Alzheimer/Velhice

quarta-feira, 3 de junho de 2015

A conjuntura e a greve nas IFES



O espetáculo do crescimento que marcou muito o governo de Lula e o primeiro mandato da presidente Dilma acabou. O Brasil agora está num processo de estagnação e queda de produção. A inflação cresce, os alimentos ficam mais caros, o crédito fica mais caro também, impedindo o consumo e fazendo com a indústria se retraia. Nossa cara subdesenvolvida volta a aparecer por baixo da maquiagem, deixando claro que somos a periferia do sistema e que esse hiato de super-crescimento foi um episódio conjuntural.

Nesse processo de parada do crescimento, a questão da dívida pública, que estava escondida, reaparece e cobra políticas de ajuste. O governo brasileiro optou por bancar religiosamente o pagamento dos juros da dívida, que são estratosféricos, em vez de seguir investindo nos setores estratégicos para a vida nacional. 


Assim, a presidente chama um filho dileto do sistema capitalista, Joaquim Levy – que vem dos quadros do Fundo Monetário Internacional -  para gerir as finanças nacionais e a receita que ele apresenta é a receita que é boa para os credores do Brasil, não para sua gente. Levy criou então uma meta de superávit primário de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB), o que equivale a uma economia de R$ 66,3 bilhões de reais que seriam então destinados ao pagamento dos juros da dívida pública.


Como chegar a essa economia? Levy e o governo dizem que o problema é fiscal. Ou seja: está se gastando em excesso em alguma coisa e é preciso cortar. Então, cortam despesas do governo e elevam a arrecadação, seja pelo aumento de impostos ou outras receitas. Levy apontou onde poderia cortar e a presidente Dilma aceitou, aceitando a lógica da crise fiscal. Nesse sentido os maiores cortes foram feitos justamente nos setores mais importantes se pensarmos na perspectiva da população: saúde, educação e cidades. Na saúde, o corte foi de 11,77 bilhões. Na educação, 9,42 bilhões, e nas cidades 17,23 bilhões.


O que isso ocasiona? Saúde ainda mais precária, educação jogada às traças e obras nas cidades ficando para as calendas. Ora, o problema não é fiscal. É financeiro. O que significa que pode o governo cortar o que for, que não conseguirá barrar o rombo, afinal, esse rombo é causado pelo pagamento dos juros da dívida. Não tem nada a ver com gastos na máquina pública.


No caso específico das universidades, o buraco do corte já apareceu. A UFSC vivenciou uma greve de vigilantes, por não ter honrado o pagamento à empresa terceirizada e acumula dívidas dos aluguéis dos campi no interior, além de outras contas. Os prédios estão sem a devida manutenção, os jardins não existem mais e a previsão é de que seja necessário apertar ainda mais os cintos, o que na prática, significa problemas. Faltam recursos para a permanência estudantil e não há perspectivas de investimento. 


Nesse cenário, é mais do que óbvio que vai sobrar para os trabalhadores. Tanto professores como técnico-administrativos das IFES tem hoje um dos piores salários do Brasil no campo do executivo. A “elite” está concentrada nas chamadas carreiras estratégicas, ligadas à fazenda, Banco Central, jurídico, polícia federal e diplomacia. São carreiras que tem salário inicial de 13 mil reais, podendo chegar a 22 mil.


Já os professores tem um teto bem modesto, de 17 mil, enquanto um técnico de nível superior raramente passa dos nove mil, salvo exceções que são excrescências de outros tempos. Não é sem razão que dos concursados para UFSC, mais da metade que passa desiste nos primeiros meses ou sequer assume o cargo. Opta por fazer outro concurso em lugares que paguem mais.  
Espaços como o Senado Federal, por exemplo, são considerados o “céu” do servidor. Lá, um trabalhador de nível médio, sem curso superior, entrar ganhando 13 mil reais, enquanto os que têm curso superior entram com 18 mil.


Só que hora de decidir quem será o trabalhador que terá de apertar o cinto, ganhando reajuste zero, ou algo bem ínfimo, esses setores como o Legislativo federal e  o Judiciário ficam de fora. Tanto que no apagar das luzes de 2014, o Congresso aumentou os salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF); do procurador-geral da República; dos deputados e senadores; da presidente e do vice-presidente da República; e dos ministros de Estado.


O aumento dos onze ministros do STF impactou ainda mais os gastos do Estado porque ele incide também no salários dos 16.429 juízes que existem no país, bem como o aumento do procurador geral incide no salário dos 12.262 procuradores do quadro. Assim, o aumento desses poucos trabalhadores já custou aos cofres R$ 3,8 bilhões.


Como o restante dos trabalhadores e pensionistas somam 2.176.959, o governo optou por salvar a pele dos mais ricos e não aumentar o salário dos mais pobres. A mesma velha lógica liberal. Por conta disso a choradeira de que o pedido de 27, 3%, que é a reivindicação linear dos trabalhadores, é “impossível de pagar”. Ora, não é impossível. Dinheiro há. Mas ele vai para o aumento desses setores que o governo considera estratégicos e para o pagamento da dívida pública. 


O governo diz que em 2014, o Tesouro Nacional desembolsou R$ 239,4 bilhões com o pagamento de salários, aposentadorias e pensões dos ativos, inativos e pensionistas da União. E, segundo o Boletim Estatístico de Pessoal, do Ministério do Planejamento, a previsão para esse ano é de que se gaste R$ 256 bilhões. Segundo os técnicos do governo, se fosse dado o reajuste que os trabalhadores querem a folha teria que aumentar em R$ 69,9 bilhões, o que colocaria por terra a economia do Levy.


Então, a dança dos números mostra claramente a posição do governo. Porque, afinal, salário de servidor público não é gasto, é investimento. A melhoria do serviço prestado ao público passa por um trabalhador qualificado e bem remunerado. Mas, a opção é justamente achatar o salário do trabalhador que atende o público na ponta do sistema, provocando a fuga de profissionais e a depauperação do serviço.


É nesse contexto que vem a greve. Uma mobilização de quem conhece os números e conhece a realidade brasileira. Segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, dos 2, 168 trilhões do orçamento brasileiro em 2014, um total de 45,11% foi para pagamento de juros e amortizações da dívida. Ou seja, dinheiro morto, pagando uma dívida que nem sequer sabemos se é legal e legítima. 


Com a paralisação das universidades a mídia comercial já começa seu trabalho ideológico de transformar a vítima em vilão e prepara o espírito das gentes para massacrar aqueles que já estão massacrados. Mas, a despeito disso, os trabalhadores que lutam por uma universidade capaz de servir efetivamente à nação, farão sua luta. Como sempre. Mantendo a universidade pública, exigindo recursos para que ela possa criar conhecimento e batalhando por um salário digno. 


segunda-feira, 1 de junho de 2015

Liberdade de expressão: para quem?

Debate realizado pelo Núcleo de História da América Latina - NEHAL - com a participação dos jornalistas Matheus Lobo Pismel, Elaine Tavares e Celso Schroder.


domingo, 31 de maio de 2015

Por que se demoram as greves da educação?



A semana que chega apresenta mais uma greve na educação. Em Florianópolis, estão parados os trabalhadores municipais - incluindo professores - os professores estaduais e, agora, o técnico-administrativos em educação da UFSC.  E, no geral, essas greves que envolvem trabalhadores da educação demoram demais. Algumas chegam a durar três meses. Nesse meio tempo não há aulas e se acontecem, são precárias. A pergunta então que não quer calar é justamente essa: por que são tão longas essas greves?

A resposta parece simples. Os governos estão se lixando para a educação.  Observem que quando há alguma paralisação no setor produtivo - fábricas, empresas etc... - ou em algum setor público mais visível - como é o caso dos garis, as negociações são rápidas. Para um empresário, uma fábrica parada implica em milhões de prejuízo, ou o lixo acumulado nas  ruas repercute mal e de maneira muito acelerada para um governante. Então, eles são céleres na resolução dos problemas. 

Mas, uma greve na educação provoca o quê? Que tipo de dano? Aparentemente, nenhum. No caso da educação municipal, há um certo desconforto para os pais que precisam encontrar outro lugar para deixar os filhos. Mas é só. Três meses sem aula, ao que parece, não prejudica ninguém. Nas primeiras semanas há uma certa gritaria, mas depois as coisas se acomodam e a vida segue. Para os governantes é até bom. Não precisam gastar com merenda, com luz ou água. É só ficar no vai em vem de reuniões infrutíferas, queimando o filme dos trabalhadores, pois, ao final, são eles os que aparecem como culpados do transtorno.

A educação é só um tema ritual no programa de governo dos prefeitos, governadores se presidentes.   Arrisco dizer que em casos muito singulares, como quando Paulo Freire foi secretário da educação, esse assunto realmente teve alguma relevância. As campanhas políticas sempre apresentam propostas mirabolantes para a educação, mas, no frigir dos ovos, tudo segue igual, entra governo, sai governo, seja de que partido for. Claro, há experiências legais, mas são apenas as exceções, o que confirma a regra. 

Educação mesmo é coisa séria, tem a ver com ensinar a ler o mundo, a ser crítico, autônomo, capaz de criar, inventar, subverter. Precisaria de um corpo de professores bem pagos, bem formados, cheios de entusiasmo pelo ensino, com tempo para ler, estudar e preparar boas aulas. Também precisaria de um corpo técnico bem qualificado, comprometido com o processo, engajado na tarefa do ensinar e aprender. Teria de ter uma estrutura material capaz de acolher com qualidade os alunos, laboratórios, espaços de lazer. E tudo isso é o que não há. Por isso são necessárias as lutas. E parece um paradoxo que um trabalhador da educação tenha que abandonar seu ofício para lutar por algo que deveria ser um direito de todos. Mas é assim que é.

O salário, cujo reajuste da inflação seria o mínimo a ser dado anualmente, nunca cresce. Por vezes, nem o índice de perda da inflação é reposto, ou se é, os governantes ainda querem fazer em vezes, achatando e corroendo ainda mais o vencimento. Os trabalhadores público sequer têm data-base, que é aquela data específica, no geral em maio, que os patrões são obrigados por lei a reajustar os salários. Pois bem, os governantes não estão obrigados a isso, e é por conta de não terem data-base, que os trabalhadores públicos precisam da greve para reivindicar reajustes ou melhorias nas condições de trabalho.

Na semana que passou, o novo ministro da educação, o filósofo Janine Ribeiro, declarou que os trabalhadores estão sendo intransigentes declarando greve  - professores e técnicos. Que eles deveriam dialogar mais. Ora, que declaração infeliz. O ministro, que chegou ontem ao cargo, mas é um professor de carreira, deveria saber muito bem que os trabalhadores vivem pendurados em mesas de negociação,  que mais são de enrolação, uma vez que não avançam em nada. E, no mais das vezes, ainda servem para desfazer os acordos feitos em greve. Diálogo é o que mais querem, nunca encontrando. O governo prefere pagar em dia os juros de uma dívida ilegal a remunerar bem seus professores e técnicos. Exige "paciência" dos trabalhadores, e permanece ajoelhado diante da dívida odiosa.

E é assim que ajudados pela mídia comercial, eles vão tornando vilões aqueles que são as vítimas do sistema. Os meios de comunicação são capazes de endeusar jovens sem causa que caminham contra uma abstrata "corrupção", e tornar demônios os trabalhadores que lutam por uma vida digna, não só para eles, mas também para todos os que utilizam o serviço público. Os que lutam são hoje xingados de "vermelhos, petistas, governistas" ou um sem mais de nomes ideologizados. E a massa desinformada compra o pacote, enxovalhando aqueles que realmente querem um mundo melhor. É a total inversão de valores. Fracasso total da própria educação, que não consegue forma seres perguntadores  e críticos.

É fazendo esse ciclo que chegamos a resposta da pergunta sobre por que se demoram as greves da educação. Interessa a quem manda manter as gentes na ignorância. Dizia Simón Rodríguez, o educador das Américas: "Ensinem, e terão quem saiba. Eduquem, e terão quem faça". Pois assim é. A política de educação  está voltada para ensinar apenas o necessário para que as pessoas possam se movimentar no mundo. Mas não há preocupação em educar, porque aí os véus podem cair: "que aprendam as crianças a serem perguntadoras, para que pedindo os porquês, se acostumem a obedecer a razão e não a autoridade, como os limitados, ou aos costumes, como os estúpidos".  

Assim, olhos abertos para a forma como os governantes tratam os trabalhadores da educação. Observem como César Souza, Raimundo Colombo e Dilma Roussef lidam com os professores e os técnico-administrativos em educação e perguntem-se: Porquê? A batalha dos professores e TAEs é legítima e necessária.No mundo capitalista, o trabalhador tem apenas o seu corpo - sua força de trabalho - para vender. E, no embate com o capital, precisa garantir o melhor para si. Por isso, a luta.