Alzheimer/Velhice

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Suicídio nunca mais



Na tarde calorenta do verão florianopolitano, em meio ao frisson das compras de natal, um grupo de pessoas se destacava na multidão. Vestidas de preto, carregavam cartazes, rememorando o drama vivido pelo reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier. Em setembro ele foi preso, humilhado e exposto a execração pública. Acusado de obstruir a Justiça num caso de investigação de desvio recursos num projeto específico dentro do Curso de Administração, ele foi proibido de dar aulas, entrar na UFSC e até de se comunicar com os colegas de universidade. Premido pela dor de ver seu nome jogado na lama, ele se matou um mês depois da prisão.

O grupo que se manifestava foi criado em função desse drama, em protesto contra a forma como tudo aconteceu. Ninguém é contra investigar possíveis crimes, mas todos são unânimes em denunciar o abuso que foi a prisão não apenas do reitor, mas de todos os envolvidos. Na Justiça brasileira a presunção é sempre de inocência, até que se prove o contrário. Não foi o que passou. Presos, os professores foram levados para o presídio na ala de segurança máxima. Foram despidos, revistados intimamente e acorrentados como perigosos facínoras.

Não bastasse a invasão à UFSC, a Polícia Federal em nível nacional também passou a invadir outras universidades, sob alegação de investigação de desvios. Até aí, nada contra. Se há crime, há que se investigar. Mas, a motivação parece não ser apenas essa. Em Minas Gerais, o reitor e outros professores foram levados coercitivamente por conta de uma obra que celebrava a anistia, coisa marcadamente política. Vai daí que o que aparece por trás do fenômeno parece ser a exposição da universidade pública como um “covil de ladrões”, coisa que vem bem a calhar quando o governo quer impor o receituário do banco Mundial, que propõe privatizar as universidades. Há algo nebuloso aí.

Esse debate foi levado nessa quinta-feira para a rua. Com os cartazes expondo o abuso do judiciário e a cumplicidade da mídia, o grupo “Floripa contra o Estado de exceção” constituiu uma rugosidade no centro da cidade, turvando a alegria do consumo. As pessoas que passavam reagiam da mais variadas maneiras. Um senhor, exaltado, apontava para o cartaz com a figura dos algozes do reitor e dizia: “Esses são meus heróis. Quem não deve, não teme”, jogando para a vítima a culpa já incitada pela mídia. Outros paravam, curiosos, lendo os cartazes e as grandes faixas colocadas no chão. Poucos paravam para conversar.  Os que o faziam realmente queriam saber, e se solidarizavam ao se inteirar dos detalhes de tudo.

O protesto silencioso e contundente do grupo “Floripa contra o Estado de exceção” não foi a vivência de um luto pessoal. Foi a recusa veemente da lógica de acusações sem provas, de execração pública antes de julgamentos, do método já bem conhecido de exceção, tal qual nos tristes tempos da ditadura civil/militar. O jeito “república de Curitiba” não é o modo paladino da justiça. Ao contrário. É a maneira autoritária do uso da lei apenas para aqueles que são considerados “inimigos”. E isso não pode ser permitido. A ingênua expressão do senhor indignado: “quem não deve, não teme” não representa a realidade. Quando os poderosos elegem um inimigo, mesmo que sejam os mais honestos do mundo, há que temer. Por que o braço da opressão de quem tem o controle da lei e da repressão é longo e cruel.

Por isso não dá para ficar calado. O modo “sem lei” que ataca hoje alguém é o mesmo que pode levar amanhã até mesmo aqueles que consideram heróis os agentes da opressão. Há que protestar contra o demando, contra o terror e contra o abuso. É um imperativo ético. Não apenas com o que se expressa na universidade, é fato, mas também contra o que atua sobre os pobres, os negros, e toda a sorte de excluídos. E cada um e cada uma que carregou seu cartaz nessa tarde de calor tem isso bem claro. Não foi só pelo reitor. Foi por todo mundo. Foi pelas universidades públicas, foi pela Justiça de verdade. 

A luta não para. 


terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Os TAEs da UFSC e o ponto eletrônico



O fórum dos diretores de Centro da UFSC discutiu nessa terça-feira, a implantação, ainda essa semana, do ponto eletrônico para os trabalhadores técnico-administrativos.  Mas, antes de falar da reunião em si, cabe ressaltar dois pontos.

O primeiro deles é que o tema chegou onde está porque a administração Roselane/Lúcia recusou-se a exercer sua autonomia e o direito de negociar. Quando o tema da indicação do Ministério Público para implantação do ponto unicamente para os TAEs veio à baila, os trabalhadores não foram chamados a discutir. Foi necessário todo o kit básico de movimentação para nos  fazer ouvir. Banda Parei, ocupação de reunião, confronto. Por conta disso, numa reunião chamada secretamente, e logo em seguida ocupada pelo TAEs, foi sugerido que as reitoras chamassem o Ministério Público, os juízes, enfim, todos os que indicavam ponto para discutir o caráter diferenciado da universidade. Não somos uma fábrica de pregos, ou de sardinha. O trabalho dos TAEs envolve várias profissões e especificidades. Além do mais, já havia uma proposta concreta de controle social. Ou seja, ninguém é contra discutir a assiduidade e pontualidade, apenas temos uma proposta diferente. O fato é que as reitoras não o fizeram.  Aceitaram a denúncia, aceitaram a indicação e aceitaram a intervenção da justiça.

O segundo ponto é que no que diz respeito ao judiciário, mesmo que a ação contra a UFSC  - segundo a reitoria – já tenha transitado e julgado, sempre há a possibilidade de um acordo, principalmente se tratando de um tema como esse que não envolve improbidade, desvio ou coisa parecida. É apenas uma proposta de controle que frequência, que o Ministério Público e o Judiciário querem impor como ponto eletrônico, e que os trabalhadores querem discutir apresentando outra proposta, igualmente de controle de frequência, só que no caso: social. Feita pelos próprios usuários.

Assim, que a recusa das reitoras em usar da soberania do cargo para discutir de igual para igual com o MP e Judiciário levou a tramitação da ação. Com a chegada do novo reitor Luiz Carlos Cancellier, o processo seguiu, sem que a nova administração também procurasse o MP e o Judiciário para discutir e apresentar uma proposta diferente. O reitor acreditava que podia adiar a coisa, mas sem uma ação mais forte seja no campo da negociação, e muito menos no campo da lei. Então, agora, a imposição do ponto se apresenta como inexorável: é uma determinação judicial e nem o reitor, nem a pró-reitora de gestão de pessoas estão dispostos a arriscar seu pescoço, conforme foi dito de maneira muito clara na reunião.

Agora, aos fatos atuais.

A reunião com os diretores foi chamada para informar da implantação do ponto em três setores da UFSC. Coisa dada. Segundo o setor de gestão de pessoas, para cumprir com a ordem judicial, cujo prazo para isso se extingue em 31 de dezembro. Os TAEs, sabendo da reunião, pediram para participar. Mais uma vez, as decisões sobre os trabalhadores estavam sendo tomada à revelia, como se essa massa de mais de quatro mil pessoas que mantém a universidade funcionando e dá a ela um elevado padrão de qualidade, não fosse qualificada para falar de si mesma, de formular propostas ou de debater sobre o tema.

Mais uma vez a coisa foi na pressão. A diferença é que não houve confronto. Na paz, foi acertada a participação. Lá dentro, mais uma vez a pró-reitora Carla Búrigo expôs o tema como fato consumado. E abriu-se, enfim, a palavra aos técnicos.

O que se seguiu foi um momento de rara beleza na UFSC. Os trabalhadores expuseram suas ideias, razões e propostas. Historicizaram o tema, lembraram do sistemático desrespeito que sofrem no debate sobre a organização do trabalho, apresentaram alternativas. Foram muitas falas, muitas mesmo. Cada um e cada uma, a seu jeito, explicando como as coisas são, como funciona a universidade, como se organiza o trabalho e como é possível um controle de frequência social, no qual os horários são estabelecidos e é o usuário que fiscaliza. Isso faz com que muitos professores e gestores percam a velha moeda de troca com a qual sempre jogaram, na relação com os trabalhadores. Um avanço significativo, portanto. Foi lembrado que se há trabalhadores “vagabundos”, isso não é a regra. Os espertinhos existem em todos os lugares, em todas as profissões. Mas, com um controle social, eles não criam.

Os trabalhadores mostraram que sabem muito bem o que estão dizendo e repetiram para o reitor o que já haviam dito às reitoras da gestão Girassol. “Use seu poder de reitor, use seu cargo de dirigente de uma instituição autônoma e vá discutir com o Ministério Público e com o Judiciário. Mostre a eles como a universidade é um espaço diferenciado e que tem condições de fazer o controle de frequência que lhe é mais correto”.

Ente os diretores de Centro poucas vozes se ouviram. O diretor do campus de Araranguá, Eugênio Simão, sugeriu que se buscassem alternativas diferenciadas. Também o diretor do campus de Blumenau, João Luiz Martins, talvez um dos poucos ali que realmente escutou os TAEs, se manifestou. Ele se mostrou favorável à proposta dos TAEs, compreendeu os argumentos, falou de sua experiência em Blumenau. Da sede Florianópolis, apenas o diretor do CSE, Irineu de Souza, apoiou os TAEs, se colocando contra o ponto eletrônico e também apontando a necessidade de o reitor buscar diálogo com os órgãos externos, que não conhecem a UFSC. E foi isso. Mais ninguém.

De volta para a mesa, tanto o reitor como a pró-reitora ressaltaram que não iriam descumprir uma ordem judicial, e que fora o reitor Luiz Cancellier quem dera a ordem de compra dos equipamentos, portanto ele mesmo também cumpriria a determinação. De novo a argumentação de que não havia saída. Insistiram na implantação apenas para testes. TAEs não aceitaram. 

Novas falas dos TAEs levaram a administração a aceitar, então, pensar conjuntamente uma alternativa para o cumprimento da medida judicial. Foi marcada uma reunião para a manhã dessa quarta-feira entre a comissão que já havia sido eleita em assembleia dos TAEs e a administração. A intenção é apresentar uma proposta na assembleia que acontece na mesma manhã, a partir das nove horas. Nesse momento a diretora do CFH, Miriam Hartung,  sugeriu que a saída encontrada não fosse um “jeitinho”, capaz apenas de desviar da decisão do judiciário, mas que contemplasse uma proposta mais abrangente de discussão e debate amplo sobre o tema, e que levasse a um efetivo controle de frequência, porque problemas há, o que foi prontamente aceito pelos TAEs. Afinal, ninguém é contra o controle, apenas contra a forma como pretende ser feito, via máquina.

E assim foi. Cabe ressaltar a atitude serena do reitor Ubaldo Balthazar, coisa rara nas conduções de reuniões na UFSC. Agora resta esperar a reunião desta quarta para ver se essa serenidade se mantém, tanto na administração quanto nos técnicos.

O fato é que os TAEs têm propostas concretas e exequíveis.  

A UFSC ainda vive uma situação atípica, fruto da ação desastrada – para dizer o mínimo – da Polícia Federal. Tudo isso provocou uma morte, a do reitor Cancellier, e um afastamento médico, da vice Alacoque. Agora, a UFSC precisa se levantar outra vez, e segue sendo assediada pelos órgãos externos. É mais do que tempo de mostrar a força e a soberania da Instituição.