tiram em um dia o que ganhariam em um mês. Que jovem não faria esse cálculo? Negro, branco, vermelho, amarelo ou azul? Qualquer um, afinal, vive-se num mundo capitalista no qual a pessoa é medida pelo que tem. A questão é? São eles, culpados? E sendo, deveriam ser executado assim, sem julgamento ou direito à defesa?

Não faz muito tempo um avião presidencial – eu disse presidencial - foi pego com quilos e quilos de cocaína. Cocaína é droga. Sabem o que aconteceu? Nada. Nenhuma invasão ao aparelho, nenhum tiro. O militar – assim trata a imprensa, em vez de bandido ou traficante - que acabou responsável pelo caso foi preso sem alarde e nem sei se ainda está. Outro caso famoso é o de um avião cheio de cocaína que era de propriedade de um deputado mineiro e que foi apreendido dentro da fazenda do deputado, tampouco teve tiro ou execução. E inclusive, mesmo sendo o avião do deputado e a fazenda do deputado, o tal deputado não foi incriminado. Parece que só sobrou para o piloto. Eis a questão! 

Os traficantes de verdade, os que importam, os que fazem girar o mundo das drogas, esses não estão na favela. Eles frequentam os salões e vivem no asfalto. Suas casas não são invadidas e eles não são assassinados em frente às mães, às irmãs, aos primos. Eles são os que estão no comando. Nada lhes toca. A guerra é feita aos gerentes e aos soldadinhos do tráfico, para mostrar que se está fazendo algo. E com muito mais violência a guerra é feita  aos soldadinhos, porque esses não tem nenhum poder a não ser a arma que carregam. Eles podem ser abatidos como moscas para serem expostos como troféus de uma “política de segurança”. Mas, outros como eles logo estão prontos para se alistar no exército do tráfico, porque não encontram saída do labirinto onde foram jogados há séculos. 

Esse é o jogo. Essa é a incômoda verdade. “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro”, diz a canção do Rappa. 

E, nesse contexto, basta a gente se levantar em defesa dos mortos e já vem a matilha a gritar: “leva pra casa, tomara que estuprem tua mãe”. Porque essas criaturas, que não conseguem enxergar o todo, temem os traficantes, os bandidos, os “negrinhos”. Não conseguem ver que o temor precisa tomar outra direção. Os verdadeiros causadores da tragédia das drogas não são os guris do morro. Eles são apenas um elo da corrente, o mais fraco, aliás. O verdadeiro traficante – o dono da droga – está protegido e seguirá assim até que um dia esse mundo mude pela força das nossas mãos. 

Hoje as famílias do Jacarezinho choram seus mortos, e daqui a algumas horas, outras famílias, de outros morros, outras comunidades, também chorarão. Tem sido assim, todos os dias. Porque são herdeiras daquela gente “descartável” que cometeu a heresia de ficar por aqui, de não morrer. 

E assim vai a vida nesse triste país, sem parada. 

Dia virá, eu espero, que os deserdados se levantarão, organizados e coletivamente, e arrancarão das mansões os verdadeiros fabricantes da morte e do terror. 


Morar é um direito - Vale das Palmeiras de pé



 Quando a pandemia começou em março do ano passado houve uma batalha muito grande para que as prefeituras de Florianópolis e dos municípios vizinhos garantissem condições de higiene e comida para as famílias em comunidades de ocupação. Esses espaços que as famílias sem-nada ocupam para poder montar seus barracos e se proteger, afinal, alugar um imóvel em Florianópolis e região não é para qualquer um. Os preços são altíssimos e mesmo nas comunidades de periferia para muitas famílias fica inviável alugar. Ocupar os terrenos vazios é a única saída.

 Foram meses e meses de conversas, marchas e protestos. Isso porque mais de mil famílias, distribuídas em oito comunidades, estavam completamente destituídas de qualquer possibilidade de sobreviver quando teve início o fechamento total das atividades. Sendo a maioria das pessoas em situação de trabalho informal, a fome logo abriu caminho pelas casinhas mal havidas. Foi preciso que diversos grupos de solidários se formassem para garantir essas vidas, visto que para os governos elas são invisíveis e descartáveis. 

Esse trabalho de suporte que é feito por pessoas ou instituições continua até hoje, pois muita gente ainda não conseguiu voltar ao ritmo de trabalho de antes da pandemia. Segue faltando comida e produtos de higiene. Uma batalha sem fim. 

DESPEJO

Pois não bastasse todo o terror que é não ter comida e nem possibilidade de trabalho, algumas famílias ainda têm de enfrentar as ameaças de despejo. É o que está acontecendo agora na cidade vizinha de São José, com a prefeitura local querendo desalojar 150 famílias da comunidade de ocupação Vales das Palmeiras. Ou seja, em plena pandemia, o prefeito Orvino Coelho de Ávila (PSD), quer jogar na rua uma comunidade inteira que desde há tempos vem se organizando às margens da Avenida das Torres, buscando um canto onde encostar a cabeça numa cidade que há oito anos não cria qualquer projeto de moradia popular. Isso significa que os moradores são deixados à própria sorte numa região em que a renda da terra acaba por tornar a vida insustentável para o trabalhador. Tanto em Florianópolis quanto no seu entorno os imóveis custam os olhos da cara. 

As famílias que vivem na ocupação Vale das Palmeiras têm lutado duramente para seguir vivas nesse período de pandemia, visto que a maioria trabalha de maneira informal.  E agora, desde o começo do mês de abril deste ano vivem em estado de terror permanente com as ameaças de derrubadas das casas. Primeiro foi a polícia que chegou com intimações falsas, alegando que era para saírem imediatamente. Os documentos sequer tinham assinaturas de juiz. Era só um desejo do prefeito. Imediatamente a comunidade acessou as redes de apoio e logo a farsa foi descoberta. Mas, em seguida, souberam que o processo já estava mesmo finalizado na justiça e que a ordem de despejo seria dada. O que o prefeito fez foi antecipar o drama. 

Com essa informação a comunidade tratou de se articular em luta e começou o processo de tentativa de negociação, afinal, existe até uma lei que determina que enquanto durar a pandemia não pode haver despejo. E mesmo com reunião marcada na prefeitura, a polícia seguiu fazendo incursões na comunidade, colocando medo nas pessoas. Tentavam intimidar as famílias a aceitar o aluguel social proposto pela prefeitura, num valor que não alcança pagar nenhuma moradia digna no município.

Uma reunião aconteceu, sem qualquer avanço, até porque o prefeito não estava presente. Nova reunião foi marcada, mas dois dias depois os moradores enfrentavam o corte de luz, um direito básico que foi negado como mais uma intimidação. No dia 23 de abril nova ordem de despejo é dada, sem que o prefeito aparecesse para conversar. Mais marchas, mais manifestação. A prefeitura ofereceu um “acolhimento” que seria de uma parcela única de 770 reais. Ora, o que uma família sem casa e com todas as suas coisas na rua pode fazer com 700 reais? 

No dia 28 de abril as famílias conseguiram uma decisão favorável de um juiz para que as casas não sejam demolidas, mas a prefeitura segue pressionando para que aconteça o desalojo. No dia primeiro de maio a polícia apareceu na ocupação visando impedir uma manifestação pacífica. Nesta quarta-feira, dia 05, foi realizado mais um ato em frente à prefeitura de São José, pedindo uma conversa com o prefeito, mas ele segue se negando a falar cara-a-cara com as famílias.

E assim segue a luta. O despejo está suspenso por enquanto, mas nada está garantido. Os moradores seguem esperando uma negociação de verdade e se amparam na lei, visto que a nossa carta magna diz que morar é um direito, coisa que parece valer apenas para o famoso cidadão-cliente, ou seja, aquele que tem dinheiro.

Santa Catarina, que é cantada na mídia como a Europa brasileira, está bem longe de ostentar o bem estar social da região europeia. Só no quesito moradia o déficit é de quase 200 mil habitações, isso sem contar as moradias precárias – 36 mil segundo a Cohab - que não oferecem dignidade. Em São José o déficit é de mil moradias. 

Morar é quesito de primeira necessidade e ter a própria casa é sonho de 10 entre 10 trabalhadores, porque pagar aluguel é considerado o gasto mais injusto que pode haver. É um dinheiro que, sendo ganho com o suor do trabalho, já vem morto. Por isso, as famílias que lutam nas comunidades de ocupação, não querem deixar suas moradias, muitas vezes bastante precárias. Porque, tendo-as, não precisam pagar aluguel. E isso já significa muito. 

No Vale das Palmeiras é assim. E as famílias vão lutar até o fim. 

O mínimo que esperam é que o prefeito pare de se esconder e venha conversar.