Na tarde calorenta do verão florianopolitano, em meio ao frisson
das compras de natal, um grupo de pessoas se destacava na multidão. Vestidas de
preto, carregavam cartazes, rememorando o drama vivido pelo reitor da UFSC,
Luiz Carlos Cancellier. Em setembro ele foi preso, humilhado e exposto a
execração pública. Acusado de obstruir a Justiça num caso de investigação de desvio
recursos num projeto específico dentro do Curso de Administração, ele foi
proibido de dar aulas, entrar na UFSC e até de se comunicar com os colegas de
universidade. Premido pela dor de ver seu nome jogado na lama, ele se matou um
mês depois da prisão.
O grupo que se manifestava foi criado em função desse drama,
em protesto contra a forma como tudo aconteceu. Ninguém é contra investigar
possíveis crimes, mas todos são unânimes em denunciar o abuso que foi a prisão
não apenas do reitor, mas de todos os envolvidos. Na Justiça brasileira a
presunção é sempre de inocência, até que se prove o contrário. Não foi o que
passou. Presos, os professores foram levados para o presídio na ala de
segurança máxima. Foram despidos, revistados intimamente e acorrentados como
perigosos facínoras.
Não bastasse a invasão à UFSC, a Polícia Federal em nível
nacional também passou a invadir outras universidades, sob alegação de
investigação de desvios. Até aí, nada contra. Se há crime, há que se
investigar. Mas, a motivação parece não ser apenas essa. Em Minas Gerais, o
reitor e outros professores foram levados coercitivamente por conta de uma obra
que celebrava a anistia, coisa marcadamente política. Vai daí que o que aparece
por trás do fenômeno parece ser a exposição da universidade pública como um “covil
de ladrões”, coisa que vem bem a calhar quando o governo quer impor o
receituário do banco Mundial, que propõe privatizar as universidades. Há algo
nebuloso aí.
Esse debate foi levado nessa quinta-feira para a rua. Com os
cartazes expondo o abuso do judiciário e a cumplicidade da mídia, o grupo “Floripa
contra o Estado de exceção” constituiu uma rugosidade no centro da cidade, turvando a
alegria do consumo. As pessoas que passavam reagiam da mais variadas maneiras.
Um senhor, exaltado, apontava para o cartaz com a figura dos algozes do reitor
e dizia: “Esses são meus heróis. Quem não deve, não teme”, jogando para a
vítima a culpa já incitada pela mídia. Outros paravam, curiosos, lendo os
cartazes e as grandes faixas colocadas no chão. Poucos paravam para
conversar. Os que o faziam realmente
queriam saber, e se solidarizavam ao se inteirar dos detalhes de tudo.
O protesto silencioso e contundente do grupo “Floripa contra o Estado de exceção” não foi a vivência de um luto pessoal. Foi a recusa veemente da lógica
de acusações sem provas, de execração pública antes de julgamentos, do método
já bem conhecido de exceção, tal qual nos tristes tempos da ditadura
civil/militar. O jeito “república de Curitiba” não é o modo paladino da
justiça. Ao contrário. É a maneira autoritária do uso da lei apenas para
aqueles que são considerados “inimigos”. E isso não pode ser permitido. A
ingênua expressão do senhor indignado: “quem não deve, não teme” não representa
a realidade. Quando os poderosos elegem um inimigo, mesmo que sejam os mais
honestos do mundo, há que temer. Por que o braço da opressão de quem tem o
controle da lei e da repressão é longo e cruel.
Por isso não dá para ficar calado. O modo “sem lei” que
ataca hoje alguém é o mesmo que pode levar amanhã até mesmo aqueles que
consideram heróis os agentes da opressão. Há que protestar contra o demando,
contra o terror e contra o abuso. É um imperativo ético. Não apenas com o que
se expressa na universidade, é fato, mas também contra o que atua sobre os
pobres, os negros, e toda a sorte de excluídos. E cada um e cada uma que
carregou seu cartaz nessa tarde de calor tem isso bem claro. Não foi só pelo
reitor. Foi por todo mundo. Foi pelas universidades públicas, foi pela Justiça de verdade.
A luta não para.