Cíntia Cruz, da Revolução dos Baldinhos |
Ali estava eu, na sala escura do Centro de Eventos da UFSC, esperando minha vez de falar no Planeta.Doc, uma proposta generosa que envolve muita gente disposta a fazer algo para que todos possam viver bem. Então, ela entrou em cena, falando de um projeto que ajudou a criar na região do Monte Cristo e na Chico Mendes. Seu nome: Cintia Aldaci da Cruz. Mulher negra, nascida e criada na comunidade do Monte Cristo que, com outros companheiros e companheiras, deu vida a revolução dos baldinhos, um projeto de gestão de resíduos urbanos que tem transformado vidas na comunidade.
De repente, na escuridão do auditório, vendo aquela mulher falar com tanto amor de sua comunidade que é conhecida como o "espaço da violência", meu coração foi enternecendo e as lágrimas vieram aos borbotões.
Ela ainda era poeira cósmica quando um grupo de pessoas, sob a direção do Caprom, coordenado pelo Padre Vilson e Ivone Perassa, preparou aquele terreno para as famílias entrarem. Era final dos anos 80 e a cidade de Florianópolis vivia um grande processo de migração. Havia muita terra sem uso, e muita família sem um lugar para morar. Então, essas famílias se organizaram, tiveram apoio do Caprom, e ocuparam áreas públicas, onde fincaram os barracos e começaram a resistência na luta por moradia.
Estive ali, com Elisa, Loureci, Celso, Jaques, Geraldo, e tantos outros companheiros e companheiras, que atuaram juntos naqueles dias de tanta beleza, luta e transformação. Nas noites escuras do continente, mediam-se os terrenos, fincavam-se estacas e erguiam-se os barracos. Então, fruto da luta coletiva, foram brotando as comunidades que hoje estão aí, firmes, se reinventando a cada dia. Chico Mendes, Vila Aparecida, Nova Esperança e o próprio Monte Cristo que surgiu ao lado da Chico Mendes.
Ver aquela jovem, guerreira, que, emocionada, falava da profunda transformação que via acontecer na sua comunidade, da esperança que despontava nos jovens, nas crianças, me emocionou por duas razões. A primeira por ver que a resistência popular segue, cotidiana e sistemática, diante da voragem do capital, que tudo destrói. E a segunda por saber a mim mesma ainda do lado certo da história. Vejo tanta gente descambando, se endireitando, perdendo o contato com a luta das gentes.
Eu estive ali, na noite escura, naquele descampado que hoje abriga várias comunidades e, na força do coletivo, fiz parte do processo que constituiu vida para tantas famílias. O lugar onde germinou uma mulher como a Cíntia. E, agora estava ali, naquele auditório, também escuro, ainda dividindo palavras e esperanças sobre a luta histórica dos trabalhadores e trabalhadoras desta cidade que eu amo tanto. Comigo, também estava o padre Vilson, velho amigo e companheiro, e surpreendentemente aquele mulher, nascida e criada no espaço urbano que um dia ajudamos a transformar. Naquela hora, naquele lugar, todos juntos, seguindo na luta por um país soberano e livre, no qual as pessoas possam viver com dignidade e felicidade.
Foi uma linda sensação! Foi uma profunda emoção. E fortaleceu a certeza de estar no caminho certo, apesar de tudo.
Viva a luta dos trabalhadores e trabalhadoras.