Alzheimer/Velhice

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Armandinho...


 Todos autografados pelo criador...




Um presente precioso!!!

















Não sei se é por conta da cornucópia de notícias ruins, bizarras e torpes que pululam nas redes sociais, mas o mundo parece que está mais gris. Todos os dias a mente da gente é invadida pela dor, o medo, o terror, a hipocrisia, a violência. E como uma planta sem sol, até o corpo vai minguando. Nem o verão ostentação consegue dar luz ao dia. Pelos menos é assim que enfrento o cotidiano, todas as manhãs, já com um certo cansaço de existir.

Então, como um náufrago, me agarro a pequenas delicadezas que se fazem sol. E, no encontro com a beleza, que surge em átimos, recupero a força para seguir construindo caminhos.

Uma dessas maravilhas solares me chegou dia desses pelo correio. Quatro singelos livrinhos nos quais quase me agarro nas horas noas (de angústia). Eles são como madeira flutuando no oceano, ao meu alcance, me salvando. Dentro deles vive um menino que desperta os sentimentos mais puros, que liberta a criança escondida e endurecida nas nossas vidas de autômatos ganhadores de salário. Seu nome é Armandinho e ele tem por amigo um sapo, do qual não espera nada a não ser que pule e coaxe e brinque e salpique nas poças de água. “Não tenho amigos por interesse”, diz.

Esse gurizinho de topete e calção azuis abre os meus dias, incendeia minha alma, apascenta meu coração. Ele é pureza, é ternura, é delicadeza, é doçura, é encanto. Ele desperta o que de melhor há em mim. Sobre a mesa da sala ele já é da família. Nenhum dia se passa sem ouvir sua voz, fugida das páginas.

De dentro do Alexandre, seu pai/amigo/cúmplice, ele salta e voeja pelo universo das minhas rotações diárias. E eu agradeço por ter essa pequena delicadeza para atravessar o mar revolto da falta de esperança. Quando tudo fica pesado demais, eu escuto sua voz de menino a dizer: perdeu a esperança, vem, vamos ajudar a encontrar. E o sorriso que baila na cara da gente é a certeza de que já encontramos.


Os livros do Armandinho me chegaram como um milagre de natal. Com toda a ternura de seu criador. Vida longa, Alexandre Beck. Porque o Dinho já é eterno... 



quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Os desafios da Venezuela

A jornalista Elaine Tavares esteve na Venezuela no final de janeiro e faz uma análise da conjuntura.

 

Mulheres curdas



Sempre me causaram profunda angustia as cenas – apenas vislumbradas  - de soldados estadunidenses estuprando mulheres árabes após a invasão do Afeganistão ou do Iraque. Essa violência abissal contra o corpo, que é o último reduto do ser. A humilhação do uso instrumental do sexo, apenas pelo poder de fazer. Grupos de homens armados devassando um espaço que é considerado quase sagrado pelas mulheres muçulmanas. Não bastava matar seus homens, seus filhos, destruir suas casas, era preciso invadir seus corpos, entre risadas e obscenidades.

Mas as cenas dos “marines” não são cenas isoladas. Em qualquer conflito esse rasgo de vontade de poder aparece e se constitui. Nas guerras, as mulheres acabam sendo as presas mais cobiçadas. Isso desde os primórdios dos tempos, seja para servirem de escravas, seja para serem humilhadas e vilipendiadas. Seus corpos viram troféus, seus sexos lugares de despejo de ódio. O verbo “foder” assume seus contornos mais pesados. Penso no terror das mulheres das pequenas aldeias invadidas e tomadas pelas hordas, seja no oriente, no grande continente africano, ou mesmo na Europa, como se viu na guerra entre a Bósnia e a Sérvia, e como se vê hoje na Ucrânia. A certeza da violação, quando surpreendidas sozinhas e vivas no campo da morte.

Aí aparecem essas mulheres curdas, da cidade de Kobane. Elas entenderam que a guerra, sem vem, deve ser enfrentada no coletivo, como gênero humano. Formaram uma frente de mulheres, para garantir a autodefesa e se integraram às forças de combate. Luta feminina, luta de classe, luta política, tudo junto, misturado. Vejo seus rostos, nas fotos de jornais, sorridentes e altaneiras. Enfrentam hoje o Exército Islâmico, esse grupo extremista criado para espalhar o terror. Armadas de fuzis e de valentia elas marcham, ombro a ombro com os homens na defesa do território, na defesa de seus corpos.

Essas mulheres ensinam uma singela lição. Ninguém é fraco se está junto e hoje a Unidade de Defesa das Mulheres já conta com nove mil guerrilheiras. Ao se protegerem, armadas, elas garantem a liberdade de ser quem são. Não fazem discursos, nem reivindicam diferenças. Elas estão no campo de batalha, elas se protegem e lutam pelo seu espaço geográfico. E, se por um acaso, se encontram desprotegidas diante do inimigo, como foi o caso de Arin Mirkan, de 20 anos, isolada e sem munição, elas sacrificam o corpo em nome do coletivo. Foi o que fez Arin. Envolveu-se em explosivos e explodiu, levando com ela mais 23 jihadistas. Foi a sua decisão. Seu corpo. Sua decisão.

Eu reverencio essas mulheres curdas, que souberam encontrar o caminho da mulheridade, sem perder o conteúdo de classe. São vitoriosas, não apenas por colocarem os extremistas para correr. Mas, por caminharem em comunhão.