Para
Gina e Javier
A ternura é uma escolha política para o gênero humano, diz Carlos Rochetta, no seu livro Teologia da Ternura, uma dessas belezuras que a gente acha escondida nas prateleiras da Paulus. Pois eu respaldo totalmente essa afirmação. A vida é barra pesada, todos os dias nos colocando à prova. Baques, desenganos, desilusões, tristezas, perdas, doenças. Não é fácil, diante de tantas coisas que poderiam nos endurecer e amargurar, escolher a ternura. Rochetta usa muito bem a antiga parábola do bom samaritano para mostrar o quanto a ternura é gesto arriscado, destituído de egoísmo, porque definitivamente é uma abertura para o outro, para a alteridade.
Conta a história que havia um homem caído na estrada de Jericó, que lá pelo ano I da atual era, tinha a fama de ser muito perigosa. Tanto que aqueles 30 quilômetros eram chamados de “a estrada do sangue”, cheia de salteadores, bandidos, ladrões. Muitas pessoas passaram pelo homem desfalecido e ninguém ajudava. Apenas um samaritano o amparou e o levou até uma estalagem, onde o deixou, com tudo pago. Optando pela ternura, o samaritano correu o risco. Enquanto os outros pensavam: “se eu parar, o que poderá me acontecer?”, aquele homem, então considerado um impuro pelos judeus, pensou: “se eu o deixar, o que poderá lhe acontecer?” Outra mirada. Outra escolha política.
Pois, por ter crescido ouvindo essas histórias de assumir o risco pelo outro sou, desde sempre, afeita à ternura. Penso que essa é a escolha mais bonita que se pode ter diante do outro. Uma delicadeza, um toque macio, um sorriso, uma afago, um poema, essas coisas que se oferecem como se fossem um cristal, tão frágeis, mas ao mesmo indeléveis. Por isso, diante de lugares e seres que amo, deixo pequenas marcas de ternura, como se fossem mesmo “pequenos estupores de beleza”. Um desenho tosco, um poeminha, palavras soltas, bilhetes de amor, acenos poéticos. Faço isso por pura graça, como um gesto de profundo carinho ante o que marca minha vida.
Como o caminho tem sido longo, para mais de meio século, essas marcas vão ficando, perdidas na estrada. Nunca sei de verdade se esses delicados gestos poéticos que me permito fazer tocam, de fato, a emoção das pessoas. A gente vive a ternura e se vai. É parte da vida mesma, esse fluxo de vivências humanas. Mas, vez ou outra, acontece alguma coisa que mostra o quanto a ternura realmente nos deixa num permanente estado auroreal (como se estivéssemos sempre nascendo), tal qual diz Rochetta.
Dia desses encontrei um velho amigo. Separados pelo tempo e pelo espaço de 30 anos, nos achamos nas vias internéticas. Ele mesmo, eu lembrava, era também, nos dias em que compartilhamos a vida, um desses poços de ternura que a gente encontra e bebe, devagar. Pois, depois de toda alegria do re-encontro, ele me mandou, escaneados, alguns desenhos e bilhetinhos que eu fizera para ele milênios atrás. Teve a decisão política da ternura de guardar aqueles gestos poéticos com o mesmo amor com que foram feitos. Epifania.
É quando se percebe que a ternura é mesmo coisa que exige um itinerário, que se aprende, construída dia a dia, uma arte. E ela depende também das teia de relações que ousamos criar.
Diz Carlos Rochetta, nesse livro lindo que inventaria a ternura, que ela dá o sentido da maravilha, que é capaz de dar voz à silenciosa exultação do cosmos e à nostalgia da plenitude que tudo invade. Sim, é isso. Coisas assim nos mostram que o caminho percorrido, sempre optando pelo encontro amoroso – arriscado por demais - é a única coisa que dá sentido á vida. O amor exige ternura capaz de riscos. E eu gosto de saber que tenho feito essa escolha todos os dias.
Muitas vezes nossa ternura não consegue entrar nas couraças que algumas pessoas vão construindo, justamente por conta de nunca se renderem à ela. E, aí, ela se perde, triste e solitária. Mas, momentos há, como esse, da visão de um singelo desenho feito há 30 anos, em que ela abre suas asas e nos embriaga.
Então, apesar de todas as dores, vou caminhando para o meu lá-na-frente tão sonhado, de vida boa e bonita para todos, carregada de minhas pequenas ternuras. Afinal, como diz o poeta, tender ao horizonte, já é possuí-lo...
Conta a história que havia um homem caído na estrada de Jericó, que lá pelo ano I da atual era, tinha a fama de ser muito perigosa. Tanto que aqueles 30 quilômetros eram chamados de “a estrada do sangue”, cheia de salteadores, bandidos, ladrões. Muitas pessoas passaram pelo homem desfalecido e ninguém ajudava. Apenas um samaritano o amparou e o levou até uma estalagem, onde o deixou, com tudo pago. Optando pela ternura, o samaritano correu o risco. Enquanto os outros pensavam: “se eu parar, o que poderá me acontecer?”, aquele homem, então considerado um impuro pelos judeus, pensou: “se eu o deixar, o que poderá lhe acontecer?” Outra mirada. Outra escolha política.
Pois, por ter crescido ouvindo essas histórias de assumir o risco pelo outro sou, desde sempre, afeita à ternura. Penso que essa é a escolha mais bonita que se pode ter diante do outro. Uma delicadeza, um toque macio, um sorriso, uma afago, um poema, essas coisas que se oferecem como se fossem um cristal, tão frágeis, mas ao mesmo indeléveis. Por isso, diante de lugares e seres que amo, deixo pequenas marcas de ternura, como se fossem mesmo “pequenos estupores de beleza”. Um desenho tosco, um poeminha, palavras soltas, bilhetes de amor, acenos poéticos. Faço isso por pura graça, como um gesto de profundo carinho ante o que marca minha vida.
Como o caminho tem sido longo, para mais de meio século, essas marcas vão ficando, perdidas na estrada. Nunca sei de verdade se esses delicados gestos poéticos que me permito fazer tocam, de fato, a emoção das pessoas. A gente vive a ternura e se vai. É parte da vida mesma, esse fluxo de vivências humanas. Mas, vez ou outra, acontece alguma coisa que mostra o quanto a ternura realmente nos deixa num permanente estado auroreal (como se estivéssemos sempre nascendo), tal qual diz Rochetta.
Dia desses encontrei um velho amigo. Separados pelo tempo e pelo espaço de 30 anos, nos achamos nas vias internéticas. Ele mesmo, eu lembrava, era também, nos dias em que compartilhamos a vida, um desses poços de ternura que a gente encontra e bebe, devagar. Pois, depois de toda alegria do re-encontro, ele me mandou, escaneados, alguns desenhos e bilhetinhos que eu fizera para ele milênios atrás. Teve a decisão política da ternura de guardar aqueles gestos poéticos com o mesmo amor com que foram feitos. Epifania.
É quando se percebe que a ternura é mesmo coisa que exige um itinerário, que se aprende, construída dia a dia, uma arte. E ela depende também das teia de relações que ousamos criar.
Diz Carlos Rochetta, nesse livro lindo que inventaria a ternura, que ela dá o sentido da maravilha, que é capaz de dar voz à silenciosa exultação do cosmos e à nostalgia da plenitude que tudo invade. Sim, é isso. Coisas assim nos mostram que o caminho percorrido, sempre optando pelo encontro amoroso – arriscado por demais - é a única coisa que dá sentido á vida. O amor exige ternura capaz de riscos. E eu gosto de saber que tenho feito essa escolha todos os dias.
Muitas vezes nossa ternura não consegue entrar nas couraças que algumas pessoas vão construindo, justamente por conta de nunca se renderem à ela. E, aí, ela se perde, triste e solitária. Mas, momentos há, como esse, da visão de um singelo desenho feito há 30 anos, em que ela abre suas asas e nos embriaga.
Então, apesar de todas as dores, vou caminhando para o meu lá-na-frente tão sonhado, de vida boa e bonita para todos, carregada de minhas pequenas ternuras. Afinal, como diz o poeta, tender ao horizonte, já é possuí-lo...