Fotos: Rubens Lopes |
Fazer jornalismo em Florianópolis não é coisa fácil. Até bem pouco tempo o oligopólio formado pela empresa gaúcha RBS detinha a hegemonia, abarcando não apenas a capital, mas toda Santa Catarina. Sua ligação visceral com o poder político instituído fazia dela o braço armado comunicacional da oligarquia local. Enfrentar essa massa uniforme de propaganda oficial sempre foi um desafio. Ainda assim, ao logo dos tempos, alguns jornalistas em particular e algumas experiências de comunicação comunitária ou popular conseguiram dar à sociedade outra mirada sobre os fatos, ainda que com dificuldades e com pequeno alcance. Hoje, o controle da empresa gaúcha se esgarçou, mas as propostas hegemônicas seguem o mesmo diapasão, ligadas ao poder político e neopentecostal. A batalha é a mesma. Dura e implacável.
Pensando na história mais contemporânea da mídia popular na cidade podemos nominar a proposta levada a cabo pelo Centro de Apoio e Promoção do Migrante (Caprom), na metade dos anos 1980 que conseguiu viabilizar o Jornal das Comunidades, com o qual abria um canal de comunicação com os florianopolitanos divulgando sobre a intensa jornada de migração vivida na época. Essa leva de gente vinda do interior do estado e de outros estados da federação viabilizou uma série de ocupações urbanas, que acabaram fazendo nascer uma boa parte das comunidades de periferia da capital. O jornal era distribuído gratuitamente e era produzido por jornalistas e estudantes de jornalismo da UFSC. O debate sobre o direito à terra e à moradia se fazia por ali.
No início dos anos 1990 surgiu no bairro do Campeche o jornal Fala Campeche, que também expressava a luta vivida na comunidade por um Plano Diretor, ampliando ainda mais a temática de interesse das gentes, discutindo terra, moradia, transporte, saúde e educação. O jornal abarcava o bairro, mas também discutia a cidade.
No final daquela década, justamente por conta do crescimento da luta popular, foi a vez da aparição da Rádio Comunitária Campeche, uma proposta de comunicação popular nascida do centro nervoso da luta pelo direito à cidade que vicejava no bairro. A rádio, criada em 1998, despontava como um oásis dentro do controle comunicacional exercido pelo poder dominante, o qual tinha sob seu tacão os principais jornais, as TVs e as emissoras de rádio locais. A Rádio Campeche passou a ser não apenas a voz da comunidade se expressando pelo ar, mas também o espaço para a divulgação das lutas dos trabalhadores e dos movimentos sociais.
No mesmo ano de 1998, é fundada a TV Floripa, gerida por um grupo de entidades sindicais. A proposta era justamente trazer à luz todo o espectro das lutas sindicais que se faziam fortes na cidade. No início dos anos 2000, já com a consolidação das novas tecnologias, surge a Alquimídia, uma proposta de comunicação crítica que trazia com ela também a possibilidade de criação de novos veículos, dos próprios movimentos sociais, com hospedagem solidária. Em 2004 nasce a revista de reportagem Pobres e Nojentas, que procurava ser uma referência de jornalismo de classe, focando seu trabalho nas pautas de interesse dos trabalhadores, distribuída gratuitamente nas comunidades.
Nesse período é também de grande repercussão o trabalho do ativista Hamilton Alexandre, o Mosquito, que com suas Tijoladas, expressas num blog, trazia outros olhares sobre a política da cidade. Com ele também fazia coro o meu blog pessoal, chamado primeiro de Jornalismo Amoroso e de Libertação, transformando-se mais tarde no Palavras Insurgentes, também com o objetivo de mostrar as vísceras da cidade e as lutas dos trabalhadores. Igualmente importante foi a experiência do bairro da Lagoa da Conceição, com a criação da Folha da Lagoa, espaço de jornalismo crítico.
Mais tarde foi a vez da criação do Portal Desacato, gerido por uma cooperativa, trazendo a possibilidade de uma cobertura ampliada não apenas da cidade, mas também do Oeste catarinense. E em seguida, outras novas propostas de jornalismo independente como o do Coletivo Maruim, Catarinas, Estopim, o braço estadual do Jornalistas Livres, o Daqui na Rede e por fim a proposta da Associação das Rádio Comunitárias foram aparecendo, dando mais musculatura para o jornalismo independente que vinha sendo praticado sistematicamente por um grupo pequeno de jornalistas.
Pois foi toda essa gente que se juntou nesta quinta-feira, dia 20 de fevereiro, para uma sessão de homenagens na Câmara dos Vereadores proposta pelo vereador Lino Peres. Um momento importante de encontro e de reafirmação do compromisso de construção de uma mídia comprometida com os trabalhadores, com os oprimidos, com os explorados da terra. Cada um dos veículos ainda em atividade recebeu um diploma de reconhecimento, e os que já não existem mais foram lembrados como deve ser, porque a luta pela soberania comunicacional é um edifício construído por inúmeras mãos de jornalistas e agentes comunicacionais que decidiram romper com a falácia do jornalismo imparcial. A memória histórica não pode nem deve ser apagada, porque essa luta não começou agora.
No capitalismo vivemos uma guerra de classes e é importante que a sociedade saiba que existe uma mídia que se emparelha com os dominadores e outra que atua irmanada com os trabalhadores. É uma batalha comunicacional travada cotidianamente. Claro que os veículos de comunicação independentes, populares e comunitários têm muito menos alcance e eficácia na relação com os meios de massa, mas eles seguem firmes na resistência até que chegue o dia em que os trabalhadores realizem a revolução e os meios de comunicação sejam controlados pela maioria.
A sessão promovida pelo vereador Lino Peres, muito mais do que amaciar egos, foi o encontro de parceiros e parceiras que trabalham pela transformação. E, para além disso, a oportunidade da reafirmação pública desse compromisso coletivo, generoso e revolucionário. Na guerra de classe, estamos todos – os que lá compareceram, os que já passaram e os que chegam agora - na trincheira dos trabalhadores e como afirmou a jornalista Paula Guimarães na sua fala, representando todos nós:
“... é um erro pensar que somos poucos ou poucas, preocupadas com construir uma narrativa anti-hegemônica. A cada dia somos muitas e muitos que, de maneira coletiva e em redes, nos movemos na contramão das fake news e na luta por uma democracia de fato e direito, só possível com a edificação do poder popular. Teorias e práticas atentas a desestabilizar verdades legitimadas sob violências são nossa maior potência. Por isso, governos autoritários não nos querem por perto. E não estaremos mesmo. Nosso lugar é do outro lado da trincheira”.
A mídia da classe trabalhadora está viva e se move, a despeito de tudo.