Por um descuido de alguém, foi divulgada no sítio de
notícias de uma grande rede local, a NSC (Nossa Santa Catarina), ex-RBS, a
notícia pré-redigida para informar sobre as eleições que definiriam o novo
reitor da UFSC. O texto clássico da notícia normótica, sem contexto ou
impressão, foi terminado deixando alguns espaços com XXX que equivaleriam às
informações ainda não obtidas pelo redator e que deveriam ser completadas por
quem fosse subir a notícia no sítio. Porcentagem, número de votos, nome do
vencedor, etc... Nada muito escabroso, visto que obviamente o repórter não
poderia ficar até às dez horas da noite esperando para terminar a notícia. Ainda
assim virou piada nas redes.
O descuido do editor, ou de quem quer que seja,
circulou pelos meios internéticos e entre os jornalistas, que têm se
manifestado, entre risos de deboche e preocupação com o jornalismo. Mas, ao
final, o que há de escabroso nisso? Nada. Essa é uma prática comum no
jornalismo conhecido como “manual de geladeira”, que é esse do lead clássico, sem
maiores informações além das seis famosas perguntas: o que, quem, como, quando,
por que, onde.
Por que o espanto se é o que se aprende na faculdade?
Respondendo a essas questões temos tudo o que pode interessar ao leitor, dizem
os “mestres”. É o jornalismo normótico, hegemônico e, ao contrário do que se
alardeia, totalmente parcial. Aquele que é praticado por quem acredita ser o
leitor um tolo, um Homer Simpson, um bobão. Por isso não vejo motivo de riso na
postagem da NSC. Vejo motivo de debate, isso sim. Pois esse é o jornalismo
vigente e, inclusive, segundo se sabe, um texto assim já pode até ser produzido
por um programa de computador. Para que precisam de nós, jornalistas, então?
Esse é o tema.
Teóricos do jornalismo como Armand Mattelard já havia
discutido esse famoso lead (os das seis perguntas) insistindo em incluir uma
sétima pergunta nele, aquela que faria toda a diferença, porque mostraria que
ali havia mesmo um repórter, alguém vendo, sentindo e analisando. A pergunta
chave seria: e daí? Com esse questionamento o repórter teria de ter
conhecimento sobre as causas e apontar os cenários de consequências. Fazendo
isso, estaria produzindo conhecimento, como também apontou Adelmo Genro Filho.
Trazendo na singularidade de determinado fato as determinações que dariam conta
da totalidade da atmosfera na qual o fato foi gerado. Ah, o jornalismo, essa
coisa bela!
A imagem da notícia XXX, divulgada pela NSC, é a imagem do
jornalismo atual. Esse é o drama. O jornalismo que já tem pronta todas as
questões, faltando apenas completar os pontinhos. No geral, esse jornalismo,
dito “imparcial”, é esgrimido contra os trabalhadores, contra a esquerda,
contra a beleza, contra o conhecimento, contra a criticidade. Não há vida nele,
não há análise, não há olhos, não há coração, não há nada além da ideologia de
um estado de coisas. Aceitar esse jornalismo não é ser imparcial e objetivo, ao
contrário. É ser parcial ao extremo, contra a possibilidade de um leitor
crítico, de um leitor que se aproprie do conhecimento e defina suas certezas a
partir das informações contextualizadas que recebe.
O jornalismo XXX é igual ao direito XXX, como se viu no
documento assinado por Sérgio Moro autorizando a prisão de Lula, poucos minutos
depois do julgamento. Ou as notícias sobre a judicialização do Sintrasem ( o
sindicato dos municipários que está sendo investigado pelos vereadores), em Florianópolis.
Tudo já está pronto, não apenas na forma, mas também no conteúdo. O XXX é o
nome do sindicato, do morto, do sindicalista, do militante social. A notícia já
está redigida, sempre dentro daquilo que interessa ao patrão ou ao sistema.
Mas, isso não significa que temos de apontar o dedo “culpando”
o jornalista. Ele ou ela, em si, estão premidos pela dura realidade de ter de
vender sua força de trabalho. No geral, são obrigados a fazer isso até para
sobreviver num espaço de multifunção e de superexploração do trabalho. Claro,
podemos discutir que esse jornalista têm opções. Ele pode resistir, pode lutar,
pode denunciar, pode se recusar, pode pedir demissão. Tudo isso é fato. Mas, os
tempos são difíceis, há filhos para criar, garantir a comida para por na mesa.
Todas essas variáveis devem ser pensadas. Mas, nenhuma delas
impede o pensamento crítico sobre esse tipo de jornalismo. Ainda que se tenha
de praticá-lo, deve-se pensar sobre isso e sobre formas de transcender. Há que
matar esse jornalismo XXX, mas numa morte que não seja fruto de um assassinato
individual, tem de ser uma derrubada coletiva e classista.
Sim, porque o jornalista também tem classe. Existem aqueles
que nascem na classe dominante e a partir dessa sua posição praticam o
jornalismo, buscando sustentar os privilégios de sua classe. Existem aqueles
que vêm das camadas populares, mas assumem a posição da classe dominante,
achando que por estarem trabalhando em uma grande meio ou ganhando um salário
alto, já pertencem ao “clubinho”. Não pertencem. Bastam que envelheçam ou
percam a mão e estão jogados fora, sem dó nem piedade. Existem os que nascem na
classe dominante, mas na caminhada vão descobrindo os caminhos da injustiça, da
miséria, da destruição que o sistema impõe e mudam sua postura, defendendo os
interesses dos trabalhadores e dos oprimidos. E há uma grande parte, quiçá a
maioria, que é filha da classe trabalhadora, que pode até ser da classe média,
mas vai ter de vender sua força de trabalho por todo o sempre. Nunca será dona
de jornal. Nunca será capitalista.
Então é esse debate que precisa ser travado na vida e na
faculdade. Saber que vivemos numa sociedade de classe e que uma é dominante,
impondo assim suas ideias e suas práticas. No jornal a luta de classes está
explícita. No jornal, na TV, no rádio, na internet. E esse é o campo de batalha
do jornalista. Há que se posicionar, saber quem se é. O jornalismo XXX é o que
representa justamente a classe dominante, feito para alienar, desinformar,
estabelecer um consenso sobre a realidade, cuja verdade não aparece no jornal.
A realidade do jorna, da notícia XXX é inventada, conforme os interesses de
quem domina.
Então, companheirada. A notícia XXX não estava ali por
acaso. Ela é o cotidiano. Há que acabar com ela. E essa é uma luta que
extrapola o próprio espaço do jornalismo. Ela avança para o mundo da política,
a grande política, na disputa por um modo de produção, um modo de organizar a
vida.
Um novo jornalismo virá, fatalmente, quando conquistarmos e construirmos
a nova sociedade. À luta, pois!