Alzheimer/Velhice

sábado, 2 de agosto de 2014

Povo Guarani: mais um passo rumo à conquista da terra






















Nesse dia primeiro de agosto, data que as comunidades indígenas da franja andina comemoram o dia da Pachamama (a mãe terra), os Guarani, que vivem na região do Morro dos Cavalos, em Palhoça, Santa Catarina, deram mais um pequeno passo em direção a completa desintrusão de suas terras ancestrais já demarcadas. O superintendente regional da Funai, João Maurício, entregou as terras que ficam em frente a aldeia, na beira da BR-101, onde estavam instalados um restaurante e uma borracharia. O acordo com os ocupantes do terreno foi fechado e agora o espaço já é de uso do Guarani.

A documentação foi assinada na tarde desse dia sagrado, e deixou os Guarani muito animados, porque o espaço possibilitará plantios de horta, mandioca, milho e manejos de árvores frutíferas, garantindo a produção de comida para as 32 famílias que hoje vivem na aldeia. 

A recuperação da terra chega poucos dias de um importante encontro de lideranças Guarani que reuniu mais de 50 caciques dessa etnia na região do Morro dos Cavalos. Eles fazem parte da Comissão Nacional Yvyrupa que discute a situação de cada área no Brasil. É uma forte retomada da luta indígena, coordenada por eles mesmos, sem a intermediação de Ongs ou entidades. No encontro foram repassadas informações sobre as demarcações, os avanços e os obstáculos que ainda precisam ser superados. 

A reunião de lideranças também é um momento importante para a consolidação da história Guarani que é passada oralmente para os mais novos, para a celebração das cerimônias e o fortalecimento dos laços, já que a etnia está espalhada por vários estados do país. Além disso, é um espaço de articulação política que ajuda as comunidades a tomarem conhecimento sobre seus direitos e sobra as estratégias de luta que ainda precisam ser implementadas. A garantia de território demarcado e liberado ainda está bem distante para muitos grupos. É preciso estar junto e alerta. 

Na comunidade do Morro dos Cavalos que caminha firme sob o comando da cacique Eunice, o dia da Pachamama foi de alegria e comemoração. 

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Greve inédita na UFSC abrirá portas para o público em vez de fechar


















Trabalhadores da Universidade Federal de Santa Catarina podem iniciar, na próxima semana, uma greve inédita. Em vez de parar o trabalho, fechando as portas para a comunidade, a proposta é de que a greve seja de ocupação e ampliação do atendimento. Assim, a universidade funcionará, ininterruptamente, das sete da manhã às dez da noite, com os trabalhadores técnico- administrativos fazendo turnos de seis horas. Com essa decisão, avançam na luta histórica por redução de jornada e ainda beneficiam toda a comunidade que – desde sempre – dá com a cara na porta quando precisa de atendimento no horário do intervalo do almoço e à noite. A greve está sendo indicada por conta do rompimento unilateral por parte da reitoria de um processo de negociação que estava em curso desde a greve. 

O contexto

Sempre foi senso comum xingar o que é público. Serviço público não presta, trabalhador público é vagabundo. Pode até ser, em alguns casos pontuais. Mas, se olhar com cuidado vai ver que é o público que garante – ainda que pouco – serviços que são básicos para uma maioria que não poderia desfrutá-los se tivesse de pagar. Se a educação vai mal, se a saúde vai mal, se muito do serviço público vai mal, certamente não é culpa do trabalhador. Ao contrário. É a maioria dos trabalhadores que mantém o serviço funcionando à duras penas. Na universidade federal de Santa Catarina, a UFSC, é assim. Há uma maioria que trabalha e garante o conhecimento para milhares de pessoas. Ainda não é a universidade ideal, mas a batalha por ela é diária. 

Nessa semana, uma das categorias de trabalhadores, a dos técnico-administrativos, foi surpreendida com uma atitude da reitora Roselane Neckel, que pode se configurar como prática antissindical e perseguição política. Poucos dias depois do fim de uma greve, na qual os trabalhadores estavam em processo de negociação para ampliação do horário de atendimento ao público, a reitora baixou uma portaria exigindo controle de ponto positivo, apenas e unicamente para os técnicos administrativos. Explico. Hoje, o ponto é negativo. Caso um trabalhador não compareça ao trabalho é da competência do chefe imediato registar a falta e encaminhar ao departamento de pessoal. Ele só registra as faltas, ou ausências, ou qualquer outra irregularidade. A proposta da reitora é o ponto positivo.  O registro diário de cada trabalhador em folhas-ponto.

Ora, a folha de ponto, num tempo em que a tecnologia está para lá de avançada é um retrocesso administrativamente inexplicável. Quase uma incompetência. E a pergunta que fica é: Por que essa decisão agora, dias depois de uma greve que durou três meses, na qual houve uma luta renhida pela ampliação do atendimento? Os trabalhadores insistem. A universidade não é uma fábrica de pregos, na qual se entra as oito e sai ao meio dia, volta as duas e sai as seis, cumprindo um trabalho mecânico. Os trabalhadores técnico-administrativos em educação, como os professores, fazem pesquisa, extensão e atendimento ao público. Têm horários variados e flexíveis, conforme a especificidade de cada setor. Há cursos noturnos que exigem trabalho à noite, há pesquisas para serem feitas em campo, há extensão realizada fora do campus. Cada lugar é um mundo.

Alguém pode pensar: os “vagabundos” não querem assinar ponto. Nada mais inverídico. Os trabalhadores, que não são vagabundos, estão há anos discutindo uma proposta de atendimento ininterrupto da universidade, com turnos de trabalho de seis horas, com controle social. Está mais do que provado que a jornada de trabalho reduzida para seis horas permite uma melhoria significativa nos processo de trabalho e ainda garante ao trabalhador mais qualidade de vida. Essa é uma luta histórica da classe trabalhadora. Não há argumento, no mundo dominado pela tecnologia para o estendimento da jornada, a não ser o da superexploração. Além disso, a lei é clara: se um dado setor público atende 12 horas seguidas, é facultado o turno de seis horas. Não há sequer impedimento legal.

A universidade, por ser um espaço de criação de conhecimento, deveria ser o lugar do novo, da vanguarda, aquela que puxa o avanço. A abertura da UFSC – de maneira ininterrupta – beneficiaria a comunidade, que poderia encontrar as portas abertas, das sete da manhã às dez da noite, período de funcionamento real da universidade, bem como os trabalhadores que fariam turnos de seis horas. Essa é a proposta que o movimento dos trabalhadores vem apresentando desde há anos, e que afunilou na última greve.

Nos três meses de paralisação, os trabalhadores construíram uma resolução, para ser apreciada no Conselho Universitário, mostrando que era factível a ampliação do atendimento, com turnos de seis horas. Deu-se inicio a uma negociação com a administração. Mas, com o final da greve, a reitora encerrou unilateralmente a discussão, baixando a portaria da folha-ponto dias depois. Uma atitude arbitrária incompreensível para uma reitora que se comprometeu com os trabalhadores de realizar um fórum de discussão sobre o tema. Não houve fórum, não houve conversa e, a portas fechadas com os diretores de centro, ela decidiu pela volta ao século 19.

A notícia caiu como uma bomba junto aos trabalhadores que se sentiram perseguidos e discriminados. Ainda que alguns professores estejam pelas redes sociais fazendo crer que os trabalhadores não querem trabalhar nem ser controlados, é bom que fique bem claro: a luta não é contra o registro de jornada, muito menos contra controle social. A discussão se dá no campo da tão incensada democracia que, como dizia Lenin, sempre deve vir precedida por um adjetivo, já que não existe no seu estado puro. No caso dos trabalhadores, a democracia que reivindicam é a participativa. O direito de discutir e definir, de maneira conjunta com a administração, como vai ser a jornada de trabalho, que a própria lei determina podendo ser de oito ou de seis. 

É fato que na universidade sempre existiu um fosso entre técnicos- administrativos e professores, com os docentes, na maioria, vendo os colegas como seus serviçais. Hoje, com os trabalhadores cada vez mais cientes de seus direitos, essa ideia não cola mais. Os trabalhadores não são serviçais dos professores, eles são trabalhadores públicos, servem à população. E é por isso mesmo que eles querem a ampliação do horário de atendimento, para que a comunidade tenha mais opção.

Assim que não há espaço para meias verdades. A jornada de trabalho é de quarenta horas, mas pode ser reduzida para seis se houver atendimento por mais de 12 horas seguidas. Ninguém quer descumprir a lei ou o contrato de trabalho. Que diz isso, mente.

E é em nome da qualidade do serviço público, da melhoria de vida dos trabalhadores e da democracia participativa que os TAEs da UFSC se mobilizam e lutam.  



domingo, 27 de julho de 2014

Sobre ser mulher


Nunca me ocorreu ser mulher.  Na família, jamais vivi qualquer opressão ou discriminação. Desde bem pequena, mergulhada no mundo dos livros, aprendi que para conquistar os sonhos que brotavam na cabeça, tudo o que tinha de fazer era levantar e agir. A condição feminina nunca se colocou como limite para nada. A luta política, o estudo, o trabalho. Fazia o que tinha de fazer. Com 20 anos fui trabalhar na televisão. Espaço masculino. Ali – eu nem sabia – a mulher, ou era capacho, ou era puta. Eu, nem uma coisa, nem outra. Meu negócio era trabalhar. Repórter, viajando pelos caminhos com uma equipe de homens, nunca reparei qualquer olhar de soslaio. Não havia. Na firmeza, eu cavava meu lugar.

Talvez, por conta disso, as lutas ditas feministas nunca me atraíram. Primeiro porque eu sempre acreditei que as questões referentes à mulher tinham de estar imbricadas na luta de classe. Mesmo a liberdade sexual, da qual usufruí sem nunca pensar sobre ela, me parecia uma luta estranha. Ainda assim, naqueles dias de juventude, eu apoiava, custando a crer que alguém pudesse não ter o direito de dispor do seu corpo como bem quisesse. Via mais as coisas pela ótica do Malleus Maleficarum – O Martelo das Feiticeiras – livro que marcou minha vida – o qual narrava os horrores da inquisição com as mulheres chamadas de feiticeiras por ousarem ter poder no mundo dos homens, do que pelo Relatório Hite – livro que teorizava sobre o orgasmo feminino.

Depois, entendendo melhor as coisas do mundo, foi que me vi mulher. Então, vivi a experiência da centopeia que andava garbosa com suas cem pernas sem nunca pensar sobre elas, e quando alguém lhe perguntou: como consegues andar com tantas pernas, ela se deu conta do problema que era e nunca mais pode andar, tropeçando nas pernas. Por algum tempo me obriguei, tropeçando, a olhar para a realidade observando a condição da mulher. Tantas, oprimidas por pais, maridos, patrões. Algumas nem sequer ganhavam o mesmo salário que os homens na mesma função. A violência doméstica, as mulheres do oriente com seus corpos cobertos, sem poder estudar, as comunidades que mutilavam as meninas. As terríveis violações que as mulheres sofrem nas guerras.

Percebi então que havia coisas relacionadas com a mulheridade que estavam para além da classe. Como não ser solidária com uma mulher oprimida, ainda que ela pertencesse à burguesia ou a aristocracia? Mas, ainda assim, entendia que isso tinha muito mais a ver com o sentimento contra a injustiça do que com a condição feminina. Também conheci homens oprimidos por mães, por esposas e patroas. E com eles marchei. De alguma forma sempre desconfiei dessa fragmentação e hierarquização da dor. Esse mundo de “tribos”. Luta das mulheres, luta dos negros, luta das pessoas com deficiência, luta dos índios. No frigir dos ovos, tudo era uma coisa só. E, ao ser despedaçada, mais servia ao sistema opressor do que à causa.

Assim, mesmo patrulhada, nunca queimei sutiã e nem gritei pela igualdade com os homens. Não quero igualdade. Somos desiguais. Entendo que como mulheres, negros, deficientes ou índios, temos de nos unir, na semelhança, para sermos fortes em batalhas pontuais, mas a luta tem de ser por um projeto de mundo que se diferencie desse que aí está. Isso é o que nos alinha, o que nos dá sul. Não estou no projeto da Kátia Abreu, nem do Angela Amin, ou da Narcisa Tamborindegui. Não estou no projeto do Pelé nem do Barak Obama. Então, posso me compadecer se alguns deles sofrer violência ou preconceito. Mas, meu caminho é outro.

Vivo mulheridade com todas as suas belezas. As fases lunares, as delicadezas, a ternura, a emoção, o desejo de esmaltes e batons. Vivo a mulheridade na forma de estar no mundo, sem oprimir quando com poder, usando e abusando das dessemelhanças. Na luta das mulheres quando necessário, feminina todos os dias. Assim, como a centopeia antes de saber dos pés. Sendo mulher.

E nesse passo cadenciado, de salto alto, vou carregando os tijolos da construção da sociedade justa, sem discriminação, sem preconceito, sem violência. Esse mundo no qual nem o homem nem a mulher sejam lobos de si mesmos. Essa utopia... Vivo a mulheridade, sempre, mas sem nunca esquecer de onde eu venho nem a classe a qual pertenço. Sou, penso e luto. Essa é a minha opção!