os trabalhadores em luta
os feitores
A sessão da Câmara de Vereadores de Florianópolis dessa
terça-feira, 24 de janeiro, durou 12
horas e foi um exemplo concreto de como agem os representantes do sistema
capitalista de produção. Nenhuma lição poderia ter sido melhor ministrada. Ao
longo de todo o processo, os vereadores que representam os interesses de grupos
bem específicos, ligados ao capital, mostraram que nada, absolutamente nada,
lhes toca, a não ser o desejo de cumprir, à risca, as ordens dos “patrões”. A
sessão retirou direitos dos trabalhadores, diminuiu salários e aprovou uma
contrarreforma na prefeitura, protegida por um forte aparato policial no qual a
guarda municipal foi a protagonista. Truculenta, feroz e incapaz de perceber
que seu próprio destino estava sendo selado na votação. Os trabalhadores em
luta foram atacados e não conseguiram, nas negociações com os vereadores,
avançar em sequer um voto, mostrando que a tática de tentar ganhar no tapete da
institucionalidade definitivamente não funciona. Não num contexto de luta de
classe, no qual a classe dominante tem as regalias, os espaços físicos e a
repressão a seu favor. Assim, ao final
de um dia inteiro regado a bombas, gás e paulada, os trabalhadores foram
derrotados.
O dia começou bonito em Florianópolis. Céu claro, sol forte.
E às sete horas da manhã os trabalhadores já estavam firmes em frente à Câmara,
esperando a votação que definiria o destino de seus salários e do serviço
público como um todo. Na mesa, a proposta do prefeito de mexer no plano de
carreira, cargos e salários, retirando direitos e diminuindo os salários em
mais de 40% com a retirada de gratificações que foram dadas em gestões anteriores,
por conta de negociações salariais. A prefeitura dava gratificações para não aumentar
o salário real e os trabalhadores aceitavam porque precisavam recompor seus
soldos. O resultado não poderia ser outro: ao primeiro sinal de problemas
financeiros na administração, o corte das gratificações apareceu como a
solução.
O prefeito Gean Loureiro iniciou seu mandato em primeiro de
janeiro e já na primeira semana anunciava que a cidade estava quebrada. Um
rombo que variava de 900 mil a um bilhão. Número que foi mudando sem que a administração
apresentasse qualquer balancete para os vereadores ou para os munícipes. Ao
mesmo tempo, o vereador Lino Peres divulgou a lista dos devedores da cidade: grandes
empresas e figurões. O valor chegando a um bilhão e 500 mil reais. Apesar
disso, o prefeito seguiu insistindo em cortar as gratificações dos
trabalhadores que não deve chegar nem a 10% do valor devido pelos grandalhões.
Fazendo-se de surdo o prefeito enviou à Câmara de Vereadores,
em pleno janeiro, período de recesso, um pacote de 38 projetos, no qual estava
um que mexia no plano de carreira e de salários dos trabalhadores. Uma boa
jogada de marquetim, pois, assim, acirrava várias lutas, botava alguns bodes na
sala e ao final poderia se limitar apenas a tirar direitos dos trabalhadores.
Batata! Foi o que aconteceu. Como o pacote trazia propostas de alteração do
Plano Diretor, mexia com os taxistas, tratava de questões financeiras e outros
quetais, houve várias gritarias segmentadas. E, ao final, alguns dos projetos
foram retirados, ou por força da Justiça ou por pressão dos grupos. Restaram os
que mexiam com a vida dos trabalhadores públicos e com o serviço que é prestado
à população. Tudo bem afinadinho com a lógica de desmonte do serviço público,
abrindo espaço para a privatização. O mesmo velho golpe de sempre. Onde o
estado abre espaço, os abutres assentam.
E foi assim que se chegou ao dia de ontem. Câmara inteira, 23 vereadores. O veredito já estava dado. Os trabalhadores
pagariam a conta e bastava contar as “garrafinhas” para saber que se a votação
acontecesse, a derrota era certa. Pelo menos 14 votos eram seguros, o que já
garantiam a vitória do prefeito. Mesmo assim os trabalhadores deram uma dura
batalha, visitando cada vereador, explicando a situação, mostrando que a
economia com suas gratificações não salvaria o município. Enquanto isso, o
prefeito não apresentava qualquer dado que justificasse o corte.
Mas, no mundo do capital não há espaço para compaixão. Para os
vereadores alinhados ao prefeito, não importava para nada que 11 mil
trabalhadores tivessem seus salários reduzidos, que suas famílias fossem destroçadas,
que não pudessem mais saldar suas dívidas. Nenhum sentimento. Tudo ficou
bastante explícito na votação. Durante 12 horas votaram repetidas vezes, com
voz firme, sem qualquer temor. Mesmo a única mulher no plenário, conhecida por
seu trabalho amoroso com os animais, deixou tocar seu coração. Repetidas vezes
votou contra os trabalhadores, aniquilando a vida de humanos.
Era impactante observar que a cada emenda votada apenas os
vereadores de oposição, variando entre seis e nove, faziam uso da palavra,
mostrando dados, argumentando, apelando para deus, para a compaixão, para tudo.
E os 14 vereadores do prefeito seguiam impávidos, sem dizer palavra. Nenhum, absolutamente
nenhum, teve coragem de usar a palavra para defender o projeto de desmonte do
serviço público. Insensíveis e impenetráveis, ouviam, expressando no rosto, em
caretas, a incomodação que lhes causavam os vereadores de oposição e os gritos
dos trabalhadores nas galerias.
Nem mesmo a batalha campal provocada pela Guarda Municipal e
Polícia Militar do lado de fora da Câmara, contra os trabalhadores, comoveu o
grupo. No segundo ataque da guarda, o vereador Marquito pediu, em quase
desespero que a sessão fosse suspensa por conta do que acontecia lá fora, o
presidente Guilherme Pereira, fazendo cara de mofa, redarguiu: “é lá fora, não
aqui dentro. Precisamos deliberar”. E seguiu o rolo compressor.
Todas as ilegalidades foram cometidas, regimento foi
quebrado, aprovou-se que o presidente poderia votar duas vezes, Não havia
dados, relatórios não foram distribuídos aos vereadores da oposição, um
festival de irregularidades. Por três vezes os trabalhadores na rua tentaram
impedir a votação, foram reprimidos violentamente.
Já ia longe a noite quando foi votada a mensagem 2, que
tratava globalmente dos trabalhadores e do serviço público. Por motivos
pessoais, alguns vereadores que estiveram votando em todas as emendas junto com
a base do prefeito, mudaram sua posição e garantiram 11 votos contra a
proposta. Ainda assim, o bloco governista ficou com 12 votos e foi tudo
aprovado. Estava selado o destino dos trabalhadores e da cidade, pois
certamente essa decisão afetará a qualidade dos serviços e abrirá a porta para
a privatização.
Karl Marx mostra no livro 1 do Capital, exatamente no
capítulo 24, que trata da acumulação primitiva, como os “legisladores” ingleses,
no início do capitalismo, atuaram de maneira sanguinária e impiedosa contra os
trabalhadores, ao criarem as leis que expropriavam terras dos pequenos
proprietários e outras que rebaixavam salários dos trabalhadores urbanos. A
leitura desse singelo capítulo reflete de maneira tremendamente atual o que foi
vivido nessa terça, na Câmara de Vereadores de Florianópolis. Diz Marx: “a
burguesia nascente empregava a força do Estado para `regular´ os salários, isto
é, comprimindo-o dentro dos limites da produção da mais-valia, para prolongar a
jornada de trabalho e para manter o trabalhador num grau adequado de
dependência”. Ou seja, é da natureza do
capital espoliar os trabalhadores, garantindo que eles sempre permaneçam no
limite da sua capacidade de reprodução da vida. É o que os mantém eternamente
reféns do sistema. Como eles nada têm além dos seus corpos e a força de
trabalho, são colocados diante do dilema: ou aceita assim, ou morre.
Essa foi a opção do prefeito Gean Loureiro aos trabalhadores,
seus colegas, que atuarão com ele na máquina pública. Nos primeiros dias de
comando ele estalou o chicote, rebaixou os salários e ainda vai exigir o máximo
de cada um e cada uma. E caso esse máximo não seja dado, esses trabalhadores
serão execrados junto à opinião pública. Para isso existem os meios de
comunicação comercial, braço armado do sistema. Ou aceitam, ou morrem. Isso numa
cidade na qual 10% da população é composta por servidores públicos.
Se fossemos usar de argumentos morais poderíamos dizer que o
que aconteceu ontem foi uma vergonha, uma tragédia, um absurdo, uma tristeza.
Mas, não. O que aconteceu ontem é o que acontece cotidianamente com os
trabalhadores, sem pompa ou alarde. Isso faz parte da natureza do capitalismo. Para
que os ricos existam, e usem do dinheiro público, e não paguem suas dívidas, e
vivam nababescamente, é necessário que uma legião de pessoas produza a riqueza,
pague os impostos e as dívidas. Entre os de cima não há espaço para sentimentos
ou compaixão.
Assim, resta aos trabalhadores a luta. E ela vai acontecer. Talvez
os terríveis momentos vividos ontem os façam compreender que não existe negociação
possível com o capital. E os desdobramentos da votação, que se farão sentir em
toda a cidade, também deverão provocar novas ondas de lutas daqueles que ontem,
deixaram praticamente sozinhos os trabalhadores públicos, como se aquela luta
não fosse de todos os que vivem nesse pequeno pedacinho de terra.
Defenderam os trabalhadores
Lino Peres - PT
Afrânio Bopré - PSOL
Renato da Farmácia - PSOL
Marquito - PSOL
Marcelo da Intendência - PP
Pedrão – PP
Gabrielzinho – PSB
Dalmo Menezes – PSD
Maikon Costa - PSDB
Erádio Gonçalves – PSD
Lela - PDT
Defenderam o capital:
Katumi – PSD
Gui Pereira – PR
Miltinho – DEM
Rafael Daux – PMDB
Dinho – PMDB
Jeferson Backer – PSDB
João da Bega - PSC
Celso Sandrini – PMDB
Fábio Braga – PTB
Claudinei Marques - PRB
Maria da Graça – PMDB
Bruno Souza - PSB