Houve um tempo em que Florianópolis tinha um carnaval de rua que era uma belezura. O circuito do samba pelas veredas do centro reunia multidões, com a passagem das escolas, dos blocos de sujos, das sociedades carnavalescas. Mas, com o crescimento da cidade e do próprio carnaval, as escolas de samba ganharam um sambódromo. O samba da rua foi perdendo lugar. E foi para recuperar as ruas que um grupo de amigos criou o bloco do “Berbigão do Boca” em 1992. A ideia foi juntar o molusco mais apreciado na ilha com o maior folião da cidade, o Boca, daí o nome. Desde aí, eles se reúnem na sexta-feira que antecede o início do Carnaval e botam para quebrar nas ruas do centro, arrastando milhares de pessoas. O bloco tem uma ligação visceral com as figuras do samba, da música e da arte do carnaval. Tanto que, a partir da criação do artista, folclorista e pandorgueiro Alan Cardoso, sua alegoria é feita com bonecos gigantes, representando pessoas que fizeram história na vida cultural da cidade. Não há quem não se emocione vendo os bonecos passarem, misturando alegria e saudade. Dia desses, na inauguração do mercado lá estava o Berbigão, com suas marchinhas e seus bonecos. Franklin Cascaes, Nega Tide, Lagartixa, Luiz Henrique Rosa, Nego Tuca, Aldírio Simões e até o seu Mendes, querido maestro que ensinou no rancho de canoa do seu Getúlio, lá no Campeche. Os bonecos passam e a gente se veste de riso e festa, acompanhando a cadência. Mas, em meio ao balançar dos gigantes, uma cena encheu meu coração de profunda emoção. Frenético, como sempre, ao primeiro som do samba, lá estava o seu Lidinho, pequenino e malemolente, bailando com os bonecos. Não pude deixar de pensar que um dia, ele mesmo, vai ser um daqueles. Rezo à deusa que demore... que demore! “É festa pra rachar É uma coisa louca Vamos botar pra quebra No Berbigão do Boca”
Uma história de amor pela UFSC Irineu nasceu na pequena localidade de Santa Tereza, em São Pedro de Alcântara, o quarto filhos de uma lista de oito. Desde pequenino já era determinado. Quando todos saiam para a roça, junto com o pai, ele ia, mas levava o livro e, se dava uma folga, lá estava ele, agarrado às letras. Queria estudar. No primário foi dedicado, e quando chegou a hora de ir para o ginásio, o sonho se desfez. Não havia escola em Santa Tereza. Teria de ir para São Pedro, era longe, não tinha ônibus. Mas, o pequeno Irineu não iria deixar que um detalhe do destino atrapalhasse o caminho. Pediu um porco ao pai, fez uma rifa e com o dinheiro comprou uma bicicleta, com a qual realizava a longa e exaustiva travessia da sua casa até o ginásio. Foi o primeiro dos filhos a se formar. Terminado o ginásio, os olhos de Irineu voltaram-se para a capital. Haveria de fazer o segundo grau, mas ainda não sabia como. O pai ganhava a vida arando uma terrinha, trabalhando na horta da Colônia Santa Tereza e fazendo bicos de pedreiro, não tinha como sustentar o guri em Florianópolis. Mas, o acaso deu as cartas. Numa dessas festas de igreja, quando lá estava o pequenino a tocar violão, conheceu uma senhora que era dona de uma pensão na capital, bem atrás da Escola Técnica. Fizeram um acordo. Ele morava na pensão e o pai abasteceria a casa com verduras e legumes. Estava feito. Poucas semanas depois Irineu fazia o exame de admissão e entrava na Escola Técnica. Tinha 14 anos e já assumia a dura tarefa de sustentar-se a si mesmo. Durante semanas ele percorreu os escritórios da Felipe Schmidt, até que conseguiu um emprego de contínuo. Tinha 18 anos e a cabeça cheia de sonhos quando viu o anúncio do concurso para a UFSC. Era o que ia fazer. Inscreveu-se, prestou a prova e foi classificado em quinto lugar. Desde aí nasceu esse caso de amor com a Universidade Federal. Era o ano de 1974, a universidade começava a crescer e Irineu foi crescendo com ela. Já no primeiro ano assumiu a chefia da seção de matrícula e foi tomando gosto pela administração. Mais tarde passou pelo cargo de Diretor de Registro Escolar no DAE/UFSC até chegar a Diretor de Administração Escolar, cargo no qual ficou até 1996. Depois, foi assessor de Administração Acadêmica da Pró-Reitoria de Ensino de Graduação e Diretor de Recursos Humanos da UFSC de 1997 a 2004. Na área acadêmica coordenou o Curso de Especialização em Gestão Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina. Como Integrante da Comissão de Políticas de Recursos Humanos da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, aprofundou ainda mais o seu saber sobre o funcionamento da máquina universidade. Irineu também atuou de forma muito significativa na Estatuinte da UFSC e foi ali que assomou a ideia de um dia ser reitor da universidade. “Eu pude conhecer cada problema, entender cada detalhe, ver a universidade como uma totalidade. Então eu soube que poderia também ser capaz de, com a comunidade universitária, propor soluções para os problemas que tínhamos”. Naqueles dias ele já havia se formado em Administração, carreira que escolheu por ter se apaixonado pelo trabalho que realizava. “Lembro que no começo eu sonhava em ser engenheiro, mas depois que entrei para a UFSC, fui gostando do meu trabalho e Administração foi o caminho natural”. Dedicação e seriedade sempre foram as marcas de Irineu. E justamente por isso que foi eleito, com a maior votação, pelos dirigentes das Instituições Federais de Ensino para a Comissão Nacional de Recursos Humanos de todas as IFES, sendo ainda reeleito e assumindo a vice-presidência da comissão. Ninguém nunca duvidou que ele era quem mais tinha conhecimento sobre esse tema. Ao longo de sua tragetória como técnico-administrativo Irineu recebeu várias distinções honrosas, com destaque para o Prêmio Hélio Beltrão - Inovações na Gestão Pública, promovido pela Escola Nacional de Administração Pública, em 2001. O prêmio foi pela criação do Programa de Pós-graduação em Gestão Universitária - PROGEU, lato sensu, dirigido aos servidores técnico-administrativos e docentes da UFSC, que formou 148 especialistas em gestão universitária. Essa ideia foi o marco inicial para criação do mestrado em administração universitária. Irineu fez uma linda carreira como técnico-administrativo da UFSC, mas aquele gurizinho que levava os livros para a roça lá em Santa Tereza ainda tinha mais sonhos na manga. Queria ser professor e também reitor da UFSC. Tratou de ir em frente. Fez concurso para docente em Administração e passou. Nem bem chegou e foi eleito para o Colegiado do Curso. Já atuando como docente publicou diversos artigos científicos, bem como colaborou com capítulos de livros em obras organizadas nas áreas de gestão universitária, gestão de pessoas, gestão pública e gestão do conhecimento. Publicou em co-autoria os seguintes livros: Gestão do conhecimento para a tomada de decisão; Prospecção de Cenários; e Processo Decisório. Tudo girando em torno da administração da universidade. Esse é seu chão e seu céu. O garoto mirradinho, que andava pela vila de Santa Tereza agarrado no seu violão, cresceu e hoje é Doutor em Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina. Disputou uma bonita eleição para a reitoria da UFSC, na qual conquistou expressiva votação junto aos técnicos-administrativos. Pois esse ano ele completou 60 anos de uma vida cheia de surpreendentes desafios, todos superados com a perseverança típica da família. Irineu está pronto para mais uma batalha, na disputa pela reitoria da UFSC. Dos nomes que se apresentam ele é, sem dúvida, o mais preparado, o cara necessário para atravessar a tormenta que vive a UFSC. Competente, humano, observador, seguro, simples, Irineu é meu candidato. Ele acompanha a vida da UFSC, ele está nas lutas, ele defende o HU, ele tem amor pela UFSC, ele está pronto para assumir os destinos da universidade. Eu o felicito por essa bela trajetória de vida e deposito nele minha confiança.
O Mercado Público sempre foi o coração da cidade. Por entre seus espaços a vida ilhoa emergia. Nasceu para o peixe, de frente para o mar. Depois, com os aterros, ficou ancorado no centro, vibrando de vida popular. As lojinhas de calçados, as panelas, as ervas-mate, as camisetas de cinco reais, a padaria, o artesanato, os bares "sujinhos" que reuniam os pobres, os sujos e os malvados, com uma boa pinga e a gelada barata. Pelo vão central corria o samba, feito pela gurizada local, e o sábado de manhã era pura festa. Conviviam os espaços mais refinados, como o Box 32 e os botecos da plebe. A divisão de classe demarcada, mas o espaço do mercado era compartilhado, aparentemente sem conflito. Então, chegou o prefeito César Souza e o mercado fechou. A promessa era de uma reforma. Um novo projeto que tornasse o prédio mais seguro e reparasse algumas injustiças. Segundo diziam, havia gente ali que nem pagava aluguel, ou se pagava, era um valor irrisório e isso não podia ser assim. O espaço nobre era uma galinha de ovos de ouro e tinha de dar lucro para a municipalidade. Aí, foi feita uma licitação e muitos dos antigos comerciantes perderam seus espaços, afinal, como bem concerne a cultura ilhoa, eram negócios familiares, sem pretensões de globalização. Impossível esquecer a tristeza das senhoras da loja de panelas, que ali estavam há gerações. Ou o seu Alvim, com mais de meio século na porta leste. Não foi levado em conta a historicidade, a tradição, o costume. O mercado precisava se modernizar. Foi muito triste acompanhar o fechamento das portas, a despedida, o levantamento dos tapumes. Todos sabíamos que o mercado que voltaria não seria mais o mesmo. Até porque, quem ganhou a licitação foram "marcas" que certamente não teriam nada de característico da cultura local. Quando a ala oeste abriu já vieram os primeiros baques. Sorveteria italiana, com a bola de sorvete custando seis reais. E na ponta principal um "Bobs", marca transnacional que vende hambúrguer e coca-cola. Um restaurante chique, de comidas caras, cervejarias, bistrôs. Nenhum boteco, nenhum espaço acessível ao bolso das gentes. O mercado gourmetizou. Já não precisava ser muito esperto para saber que a ala faltante não seria diferente. A obra seguiu seu curso, os milhões chegaram via PAC, o Plano de Aceleração do Crescimento, da Dilma. Mas, apesar dos recursos em profusão, a coisa andava devagar. A previsão era de tudo estar pronto em 19 de julho de 2014. Não ficou. Precisou passar mais um ano. Na propaganda da prefeitura a explicação foi de que o mercado era muito antigo e precisava fazer tudo bem devagarzinho, para não dar erro. Mas, ao fim e ao cabo, o que era para custar cinco milhões, custou 10. O dobro. Então, nesse dia cinco de agosto, a ala leste ficou pronta. Era o lugar onde antes ficavam as peixarias e, segundo o prefeito, demorou a terminar por conta de obras de segurança. Enfim, sabe-se lá. O fato é que a cidade esperava com ansiedade pelo fim dos feios tapumes e pela volta do resplandecente mercado. A cerimônia de reabertura estava marcada para as 11 horas. Eu cheguei antes. Queria ver tudo sem as gentes. E lá estava o mercado, com seu amarelinho queimado, as portas verdes, novinho em folha. O coração até deu aquele pulinho, de puro amor, de alegria extrema. O mercado sempre foi o centro dessa alma ilhoa, da cultura mané. Muitas pessoas fizeram como eu, chegaram antes, para olhar com vagar, deliciando-se com a paisagem sem tapumes ou entulhos. Quem ama a cidade sabe bem o que aquele lugar representa. "Ficou muito lindo", dizia um. "Valeu a pena esperar", dizia outro, encantado com o cuidadoso acabamento. No vão central, onde antes se misturavam as cadeiras de plástico, brancas e amarelas, com guarda-sóis multicores, agora estavam mesas uniformizadas, marrons, com os guarda-sóis da mesma cor. E as cadeiras também, todas homogêneas, iguaiszinhas, com uma acintosa marca da coca-cola. Poderia ser uma praça de alimentação de um xópin qualquer. Bonito, mas sem alma. As peixarias, todas muito limpinhas, de azulejos brancos, luzindo ao luminoso sol da manhã. Os peixes fresquinhos, como sempre estiveram e os vendedores com seus costumeiros chamados de clientes. Os boxes frigoríficos tiveram seu número aumentado. Isso achei legal. Mais a frente, o espaço do Box 32, que sempre foi um lugar mais requintado. Agora, ficou ainda mais chique. Bancos vermelhos, estilosos, balcão mega-moderno. Um típico lugar para turistas ricos, desses que existem nas grandes cidades do mundo e que dão familiaridade. Pode-se estar no Egito, na Grécia, na China ou em Florianópolis e a impressão é de que se está em casa, considerando que a casa é lugar de conforto e luxo. Alguns boxes ainda permaneciam fechados, mas dava para entrever que seriam também todos no mesmo naipe. Espaços mais requintados, com preços salgados. Cerveja de marca, long neck ou latinha, preços nas alturas. "Antes os preços eram baixos porque os caras não pagavam aluguel, agora esses pagam e tem de tirar o lucro. É claro que tem de cobrar caro", justificava um jovem bem vestido, agarrado a uma Heineken. Não vi a cerimônia de reabertura, nem ouvi os discursos das autoridades. Por certo seriam odes a si mesmos. Preferi passear pelos boxes, mirando as gentes. O mercado estava cheio de gente bonita, bem vestida e disposta a gastar uns cobres. Num instante toda a área central se encheu e foi a festa da praça da alimentação. Mais a frente um palco estava montado para as apresentações culturais e, fora do espaço do mercado, do lado da Praça dos Bilros, estavam os mais pobres. Ali, reuniram-se os negros, os mendigos, os trabalhadores, os desassistidos. E por toda a beira do chafariz abundavam os vendedores ambulantes com seus isopores cheios de cerveja gelada a quatro reais. Churrasquinho, pipoca, algodão doce, caldo de cana. A festa dividia bem as classes, embora todo mundo parecesse se divertir. Para quem não tem acesso à cultura a não ser assim, quando ela se oferece de graça, a coisa toda estava muito legal. Havia anos que não via a região do mercado tão cheia. E, lá de longe, as gurias olhavam o mercado e diziam com os olhos brilhantes: Tá bonito. A festança se estendeu até tarde da noite. Eu saí lá pelas seis da tarde, depois de me deliciar com a Escola Livre de Música, acompanhando o chorinho do Geraldo Vargas, com a alegria do Boi de Mamão, o Nilera e suas música de mar, os bonecos do Berbigão do Boca. A festa foi bonita mesmo e encheu de alegria as gentes. O mercado estava vivo outra vez. Agora é esperar para ver a vida real, cotidiana. E observar como se comporta o lugar na relação com o povo local, a gente comum. Os peixes seguem com seus preços baixos, mas os demais espaços parecem inacessíveis para muitos de nós. O ar de xópin é concreto e não consegui ver nada que tivesse muito a ver com a nossa cultura gastronômica e cultural. Há um espaço para o trabalho das rendeiras, mas também achei que ficou meio sem alma. Existe ainda um projeto, que está em andamento, de fechar o vão central, o que pode tornar a coisa muito ruim, ainda mais xopinizada. Imagino que estejam pensado até em colocar ar-condicionado. Pessoas há que gostam disso, mas a mim parece uma perda completa da aura, da beleza. O mercado, que nasceu peixeiro e depois abrigou um entorno popular, agora parece que se descola da essência ilhoa. Está tudo muito artificial, muito homogeneizado. O mercado é um desafio. Pelos preços das coisas, a tendência é que fique um espaço para turistas e abonados. Mas, tudo pode acontecer. Quando os vestígios da festa sumirem, voltarão os capoeiras, com seu gingado, os negros do samba, os trabalhadores, os desgarrados. E aí pode ser que toda essa gente que sempre fez do mercado seu chão ocupe a área, introduza sua alma, seu jeito, sua cultura, desfazendo o ar esnobe e "global". Eu me permiti estar no mercado. Porque o mercado é meu. E eu estarei sempre por ali, ainda que tenha de comprar a cerveja com o carinha do isopor e me sentar, faceira, como hoje, nas chiques cadeiras coca-cola. Sempre é possível subverter a ordem das coisas. A cidade amanheceu feliz. O mercado estava, enfim, aberto. A vida pulsou, o riso se abriu. Agora cabe aos frequentadores habituais recuperarem o mercado. Não vai ser fácil, porque as pessoas tendem a se acomodar com as coisas que pensam não poder mudar. Mas, quem sabe?
Tá, refrigerante tem muito açúcar e tal, e faz mal à saúde. Mas, como dizem os gregos, na justa medida, tudo é permitido. Quem, vivendo em Santa Catarina não já tomou um Guaraná Pureza? O melhor que há, desde 1905, genuinamente local, receita da família Sell. Pois eu fui até a mítica fábrica da Pureza em Rancho Queimado e registrei o momento histórico. Menos de uma hora de Floripa e ali está a delícia.
O jornalista Milton Temer escreveu há poucos dias um texto no qual questiona a greve nas universidades, alegando que já é hora de os trabalhadores dos serviços públicos em geral pensarem em outras formas de se manifestar e reivindicar seus direitos, que não venham ferir a cidadania. Reforça ainda que as greves no serviço público servem mais é para dar “férias” aos trabalhadores e colocar a sociedade contra eles. Ruminei algum tempo sobre isso e me permitirei fazer alguns apontamentos sobre a sua indignação diante da tal “greve por tempo indeterminado”, que o colega insiste em ser algo absolutamente anacrônico e anti-sociedade. Um primeiro ponto a ser considerado é entender que o serviço público não tem data-base. Uma coisa tão prosaica que qualquer outro trabalhador da esfera privada tem. Ou seja. Quando chega maio, ou outro mês acordado pelas categorias, o patrão é obrigado a discutir as perdas salariais e as possibilidades de ganho real. É lei. Mesmo que o patrão não queira, é obrigado a sentar com o sindicato e negociar. Assim, quando uma greve nasce é porque já foram esgotadas as conversas. No caso do serviço público, o governo não está obrigado a discutir as perdas dos trabalhadores em um mês específico do ano. Não há data-base. Então, os trabalhadores vão aguentando, aguentando, esperando pela boa vontade do governo em negociar. Porque qualquer reposição só virá se o governo quiser discutir. Como até hoje não tivemos um governo que se preocupasse em sentar com os trabalhadores para debater salário e condições de trabalho, todo esse parto tem de ser feio à fórceps. É um drama anual. O governo não chama para discutir, os trabalhadores se articulam, buscam negociação através de suas federações, o diálogo não vem e aí acaba sendo necessária a greve. Logo: a greve é o único recurso que o trabalhador tem para abrir diálogo com o governo. E, no mais das vezes, o governo se recusa, enrola, tergiversa, faz com que a movimentação dure dois ou três meses. Então, como é comum, diante da falta de informação e do preconceito perpetuado, os trabalhadores passam a ser os vilões da história. São eles os que atingem a “cidadania”. São eles os malvados que deixam estudantes sem aula, velhinhos sem pensão, pessoas sem médicos. O governo parece não ser responsável por nada. Reivindico que essa é uma velha estratégia governamental. Estender as greves por meses para que os trabalhadores sejam enxovalhados na praça pública como os irresponsáveis, os que não prestam atendimento. Assim, aceitar essa premissa acaba por reforçar o preconceito criado pelos governantes de que todo servidor público é um relapso e vadio. Já no aspecto da metodologia da greve, Milton Temer tem razão. Já era hora de as lideranças dos trabalhadores públicos terem bastante clareza disso. A demora das greves – provocada pelo governo – é um calcanhar de Aquiles que precisa ser atingido. Sabedores da estratégia governista em demonizar o trabalhador, era tempo de pensar em novas estratégias para que a reivindicação pudesse ser feita sem tanto prejuízo às pessoas que utilizam os serviços públicos. Mas, também é bom que o jornalista saiba que esse tema sempre foi foco de debates e discussão. As tais das “novas formas de luta” estão sempre em pauta, sem que se possa avançar. Porque, afinal, o que têm os servidores públicos para barganhar? Eles não param uma produção de salsichas, nem de sapatos, nem de carros. Coisas que geram lucros astronômicos para os patrões. Um dia de greve numa montadora é prejuízo gigantesco e os patrões logo se mobilizam para terminar o movimento, seja com violência, com punições ou negociação. Mas, a coisa é rápida. Agora, quando para um servidor público, o que é que para? O serviço à população. Coisa que historicamente sempre foi vista como prioridade zero. Nos discursos dos políticos, eles estão no topo, mas na ação cotidiana dos governantes, é zero. Então, há que se perguntar: como são os serviços públicos quando os trabalhadores estão trabalhando? Se for olhar com honestidade vai se perceber que se a “cidadania” consegue ter algum acesso aos serviços do estado, muito é por conta da dedicação dos trabalhadores que, trabalhando geralmente em condições adversas, se desdobram em mil para dar conta de uma máquina emperrada, ineficaz, desumana. Basta passar um dia num hospital público, ou num posto de saúde, ou numa escola de periferia, ou numa universidade sucateada para ver como é trabalhar nessas condições. Então, o trabalhador para, quando não pode mais. Quando precisa gritar por melhor qualidade no ambiente de trabalho, por carreira, por salário – essa coisa vil que não paga o valor daquilo que se produz. E o que faz o governo? Estica a greve, leva dois meses parar abrir uma mesa de conversa, na qual diz que não haverá conversa. Então passam mais meses e os trabalhadores implorando por um diálogo. É isso que é uma greve de trabalhadores públicos. Uma humilhação a mais. E no fim das contas, são ainda enxovalhados como vilões da cidadania. O jornalista fala de um exemplo no qual os médicos em greve atendem na rua. Mas não é isso que se quer. O que querem os trabalhadores públicos é um atendimento digno, humanizado, em instalações boas, eficazes. Os professores poderiam dar aulas públicas, e dão. Mas e daí? O governo valida como aula dada? Não! E o trabalho cotidiano dos técnicos-administrativos para manter a máquina pública funcionando nas suas entranhas? Como fazê-lo em tempos de luta? Ou eles são tão insignificantes que não estão na lista dos serviços a prestar? Sim, a greve no serviço público é um drama social. Sim, toca no que é mais frágil, que é quem precisa do serviço público. Prejudica, provoca sofrimento, angústia e dor. Logo, ela não deveria existir. Isso significa que a “nova forma” de luta deveria ser eleger um tipo de governo, um tipo de organização da vida, que realmente pensasse no Público, que valorizasse os trabalhadores do setor, que dialogasse com eles, que ao primeiro sinal de movimentação reivindicativa se dispusesse a negociar, impedindo a paralisação. Mas, não, o que vemos é um governo – os de todas as cores – que provoca o espichamento da greve, que se omite, que se esconde, que endurece em posições pré-definidas, que não negocia. Assim, as greves por tempo indeterminado são provocadas por essa ação governamental. Porque é o governo quem tem poder. Os trabalhadores só têm a sua força de trabalho, os seus corpos nus, como dizia o grande repórter Marcos Faerman. E é essa força, frágil, que eles colocam na rua, em luta. Claro que trabalhadores há que não participam, que ficam em casa, que são relapsos na greve e no trabalho. Mas, são a minoria. Por fim, questionar o método das greves intermináveis é legítimo, mas há que focar no alvo certo. Responsabilizar os trabalhadores é reforçar velhos e sofríveis preconceitos.