Alzheimer/Velhice

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

O tempo e o pai



A vida de um cuidador de idoso não é bolinho. Além de ter de dar conta do trabalho, que garante a existência, quando chega a casa tem uma infinidade de tarefas para cumprir. O pai fica numa alegria quando eu chego. E gosta que eu fique paparicando. Então, eu trato de arrumar o café, o qual tomamos juntos, conversando sobre a manhã que passou, o almoço, a sesta. Mas, depois disso preciso dar início a arrumação. Trocar roupa de cama, pois sempre tem alguma surpresinha. Limpar de cima a baixo o banheiro, pois a pontaria já está prejudicada. Juntar as roupas todas para lavar, e eu tenho o costume de lavar à mão. Então essa é função que toma tempo.

Não bastasse isso ainda tem o restante da casa para limpar, pois os bichos, que ficam entrando e saindo, aprontam uma boa bagunça. E, nesse verão de lascar, é sempre bom passar um paninho e deixar tudo cheirando a lavanda. O pai gosta de ajudar nas tarefas, então eu dou a ele a missão de lavar as xícaras do café. É uma boa ideia isso aí porque ele fica bem entretido por algumas horas.

Enquanto ele faz essa tarefa trato de cuidar dos bichos. Lavar as vasilhas, colocar água fresca, comida, limpar o cantinho de dormir. É puxado. O tempo voa e já é hora de arrumar a janta. De novo, outra função.

Ao longo de todo esse tempo, procuro encontrar formas de interagir com ele. Faço um chimarrão para tomarmos embaixo das árvores, dou água, fazemos pequenas caminhadas pelo jardim. Uma forma não deixar ele abandonado pela casa, já que dormir de dia, nem pensar. É uma correria, pois tudo tem de ser cumprido.

Depois da janta ele vai para o quarto ver televisão e é a hora que eu encontro para estudar um pouco, ler, escrever, antes de desabar. Abro o computador e fico nessa tarefa. Enquanto eu escrevo ele fica num vai e vem. Para na porta e fica espiando. Sai e volta, sai e volta, sai e volta, como a se certificar de que eu estou absorvida em algo que não é ele. Fico com pena e pergunto:

- Precisa de alguma coisa, querido?
- Preciso. 
- Do quê?
- De atenção.

Aí não tem jeito, largo o computador e vou ver a novela com ele. Tudo para garantir esse sorrisão. O tempo vai assumindo outra dimensão e muitas tarefas vão ficando para trás...

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Sobre a imprensa e a classe trabalhadora

Na foto, a jornalista Claudia Weinman entrevista Vilson Santin, do MST.

Jornal Nacional. Rede Globo. O presidente da Vale fala por um tempo gigante, a considerar o valor do tempo num jornal global. Repete insistentemente que o que houve em Brumadinho foi um acidente. Um acidente? Com todos os laudos técnicos que mostram o risco dessas barragens? Com todos os avisos de gente muito especializada que milita nos movimentos? Com a trágica experiência de Mariana? Acidente? Foi um crime.

Na hora em que vi aquela cena grotesca, sem a interferência de nenhum jornalista, questionando e apontando as contradições, fui tomada pelo ódio, a indignação. Mas, passado o estupor inicial, a cabeça esfria e a gente começa a pensar. Nada poderia ser diferente. A mídia comercial é braço armado do capital. Jamais encontraremos ali a crítica ou o contraditório. Pode escapar, é verdade, nas brechas que naturalmente os fatos apresentam. Mas, é só isso mesmo. Escapadas, rápidas e sem ligação, coisa que pode tornar bem difícil o entendimento da totalidade do fato.

Isso nos leva a um debate que raramente as forças da esquerda fazem: a necessidade de uma imprensa de classe. O máximo que temos visto nos sindicatos de jornalistas, de radialistas, nos movimentos que atuam no âmbito da comunicação é a discussão sobre liberdade de imprensa. Ora, colegas. Por favor.

Não existe liberdade de imprensa, nem aqui, nem na China, nem em lugar nenhum. O que existe é imprensa de classe. E qual é a classe que domina a mídia? No mundo em geral é a classe dos endinheirados, dos artífices e gestores do capital.

Nós, no Brasil, nunca conseguimos avançar para a construção de uma imprensa de classe. Nem mesmo nos 15 anos que tivemos o Partido dos Trabalhadores no poder. Absolutamente nada foi feito nesse sentido. Pelo contrário. Durante o governo de Lula a própria Globo acabou sendo salva e todos devem se lembrar do presidente no velório de Roberto Marinho, consternado. Também não é pouco que a gente lembre sobre a tão sonhada Conferência Nacional de Comunicação, na qual o governo nos impôs uma derrota, colocando junto os empresários e permitindo que eles dessem a direção para o debate. Praticamente nada foi mexido na estrutura das comunicações no Brasil. Nem mesmo o tema das outorgas foi tocado. O estado, na mão do PT, seguiu rezando pela cartilha empresarial. O resultado disso vimos agora, quando a classe trabalhadora estava desguarnecida de veículos de massa para fazer frente a avalanche conservadora.

É mais do que hora de ultrapassarmos esse discurso liberal de “democratização das comunicações”. Isso nunca acontecerá no âmbito do capital. Porque esse sistema não está aí para brincadeiras e só solta alguns anéis se tem uma ameaça muito grande diante dele. Hoje, ao que parece, não existe nada no horizonte. Então, não virá nada. Pelo contrário. Quando o capital corre livre, sem inimigos de peso, ele não concede um centímetro. Ele aplasta! Vejam que já se configura a vinda da CNN para o Brasil. O tentáculo mais manipulador do sistema. Esse povo não brinca em serviço.

E pensar que quando o governo petista teve a chance de colocar como canal aberto a Telesur, rede televisiva de classe, não o fez. Nunca avançou um milímetro no sentido de trazer a América Latina para dentro do Brasil.

No que diz respeito ao campo dos trabalhadores tampouco se conseguiu avançar, mesmo nos anos de maior ascensão das lutas sociais. Jamais se chegou a um jornal de alcance nacional e o mais próximo disso que tivemos - que foi o Brasil de Fato - acabou se esboroando, justamente por falta de uma compreensão mais classista por parte dos inúmeros movimentos sociais e militantes populares. O que restou foram os grupos de mídia alternativa, comunitária, popular e independente, que vão se arrastando conforme podem, com pouco poder de fogo diante da maquinária capitalista. É muito difícil enfrentar com uma rádio comunitária, uns 30 segundos num jornal noturno de uma rede de televisão que abocanha o país inteiro. O poder do capital é avassalador.

Em Santa Catarina vivemos o mesmo dilema. Temos uma imprensa ridícula, cada dia mais vazia de qualidade. Só nos últimos meses foram demitidos dezenas de jornalistas do grupo hegemônico, ex RBS, atual NSC. Precarizam-se as relações de trabalho, aumenta a exploração dos trabalhadores e a comunidade fica cada dia mais refém de uma comunicação pífia e manipuladora. Assistir um jornal televisivo é de chorar. O pensamento crítico passa longe. Não há sequer boas perguntas, matéria prima básica do bom jornalista. É uma vergonha. Mas, ainda assim temos muitos sindicatos, e movimentos, e parlamentares que preferem assinar um jornal da imprensa comercial que investir nas propostas de comunicação populares que teimam em existir, ainda que em difíceis condições.

Creio que é tempo de aprendermos a lição. Façamos a autocrítica e caminhemos no sentido de construir uma imprensa de classe. Da classe trabalhadora. Já basta de querer melhorar o capitalismo, basta de pensar que pode ele ser humanizado. Não pode. Por isso a comunicação não será democratizada. Há que mudar o modo de organizar a vida e enquanto isso não vem, fortaleçamos a imprensa de classe. É isso, ou morte.