Alzheimer/Velhice

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Por um sindicato de luta, outra vez!


Essa foto mostra um momento de grande alegria. Foi em 1997, na posse como diretora do Sintufsc. Nosso sindicato andava mal das pernas e o grupo do Movimento Alternativa Independente (MAI) se mobilizou para recuperá-lo. Foi um trabalho bonito de visitas nos setores, discussão e construção de propostas. Eu tinha chegado à UFSC em 1994, tinha apenas três anos de casa, mas logo já fui percebendo quem realmente queria lutar pelos trabalhadores, sem outros interesses por trás. E, já nas primeiras assembleias vi que o caminho era o MAI.

Fui acolhida com muito carinho pelo grupo que contava com figuras importantes no processo de construção do sindicato dos trabalhadores desde os anos 1980: Silva, Maneca, Helena, Ângela, Moisés, Valcionir, Parú, Silvana, Aldo, Sebastião, enfim, um grupo de gente guerreira, capaz de comandar as lutas que precisavam ser feitas naqueles tempos do privatista e neoliberal Fernando Henrique Cardoso. Tivemos uma eleição bem disputada, contra toda a máquina da reitoria, que sabe muito bem como “atrair” os eleitores. Vencemos.

Pegamos o sindicato com uma dívida de 500 mil reais e, em um ano, com muito trabalho e criatividade, zeramos a dívida, conduzindo o sindicato para o caminho da luta. Foram lindos anos. Lembro-me desses momentos sempre com muita ternura, porque ali, no Sintufsc, encontrei aqueles e aquelas que iriam tornar-se grandes amigos, amigos da vida, para sempre. E aprendi preciosas lições sobre solidariedade, humildade, justiça e capacidade de luta.

Depois de alguns anos, e já no governo petista, perdemos o sindicato. Foi um período muito turbulento, pois a esquerda dividiu-se entre os que apoiavam incondicionalmente o governo e os que acreditavam que precisavam seguir independentes e em luta. Nesse processo, nos dividimos. Foi ruim porque o grupo que assumiu o sindicato iria seguir o caminho da acomodação, como a maioria. E nesses anos todos, poucas lutas reais foram encaminhadas. Chegamos ao cúmulo de ver uma greve histórica, a greve interna das 30 horas, ser derrubada pelo próprio sindicato numa assembleia dramática, na qual os colegas aposentados foram recrutados e terminaram a greve por nós. Impossível esquecer isso.

Agora, estamos de novo com um bom grupo de trabalhadores querendo trabalhar e lutar. Gente nova misturada com gente mais experiente nas lutas. Todos querendo um sindicato de luta, outra vez. A sorte está lançada. Disputarão duas chapas: a Chapa 1, que é a nossa, chama-se TAEs Unidos – Juntos somos mais fortes. E a chapa 2, que é a que representa o continuísmo.

Os trabalhadores sabem muito bem que esse é um tempo de grandes batalhas. Tudo está ameaçado, inclusive a universidade. Por isso não é hora de vacilar. Peço a todos o voto na Chapa 1, a qual tenho a honra de integrar. Porque eu acredito nessa rapaziada, nessa gente cheia de vida e de vontade de construir um sindicato capaz de encaminhar as peleias que virão.

É hora de mudar. Chapa 1 – TAEs Unidos.







quarta-feira, 22 de maio de 2019

A cidade tem de ser para todos

Foto: Gabinete Vereador Lino Peres

Quem em sã consciência gosta de pobreza? Ninguém. Cada ser humano no mundo só tem uma proposição: viver a vida em alegria, sendo amado e saciado. Ademais, a pobreza não é uma coisa natural, que acontece na vida por obra de deus ou do destino. Não. A pobreza é coisa construída historicamente. Ela acontece quando algumas pessoas, pelo uso da força, da mentira ou da persuasão, se apropriam da vida do outro, relegando-o a uma existência sem fartura. No caso da pobreza do nosso tempo, ela é fruto da forma como se organiza a vida no modo capitalista de produção. 

Nesse modo há uma pequena fatia que se adona dos meios de produção e uma grande maioria que vende sua força de trabalho como única saída para sobre/viver. O trabalhador, em verdade, não vive. Ele apenas mantém a cabeça fora da lama da miséria. E os que, por algum motivo não conseguem ou não querem vender sua força de trabalho estão fadados ao abandono ou à morte. 

Quando o capitalismo começou com suas grandes fábricas moendo gente, era tanta família saindo do campo, expulsa pelos pretensos donos da terra, que não havia como as fábricas absorverem tantas pessoas com empregos. Então, o povo que conseguia trabalho, era obrigado a aceitar as condições absurdas de 18 ou mais horas de labuta, parcos salários e casebres imundos para viver. E os que não conseguiam emprego, vagavam pelas ruas, causando constrangimento aos abastados. Foi por isso que criaram leis contra a “vagabundagem”, e essas leis tornavam legal, inclusive, a escravidão. Se fossem pegas vagando pela rua, sem trabalho, as pessoas eram presas e vendidas, quando não mortas. A pobreza dos desgarrados da terra era vista como uma doença, que precisava ser escondida dos olhos das “pessoas de bem”. 

Então, não é novidade esse nojo e horror que os pobres causam aos abastados. Desde o começo do capitalismo foi assim. Basta ler os textos do velho Marx, lá no “Capital”. 

Hoje, em Florianópolis, vivemos esse momento doloroso, no qual as vítimas do capital são tidas como uma doença contagiosa. Vivendo um crescendo vertiginoso no número de moradores em situação de rua, a capital do estado de Santa Catarina, conhecida como Ilha da Magia, busca punir aqueles e aquelas que, na verdade, só precisariam de uma chance para colocar a cabeça acima da linha da miséria. 

Com as “pessoas de bem” reclamando muito dessa multidão de desgraçados dormindo nas ruas, a solução encontrada pela prefeitura foi colocar tapumes nos lugares onde o povo da rua busca abrigo para dormir. E isso é feito bem agora, quando o inverno está vindo. No nosso provinciano jogo dos tronos, os reis da cidade decidiram que o povo da rua é feio demais, fede demais, atrapalha demais e como não para de se multiplicar, a solução é simples: impedir que vivam. Já que não podem ser presos por “vagabundagem”, então que se tire tudo deles, os pequenos abrigos, a possibilidade da comunhão, a sociabilidade. 

O terror do nosso tempo é ter de vir escrever um texto no qual o que se tem a dizer é que tirem os tapumes, para que as pessoas possam dormir embaixo das marquises. Isso é, deveras, inaceitável. Pessoas há, é verdade, que vivem na rua por querer. São poucas. No geral, os que estão em situação de rua são pessoas quebradas psicologicamente, abandonadas, sem chances de trabalho, alguns dependentes químicos (que é uma condição de falta de saúde). E são consequência desse sistema que explora e mantém a pessoa no limite da vida. A rua é sua casa porque ainda que, desprovidos de tudo, eles querem viver. Querem desfrutar do jardim que deveria ser a vida. Querem a alegria e a felicidade. 

Impedidos de dormir nas marquises da Deodoro, os moradores em situação de rua se mobilizaram, porque afinal de contas também são pessoas com direito à cidade, e foram reivindicar junto à prefeitura. A ação dos moradores, juntamente com representantes de outros movimentos sociais e vereadores, exigiu da prefeitura um espaço digno para que as pessoas possam se abrigar. Hoje, os espaços que têm são poucos e cheios de regras que muito pouco podem ser cumpridas.

A batalha segue sendo travada. Os moradores da cidade, que têm casa para morar, olham os moradores de rua com intolerância. “Eles que vão trabalhar, deem duro como eu dou”, diz uma mulher no ônibus, enquanto vai apontando as dezenas de pessoas deitadas embaixo das árvores. Não há compaixão. E não há compaixão porque não há entendimento. Mergulhados na sua própria luta para não morrer, até mesmo os trabalhadores, que deveriam ser solidários, apoiam as ações higienistas. “Aquela rua lá (a Deodoro) é um fedor só. Tá certo”.

A Deodoro fede sim. Fede a gente que não conseguiu se inserir no “mercado”, fede a pobreza. Uma pobreza que é fruto da nossa própria incapacidade de construir uma sociedade justa. A saída é “limpar”, tirar o problema do caminho. Esconder. Deixar o centro saneado para os compradores de mercadorias. Não há espaço para a empatia. São os tempos do capital.
A triste notícia é que num modelo de sociedade que gera pobreza, é impossível escondê-la, domá-la, impedi-la. Enquanto a máquina do capital moi uma parte do povo, outra parte vive à margem. E luta. Porque também quer compartilhar do banquete. 

Em Florianópolis, o povo da rua não se cala, se junta e reivindica. A vida boa e bonita tem de ser para todos.