Alzheimer/Velhice

sexta-feira, 18 de julho de 2014

A batalha na Crimeia




Na Rússia, a opinião da maioria das pessoas comuns, é de que Putin está mais do que certo em defender o povo da Crimeia. Segundo eles, a Crimeia sempre pertenceu a Rússia e só se anexou à Ucrânia, numa divisão artificial feita durante o regime soviético. "Quando a Crimeia foi cedida à Ucrânia ninguém imaginava que a URSS iria se acabar um dia. Estava todo mundo junto". Por outro lado, a "culpa" sobre tudo o que acontece agora é atribuída ao ex-presidente Boris Ieltzin. Contam os russo que quando a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas se acabou, o então presidente da Ucrânia  perguntou a Ieltzin se ele gostaria de ter novamente sob o controle territorial da Rússia a região da Crimeia, e ele teria dito que não. "Também naqueles dias ninguém imaginava que a Ucrânia seria um dia governada por nazistas".

É por isso que a opinião pública russa respalda as ações de defesa da Crimeia. Porque entende que é dever do governo russo proteger os russos que vivem naquela região. No geral, as pessoas mais simples, que estão no plano da consciência ingênua, reputam a guerra à apenas esse ponto, sem levar muito em consideração os demais motivos que levam, inclusive, os Estados Unidos a apoiarem o movimento reacionário/nazista que hoje domina a Ucrânia. Não é levado em conta o fato de a Ucrânia ser um espaço estratégico de dominação, não se discute o fato de o conflito estar no centro de uma disputa de geopoder que envolve a Rússia e a recusa do governo em ceder aos chamados de coalizão com a Europa, aliada histórica dos Estados Unidos. Na verdade, a Rússia segue firme no propósito em fazer parte de outro bloco de poder, que dialoga com os EUA, mas não se subordina. O parceiro principal segue sendo a China, configurando assim o bloco sino-russo que cresce em força. Um exemplo disso é o recorrido que Putin fez nas últimas semanas pela América Latina, buscando atrair velhos aliados e puxando novos parceiros para o bloco.

Nas cidades mais distantes da fronteira com a Crimeia, a guerra é só uma coisa que acontece nas telas da televisão. E ela só se concretiza nas famílias que têm algum parente na região. Ainda assim, o apoio aos russos que vivem na Ucrânia é incondicional.

Agora, com a notícia da queda do avião da Malásia, supostamente derrubado por um míssil, a guerra de informação esquenta ainda mais o conflito. De um lado, os neo-nazis que dominam a Ucrânia acusam os pró-russos de terem disparado o também suposto míssil. Do outro, os pró-russos acusam os neo-nazis de terem derrubado o avião  pensando ser o que levava Putin de volta à Rússia. A história toda é muito controversa. Primeiro porque não se tem certeza de que foi um míssil que derrubou o avião. E segundo, porque as pessoas sabem que na guerra, a primeira vítima é a verdade.

Basta recordar os motivos que levaram os EUA à guerra com o Afeganistão ou o Iraque, todos eles baseados em mentiras que, mesmo depois de terem sido desmascaradas, não mudaram em nada o andar dos fatos. O Iraque foi destruído, o Afeganistão foi destruído e os Estados Unidos nunca responderam  pelos crimes que cometerem e seguem cometendo nesses países.

O que se vê agora são os blocos de poder se movendo do mundo, cada um tentando buscar mais força para expandir seu domínio. Nessa movimentação, a conta sobra para alguns que, desgraçadamente, estejam no caminho desses desejos. Assim, vê-se uma frente de batalha na Palestina, com Israel buscando exterminar de vez o povo que heroicamente resiste, sendo uma pedra no sapato para o bloco estadunidense que quer dominar totalmente a entrada para o Oriente Médio, e outra frente na Ucrânia que, sob o domínio neo-nazi, parceiro dos EUA, será um caldeirão fervente na porta da Rússia, sempre a incomodar. O projeto do bloco EUA/Europa é controlar o gás e se apropriar das riquezas mineirais e energéticas que são grandes no país.

A guerra "quente" está em ação e como sempre acontece, nenhum argumento moral impedirá que as coisas sigam seu curso. Coisas "sem importância" como a vida de centenas de milhares de pessoas não serão levadas em conta. O que interessa mesmo é o tabuleiro de domínio que está à frente dos governantes. Lá embaixo, na vida real, os "peões" são eliminados sem qualquer pudor. Não está dado nas coerências operacionais dos que fazem a guerra o sentimento de compaixão pelos que, para eles, só atrapalham o projeto de poder. Por isso que clamar por paz ou justiça aparece quase como um gesto inútil, como tem sido na luta pela desocupação do Iraque, Afeganistão e Haiti. Resta aos que sofrem viverem sua dor em solidão.

Muita bomba vai rolar no rastro de mais uma imolação feita em nome da guerra, como parece ser o caso das 280 pessoas mortas  pela queda ou explosão do avião da Malásia. Seja lá o que for que tenha acontecido, tenha sido um míssil ou um problema técnico, isso será usado por todos os lados para reforçar os argumentos de cada um.


terça-feira, 15 de julho de 2014

A resistência de Leningrado















Na São Petersburgo de hoje (Leningrado na época soviética), o foco das atenções está na vida dos antigos imperadores. O grosso do interesse turístico é pelos palácios e o modo de vida dos czares. Assim, uma visita guiada circula pelos históricos prédios erguidos por Pedro, o Grande, o fundador da cidade. Até 1700 aquele espaço geográfico era dominado pelos suecos. Uma guerra comandada por Pedro, que queria uma saída para o Mar Báltico, expulsou as famílias suecas e deu início a colonização russa. Em 1703 Pedro ergue a primeira fortaleza, em homenagem aos apóstolos Pedro e Paulo e desde ali foi se espalhando a cidade. São Petersburgo tem 10% do seu território em água. É banhada pelo grande Rio Neva (74 quilômetros de extensão) e cortada por mais 86 pequenos rios e canais. A cidade, que é formada por um conjunto de 42 ilhas, foi transformada em capital da Rússia no ano de 1712 e só perdeu o posto para Moscou um ano depois da revolução, em 1918. 

A história da Rússia tem um marco em Pedro, o Grande. Até ele, o país era considerado um lugar atrasado, de costumes quase bárbaros. Foi Pedro quem trouxe a "modernidade" que, n verdade foi a europeização. A partir dele, os czares deixaram de lado seu aspecto genuinamente russo, e passaram a se parecer com qualquer rei do mundo europeu, inclusive no modo de vida. Foi o fim dos palácios de madeira, que eram pequenos e simples, muito por conta do frio intenso, e o início de uma era de opulência e magnificência. Tão logo fundou São Petersburgo, Pedro mandou chamar arquitetos italianos e franceses para dar início a construção de igrejas e palácios. As igrejas seguem o estilo bizantino, da igreja ortodoxa, mas os palácios se assemelham principalmente aos franceses, em tamanho e riqueza. Só o complexo da ilha Vasilievsky, onde hoje funciona o Hermitage, tem 10 palácios, cada um deles com uma decoração extremamente rica e bem ao gosto europeu.

O museu, inclusive, é um caso à parte. É um dos maiores e mais antigos museus do mundo com obras (3 milhões de peças) de praticamente todas as épocas da humanidade. O palácio de inverno, residência oficial dos czares desde 1730, é ele mesmo uma peça de museu, e foi a partir dele que começou a coleta de peças, chegando ao auge no reinado de Catarina II, a Grande. Impossível não cair o queixo ao passar por suas salas. É tanta riqueza que fica bem fácil entender porque, foi ali que, em 1905, iniciou o processo revolucionário que derrubaria a monarquia, finalmente, em 1917.

Mas, São Petersburgo não se limita a sua beleza arquitetônica, visível em quase toda a cidade em função do grande número de palácios de toda a nobreza que se concentrava ali. Ela também abriga histórias heroicas de gente comum, que jamais pisou em um daqueles prédios gigantes e extraordinariamente ricos. Uma dessas histórias diz respeito à resistência que o povo russo, e especificamente os de São Peters, opôs ao avanço do nazismo pelo território russo.  Foi ali que os russos travaram a mais longa batalha da história da segunda grande guerra, que durou 900 dias e deixou um saldo de um milhão de mortos no lado russo.

O dramático é que esse momento grandioso da história não recebe o mesmo foco por parte dos guias turísticos. Aquele que visita São Petersburgo precisa garimpar e vasculhar com muito sacrifício os marcos dessa resistência. Por conta da nova etapa de desenvolvimento que vive a Rússia há uma tentativa de apagamento do período soviético. Pouco se fala sobre ele e tudo o que se passou nesse interregno de tempo, parece não importar. Mas, quem visita a antiga capital russa não pode deixar de render homenagens a esses homens e mulheres que fecharam o passo dos nazistas, causando-lhes muitas baixas e provocando-lhes, inclusive, a derrota final.

O cerco de Leningrado

Quando a segunda grande guerra começou, Stalin, que então governava a Rússia tinha um pacto de não agressão com Adolf Hitler. Por conta disso a Rússia ficou a parte dos conflitos, certa de que não seria atingida pela sede de poder do governante alemão. Tampouco se preparou militarmente para uma possível resistência. Stalin estava seguro de que Hitler não quebraria o acordo. Só que em 22 de junho de 1941, o líder alemão, ignorando o acordo, avança pelo território russo. Foi uma hora de perplexidade para a população. Havia que se defender e não havia ainda uma produção de armamentos capaz de dar combate à tecnologia alemã. Os primeiros a sofrer foram os moscovitas, que enfrentar como puderam. Premido pelo frio, Hitler buscou outra frente para entrar no território e foi aí que chegou a Leningrado (novo nome de São Petersburgo naquele então). 

O ataque começou em junho de 1941 e durou até janeiro de 1943, ficando conhecido como o "cerco a Leningrado". O campo alemão tinha quase um milhão de homens bem armados, 13 mil canhões, 1.500 tanques e 760 aviões. Os russos não tinham qualquer armamento. Contam os moradores que as primeiras batalhas foram puro sacrifício. Os russos jogavam seus corpos sobre os dos alemães, armados apenas de facas. A maioria morria, mas os que conseguiam chegar a um soldado alemão, garantia a arma e voltava. Boa parte do primeiro armamento foi conseguida assim. Enquanto isso, o exército alemão seguia cercando a cidade, sem conseguir vencê-la. A estratégia pensada por Hitler foi a de esgotamento. Fechar a cidade e deixar que as pessoas morressem de fome e de frio, já que as temperaturas no inverno chegavam a 50 graus abaixo de zero.  Em parte o plano deu certo. Ao longo dos 900 dias morreram mais de um milhão de russos (cinco milhões era a população), e boa parte pereceu de fome.

Foi só em fevereiro de 1943, quando a indústria bélica soviética já tinha avançado, que um ataque das tropas russas conseguiu abrir um corredor por entre os alemães, fazendo passar um trem com mantimentos. Ainda assim, o bloqueio mesmo só foi totalmente levantado em 29 de janeiro de 1944. Aqueles 900 dias de resistência são considerados os mais importantes da guerra, pois se Leningrado tivesse caído, poderia ter ocorrido um efeito-dominó, desmantelando toda a defesa soviética.

A lembrança

Mesmo que não esteja no corredor turístico normal, ninguém pode ir até São Petersburgo sem visitar o imenso memorial que foi criado para lembrar esse feito heroico do povo local. Basta tomar o metrô  e seguir até a estação Moskovskaya. Logo a frente estão as enormes estátuas de soldados, camponeses, mulheres despedindo-se de seus maridos e filhos, enfim, a gente comum, que se erguem como um raio de luz por entre a rica cidade dos czares. É um dos poucos monumentos na cidade que faz referência direta ao povo. E a beleza das expressões leva qualquer um a se emocionar, lembrando aqueles dias de pesado sacrifício, no qual muitos chegaram a comer a carne de seus amigos e familiares mortos para sobreviver. 

Naquele lugar , nos arredores da cidade, está fincada a saga de um povo que ousou defender seu território a custa de nada mais que o imenso amor pelo que chamam de "mãe russa".  No memorial também podem ser vistas fotos da época,  ilustrações e objetos usados durante o período do cerco.