Alzheimer/Velhice

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Um bilhão de famintos no mundo


Betinho entendeu que a fome é um crime ético, e mobilizou o Brasil contra isso. Betinho queria matar a fome e mudar o mundo. Reforma e revolução.

Na última terça-feira, dia 11, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) divulgou os números da fome no mundo. Quase um bilhão de famintos (821 milhões). E isso considerando os países que dispõem de dados, o que significa que o número pode ser maior. Só no continente africano estão 256 milhões de pessoas passando fome.  Na América Latina, aonde os números haviam diminuído, a fome voltou a crescer, afetando 32 milhões de pessoas. 

Fazendo as contas é possível perceber que uma em cada nove pessoas no planeta está nesse momento passando fome. E não é aquela fome que dá quando ficamos um período sem comer. É a fome estrutural, a que mata horrivelmente, e mata mais do que qualquer outra enfermidade no mundo.

A FAO reconhece que as guerras, os conflitos armados (60% dos famintos estão em zona de guerra) são causas importantes para o drama da fome, assim como também as mudanças climáticas que acabam afetando bem mais os empobrecidos. Mas, também aponta que essas emergências bélicas e climáticas, apesar de influírem no mapa da fome, não são as causas principais. 

A fome da maioria dessas pessoas é estrutural, ou seja, são gerações e gerações vivendo sem alimentação adequada ou se alimentando muito pouco. Porque faz parte da organização do modo de produção capitalista que para que poucos tenham muito, a maioria seja despojada de tudo. 

Parece irracional que quase um bilhão de pessoas estejam vivenciando o horror da fome, num mundo que produz tanta comida, cujas cifras poderiam alimentar quase 13 bilhões de seres humanos tranquilamente (o dobro do número de pessoas que existe). Num mundo onde o desperdício de comida é imenso.  Mas, o que acontece é que como bem apontava Marx, a lógica do capital é manter os trabalhadores num estado limite entre a possibilidade de produzir valor e a morte. Nem ganhando tanto que possam achar que não precisam trabalhar, nem tão pouco que não sobrevivam. É da natureza do capital manter os trabalhadores nesse estado de letargia, típico da fome. 

Uma olhada sobre o nosso território brasileiro e vamos ver que a produção maior de grãos não é para comer. Serão 232 milhões de toneladas esse ano, a segunda maior produção de toda a história. Mas, é uma produção que serve para exportação e vai alimentar vacas e porcos em outros países. 

O jornalista argentino Martín Caparros, autor do livro "A Fome", escrevendo sobre os números da fome lembra que no seu país, Argentina, a produção atual de alimentos poderia sustentar 300 milhões de pessoas, mas mesmo lá existem dois milhões de famintos, com tendência a aumentar esse número. Ele mostra uma conta muito simples: para produzir um quilo de carne são necessários dez quilos de cereal. Então, o produtor de grãos tem duas opções. Ou vende um quilo de cereal para dez famílias, ou vendo os dez quilos, a um preço bem melhor, para um fazendeiro criador de gado. No geral, a escolha é pelo gado e não pelas gentes. 

Ele lembra também do caso de Níger, um país africano considerado um dos mais pobres do mundo e com séculos de fome estrutural. Lá, os campos são secos e tudo é pobre, o que pode parecer que não há saída. Mas, esse mesmo país é o segundo produtor mundial de urânio, mineral estratégico e caro. Imaginem o que não seria possível fazer com os recursos do urânio? Mas, se a riqueza entra no país, ela não chega às pessoas em geral. Fica em algum bolso. 

Assim que a fome não tem nada a ver com falta de comida, mas sim como o sistema capitalista se organiza. No Brasil, por exemplo, ainda são contabilizadas 7 milhões de pessoas no mapa da fome (IBGE), o mesmo país que desperdiça 14 mil toneladas de alimentos por ano, estando entre os dez mais em desperdício no mundo.

Mas, esses terríveis números, divulgados todos os anos pela FAO, caem no vazio. Porque a notícia é dada nos telejornais como uma nota ritualística. Um bilhão de pessoas passam fome no mundo. E ponto. Não dizem por quê. E quem ouve, se impressiona naquele momento, mas logo já esquece, envolvida com outra notícia bombástica, como a separação de uma celebridade, ou outra coisa qualquer.

Esse um bilhão de pessoas famintas não tem rosto, não tem nome, não tem CPF nem endereço, não provoca qualquer empatia. Quando muito uma lágrima rápida diante de uma foto impactante de um menino morrendo, e sendo velado por um urubu. Mas, poucos são aqueles que procuram saber os por quês. O que afinal se passa no mundo, se há tanta comida sendo produzida? Que sistema é esse no qual para que poucos vivam à larga, milhões tenham de morrer?

A fome no mundo é a falência de nossa espécie. Uma pessoa em cada nove está morrendo agora, essa morte lenta, dolorosa, marcada pelo horror. E para essa gente não basta que doemos o nosso quilo de arroz, em musculação de consciência. Ajudá-las é mudar o sistema. Mudar o modo de organização da vida. Destruir o capitalismo. 

Sem isso, seremos sempre cúmplices dessa dor. 


quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Lula e a política brasileira



Lula está preso em Curitiba. E o caso de pagamento de propina pelo qual está sendo processado ainda não teve julgamento de mérito. Ele foi condenado em segunda instância e, conforme uma infinidade de advogados, não precisaria estar preso. Vários outros casos de pessoas julgadas em segunda instância foram resolvidos com Habeas Corpus até julgamento do mérito. Lula não. Ele é a cabeça da hidra petista que precisa ficar exposta como a dizer: o jogo acabou, não se aventurem, já era. Não haverá mais conciliação de classe e nem concessão de poder a alguém minimamente identificada com os trabalhadores. Mesmo que ele não represente mais propostas de transformação radical.

Fatalmente, salvo alguma mudança "cósmica", ele deverá cumprir todos os anos de prisão imputados. E, possivelmente só depois disso os eminentes juízes julgarão o mérito. Talvez decidam que não há mesmo nenhuma prova que determine a posse do imóvel. Mas, isso não importa. O que importa é que ele fique preso. E durante muito tempo. Isso será exemplar.

E, para isso, tampouco basta a prisão. O judiciário brasileiro quer muito mais. Precisa ver o cidadão Lula no chão, aplastado.

O juiz de Curitiba, na primeira instância, havia condenado Lula a nove anos e seis meses de prisão e ao pagamento de multa no valor de 669 mil reais. Já ao passar pelo TRF da 4ª região, em segunda instância, Lula teve a pena aumentada para 12 anos. E a multa também dobrou. Passou dos 669 mil para um milhão e 14 mil reais. O TRF decidiu aplicar o valor máximo permitido. Já outros réus na mesma ação, como Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS e Agenor Franklin, também diretor da OAS, na segunda instância tiveram as penas e as multas bastante diminuídas.

Agora, no mês de agosto, depois de já estar amargando a prisão, uma outra juíza de Curitiba, Carolina Lebbos, decidiu que Lula deverá pagar uma multa por reparação de danos e custos processuais no mesmo processo do tríplex, de 31 milhões de reais.

Sendo assim, ao todo, o ex-presidente terá de pagar 32 milhões de reais pelo processo referente a um crime que, até prova em contrário, ele não cometeu. Uma situação jurídica que, no entender de muitos estudiosos do Direito, é absolutamente surreal.

Mas, apesar de toda essa circunstância esdrúxula, o ex-presidente, bem como seu partido, o PT, tem insistido em recorrer a esse mesmo judiciário que o enterra. Reiteradas vezes novas apelações são feitas buscando na lei as mesmas condições que são dadas a outros réus. Segundo os dirigentes do partido a lógica é mostrar para a população que a prisão de Lula é mesmo política. Outros políticos, como Aécio Neves - que disse em gravação de própria voz que poderia matar quem pudesse delatá-lo – ou Geddel – pego com malas de dinheiro de propina - estão inocentados porque não há provas contundentes, por que então Lula está encarcerado? Se todas as provas contra ele no processo do tríplex são circunstanciais, o que poderia levar a uma presunção de inocência, como mantê-lo preso? Esses questionamentos são jogados para a população, que então, faz o seu julgamento.

Enquanto todo esse cenário kafkiano vai se descortinando, a estratégia petista é de manter a militância aquecida com a cotidiana saudação ao ex-presidente em Curitiba. Todas as manhãs e todo final de tarde, um grupo se aproxima da sede da Polícia Federal e dá o bom-dia e o boa-noite a Lula. Essa rotina deixa o PT em evidência na mídia e nas redes sociais, mantém o nome de Lula no imaginário e busca fortalecer o nome do indicado de Lula para disputar as eleições presidenciais.

Tanto que a decisão de desistência de Lula aconteceu só agora, pouco mais de 20 dias antes das eleições. Até então, a tática era manter o nome de Lula na cabeça, para mobilizar ainda mais a militância. Quando todos os recursos fossem esgotados, sempre apontando para a parcialidade política do judiciário, o nome de Haddad já estaria bem colado ao de Lula. Esse era o plano.

Agora, a partir dessa semana, o partido vai conhecer o resultado da estratégia montada. A expectativa é de que Lula consiga, com a força de sua personalidade carismática, transferir os votos para Haddad. Mas, a conjuntura, com o ataque ao candidato do ultraliberalismo, Jair Bolsonaro, pode alterar o caminho petista.

Com o atentado, Bolsonaro cresceu. Os partidários do candidato da direita fazem barbaridades nas redes sociais, divulgando notícias falsas, ligando o atentado ao PT ou à esquerda. Um senador da república, Magno Malta, ligado à igreja evangélica, divulgou no seu perfil do facebook uma foto adulterada, com a cara do agressor do Bolsonaro num comício do Lula. A manipulação da foto é grosseira, mas mesmo assim o senador a disseminou pela rede, dando ao PT a autoria do ataque. Outro pastor, de fama nacional, divulgou no seu Twiter que a ex-presidenta Dilma havia mandado matar Bolsonaro. E pasmem, nada aconteceu com eles.

A subida de Bolsonaro agitou as águas da eleição. Nas pesquisas ele está em primeiro lugar e a proposta do voto pragmático já aparece com força. Os brasileiros fazem cálculos para ver quem poderia ter mais chance de vencer o candidato reacionário. Com isso, crescem os eleitores de Ciro Gomes, que não faz parte da dobradinha petucana (PT/PSDB). Seria uma terceira via. Pesa contra ele o fato de ter como vice uma latifundiária que apesar de articulada e poderosa no debate, está ligada ao agronegócio de maneira visceral, tendo já recebido dos indígenas brasileiros o título de rainha da motosserra, em alusão ao desmatamento provocado pelo latifúndio. Guilherme Boulos, escolhido pelo PSOL para ser uma força de esquerda, não empolgou, tendo ficado muito tempo mais no apoio à estratégia petista do que na campanha própria e o PSTU, apesar de ter uma proposta de governos bastante radical, é avaliado na esquerda também pela sua prática cotidiana e pelas posições tomadas com relação à Venezuela e à Síria, que foram totalmente equivocadas. Por fora corre Geraldo Alkmin, candidato do PSBD, insosso e inexpressivo, mas que pode receber o apoio da classe dominante se a situação com Bolsonaro complicar e ele escorregar do primeiro lugar.

Assim que os rumos da eleição ainda estão incertos. Nesses 20 dias que faltam para o pleito muita água vai rolar. A política brasileira é uma montanha russa, resta saber se está desgovernada ou se vai se manter nos trilhos, ainda que com sustos controlados.


Visitando Zininho


Um dos nossos poetas maiores, Cláudio Alvim Barbosa, Zininho, está te esperando para um encontro de belezas, na exposição que lembra os 20 anos de saudade, desde o seu encantamento em 1998. A mostra está no Mercado Público, na parte de cima, na entrada que dá para a Alfandega. E não poderia ser outro lugar, visto que o mercado sempre foi o guardião da alma boêmia da cidade. E mesmo que agora esteja gourmetizado, ainda restam as memórias, que perduram nas velhas paredes.

Assim, que subir os dois lances de escadas vermelhas já vai nos preparando para o encontro. De cara a gente vê, na entrada, o imenso boneco, que sai no Berbigão do Boca. E a gente se enche de alegria. Depois, lá dentro, a simplicidade da mostra se abre em saudade e pequenas maravilhas. Os óculos do poeta, os microfones que usava, os enormes gravadores, as placas e homenagens, os discos, os livros escritos sobre ele, os quadros que o retratam, os vídeos com o Aldírio Simões falando das coisas da ilha, tudo isso forma uma atmosfera de encantamento. Nossa querida Desterro, as dores de amor, tudo de bonito que foi retratado nas músicas de Zininho, que é muito mais do que o compositor do “Rancho de Amor à ilha”, nosso hino.

No meio da sala está Zininho, com seu riso estampado, um copo de cerveja na mão, esperando por cada um de nós, para um papo, uma trova, um poema. A cadeira ao seu lado chama e a gente senta e conversa, e ri com ele. Eu mesma não o conheci pessoalmente. Mas, o conheço da obra. Das músicas que tocamos cotidianamente na nossa Rádio Campeche. Gosto de sua poesia, de sua simplicidade, da sua carinha tão litorânea. 
Hoje, na sala vazia de gente, e cheia de memórias, me apresentei. E falamos sobre a música brasileira e sobre nossa amada cidade. Foi bom.

A exposição é uma belezura e a obra em fibra de vidro, que imortaliza Zininho, feita por outro maravilhoso artista catarinense, o Plínio Verani, simplesmente nos transporta para o encontro amoroso com esse grande compositor brasileiro que nossa cidade teve a alegria e a honra de ter como morador desde que era bem gurizinho. Um homem do continente, do estreito, do Abrãao, que tão bem soube cantar a vida.

Vai lá, fica até o dia 22 de setembro. Temos de conhecer os nossos!