Os bufões
O domingo, dia 17, foi trágico e cômico. Trágico porque
vimos acontecer, ao vivo, em tempo real, um golpe contra a ainda frágil
democracia burguesa brasileira. Um golpe de novo modelo, não mais com canhões e
exército na rua, bem ao estilo do que já aconteceu em Honduras e no Paraguai. Com acusações pueris, sem
qualquer comprovação, e sem base legal, os deputados federais, os pouco mais
de 500 que conformam a câmara, deram prosseguimento ao processo de impedimento
da presidenta Dilma Roussef.
A votação foi risível e expôs o baixo nível daqueles que
deveriam ser - em tese - os representantes da população. Muitos dos
parlamentares pela primeira vez usavam da tribuna assim, em cadeia nacional, a
ponto de os brasileiros descobrirem, abestalhados, por exemplo, que o cantor
sertanejo, Sérgio Reis, era um deles. Nunca fora sequer citado nos noticiários
da casa. Ainda assim, essas figuras estranhas à maioria da população foram se
sucedendo no microfone votando pelo impedimento da presidenta, pelos mais
estapafúrdios motivos, menos por algum crime ou ilegalidade que a mandatária
tivesse cometido. "Pelo meu filho, pelo meu pai, pela minha mãe que está de
aniversário, por deus, para que as crianças de seis anos não mudem de sexo, em
honra de um torturador"... Foi um festival de horrores. Uma deputada
mineira, aos gritos de sim, sim, oferecia seu voto contra a corrupção ao
marido, que, no dia seguinte foi preso pela polícia federal... por corrupção!
O dia seguinte ao 17 foi de perplexidade. Estava consolidado
o golpe com mais de 360 deputados votando pelo impedimento, sem que sequer
soubessem qual era a acusação à presidenta. Foi uma gigantesca barganha
política na qual os corruptos - a começar pelo presidente da Câmara,
comprovadamente envolvido em vários escândalos - buscavam tirar do poder aquela
que dera espaço para que os crimes
começassem a ser investigados.
O Partido dos Trabalhadores perdia seus aliados e não
conseguia barrar o golpe, que tanto atingiu a democracia quanto a figura da
presidenta. Muito dessa derrota - há que se considerar - é também
responsabilidade dessas alianças feitas no passado para garantir a
governabilidade. Os ratos deixavam o
navio sem qualquer prurido e festejavam a queda. O vice-presidente, Michel
Temer, assistia a votação em casa e já lançava notas à imprensa sobre o que
iria fazer no "seu" governo. Grotesco e desleal, como já se
apresentara desde o começo da crise. Sobre ele, que também assinou as famosas
"pedaladas fiscais", as quais imputam à presidente como
irresponsabilidades, não pesa nada. Aparentemente é o potencial
"presidente" caso Dilma seja tirada do cargo.
Nas redes sociais, no segundo dia pós perplexidade, os
brasileiros começaram a criar memes com os absurdos ditos pelos deputados. E
tudo virou uma grande piada. Uma maneira de elaborar o que passara. Enquanto
isso, a mídia golpista seguia seu trabalho sujo, lançando confetes sobre Michel
Temer, como se tudo estivesse já acabado para Dilma. Mas, as coisas não são
assim. Agora, o processo está no Senado, a câmara alta, e ali também haverá uma
comissão e discussão. Ou seja, ainda vão alguns dias para que os brasileiros
saibam se Dilma sai ou fica. A considerar o resultado da votação na Câmara, é
bem possível que não haja divergência no Senado e o mesmo resultado se dê. Mas,
quem pode ter certeza? A política é movediça e o que é hoje, amanhã pode não
ser. A conjuntura muda vertiginosamente.
O Supremo Tribunal Federal que está, inclusive, com o
processo contra Cunha, se manteve quieto, deixando o circo pegar fogo. Já a
polícia federal iniciou a semana fazendo detenções de políticos envolvidos em
casos de corrupção. O que os internautas já estão chamando de "maldição da
Dilma". Votou sim, contra a corrupção sendo corrupto? Pois agora a
maldição vai te pegar! Há que ver até onde vai isso ou se é só um cardume de
peixe pequeno.
Mas a revista semanal mais propagandística da direita
brasileira foi a que conseguiu levantar a revolta entre a mulherada do país.
Saiu com uma matéria especial sobre a esposa de Michel Temer, que é 43 anos
mais nova que ele. Num matéria risível mostra como a jovem quase primeira dama
é bonita, recatada e "do lar", ressaltando valores que há muito as
mulheres já varreram de suas vidas. Um texto machista e grotesco, tentando
comparar a jovenzinha com a presidenta Dilma. Num tom bem diferente do discurso misógino dos deputados golpistas que, no plenário, no dia da votação, exibiam o cartaz escrito "tchau, querida", explicitando o quanto lhes dói ser governado por uma mulher.
Pois o burlesco texto da revista semanal foi o
que bastou para que as mulheres invadissem as redes sociais com novos memes,
ridicularizando a revista mais escrota do Brasil. É da natureza do povo brasileiro
essa mania de fazer piada com tudo, sem deixar de ser crítico. A piada é, na
verdade, o jeito de ser crítico. Foi um furor.
Enquanto isso, na vida real, as organizações populares e
sociais se articulam e buscam formas para enfrentar a nova fase do golpe, agora
no Senado. Criam-se comitês em defesa da democracia, organizam-se passeatas e
atos públicos. A vida segue pulsando. Ao mesmo tempo o governo também se
articula e joga suas cartas. Ainda há muita coisa para acontecer. É fato que
muito das movimentações agora visam defender o governo de Dilma, mas também é
fato que povo na rua sempre pode ser surpreendente. Estar organizado,
manifestar-se, manter-se caminhando é bem melhor do que a apatia, e daí muita
coisa boa pode nascer. Muito mais do que defender Dilma ou a frágil democracia
burguesa, as gentes em movimento também podem encontrar novos caminhos. A
política pulsa, a vida segue.