O anúncio dos novos ministros do próximo mandato de Dilma Roussef vem gerando, outra vez, uma onda de violências e agressões nas redes sociais. Mesmo entre companheiros de esquerda que, agora, cobram uma posição daqueles que ofereceram à presidente o tal do "voto crítico", contra o ex-governador de Minas, Aécio Neves.
A primeira coisa a esclarecer é que não existe voto crítico. Quem inventou esse conceito? Existe o voto, e pronto. O voto é um dos momentos da nossa democracia representativa e aquele ou aquela que decide votar em alguém e não nulo, simplesmente vota. Não há como embutir criticidade a esse voto.
Pelo menos não foi o que aconteceu nesse segundo turno das eleições. Aqueles e aquelas que, no campo da esquerda, decidiram não votar nulo tinham suas razões. Um bom número acreditava que com o "susto" dado pelo crescimento da figura do Aécio levaria a presidente e seus aliados mais para a esquerda, uma vez que haveria de firmar alguns compromissos com esses grupos para garantir o voto. Outros, menos ingênuos, votaram na Dilma por saber que, de alguma forma, esse governo seria mais sensível às emergências do povo mais pobre, ainda que não saísse da borda da direita.
Terminada a contenda, aqueles que conseguem fazer um mínimo de análise - aí sim, crítica - da realidade, sabem que não podem esperar nenhuma mudança estrutural, nenhuma reforma mais ousada, desse governo que agora inicia seu segundo mandato. Infelizmente, apesar de vivermos num regime presidencialista, nossos últimos presidentes nunca usaram desse poder para impor suas propostas. Como avalia o professor de Economia, Nildo Ouriques, há, por parte do executivo, uma equivocada dependência do Congresso Nacional e uma busca de "governabilidade" a partir de acordos que, obviamente, apenas atendem a parcelas poderosas do jogo político. O povo está excluído desse momento.
O que parece é que os mandatários temem um novo 64, já que, naqueles dias, apoiado no desejo popular que havia rifado o parlamentarismo, preferindo continuar no regime presidencialista, o então presidente João Goulart decidiu - ouvindo a maioria - iniciar um processo de reformas. Não eram propostas comunistas, nem mesmo socialistas. Eram reformas dentro da estrutura burguesa. E ainda assim teve o rechaço violento da minoria que sempre constituiu a classe dominante. Vindo dali, o golpe.
Talvez venha desse temor a fraqueza presidencial, que prefere aliar-se ao que há de mais podre no tabuleiro do poder. E é tão tolo esse medo que, mesmo servindo aos interesses da classe dominante, como já fez Lula e agora Dilma, ainda assim, os velhos e os novos coronéis da política conseguem colar nesse governo a etiqueta de "comunista" e "bolivariano". Nada mais fora de propósito.
O governo que Dilma começa agora a montar para o segundo mandato vai lidar com um Congresso Nacional ainda mais atrasado e conservador. Poder quase supremo da bancada ruralista, grande bancada evangélica fundamentalista, poucos deputados e senadores de esquerda. Esses, aliás , conformam uma minoria quase ritual. Muito pouco poderão fazer - desde dentro - para que avancem as pautas populares. E, justamente por conta disso, Dilma e seus aliados, procurarão ajoelhar diante da ideia que sempre se manteve na condução dessa nação: progresso para uma minoria, desenvolvimento para os ricos e algumas migalhas para os pobres - o suficiente para que não se movimentem.
Poderíamos ter apostado no "quanto pior, melhor", votando no PSDB, que representa a velha direita e sonhar com o levante das massas. Mas, isso seria também ingenuidade. O governo petista domesticou boa parte do movimento social, houve um retrocesso no campo da luta organizada. E esse campo sempre foi um grande componente fomentador da rebeldia. Haveria que ter um longo trabalho de reconstituição da radicalidade perdida, para evitarmos perder energia em conflitos pontuais e desorganizados.
Esse é o trabalho que nos espera, aos da esquerda. Haveria que realizar longas análises de autocrítica, compreender o que nos divide e definir um programa de luta com aquilo que nos une. Um longo tempo de medidas conservadoras e até reacionárias aponta no horizonte. Podemos ficar atirando pedras nos companheiros que votaram na Dilma, ou podemos reconstituir o bonito tecido de uma esquerda revolucionária. Só que esse não é um trabalho para ser feito dias antes das novas eleições. É trabalho para uma vida.
Como exigem alguns companheiros nas redes sociais: Cadê os que deram o "voto crítico"?, eu me apresento e assumo meu voto. Mauro Iasi no primeiro turno e Dilma, no segundo. Mas, dei meu voto sem estabelecer nenhuma ilusão programática. Não foi voto crítico, foi voto. Esse governo não me representa. Votei porque entendi que era minha obrigação evitar o pior, principalmente no que diz respeito às políticas sociais compensatórias que, de alguma forma, tiram dos mais pobres a indignidade da fome. Isso não impede que eu agora faça uma autocrítica, observando que o que vem por aí pode não ser o "menos pior". Talvez tenha errado - isso ainda está sujeito à análise - mas considero que a participação política de quem tem compromisso com seus país, com o mundo com o qual sonha, não se esgota no voto. Essa participação é cotidiana, na rua, no movimento, no partido, no grupo político. E, nesse compromisso sigo atrelada.
Estamos numa encruzilhada. E é nossa responsabilidade palmilhar o caminho da transformação. Para isso, temos de trabalhar em alguma medida de unidade. Um desafio, para partidos e movimentos. E, como dizia Simón Rodríguez, essa é nossa hora histórica: Ou inventamos, ou erramos!