Alzheimer/Velhice

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Precisamos dos cubanos?


médico cubano: está onde ninguém quer ir

Eu aprendi com Enrique Dussel que talvez o único imperativo ético universal seja a vida. Mas, não uma vida qualquer. A vida daquele que é vítima do sistema que o oprime e o envilece. É esse ser que temos de defender com unhas e dentes, para o que vier. Todos os dias, nos deparamos com ele, na televisão, na rua de casa, no mercado, ao virar a esquina. O caído, o desgraçado, o fugitivo, o assustado. A maioria das pessoas faz como naquela linda parábola de Jesus: olha, e passa adiante. Poucos são os que se curvam e acolhem o que está no chão. E é bom que se diga que os empobrecidos da terra não o são por sua culpa. A maioria está nessa condição porque alguém está lhe sugando a vida. Alguém está enriquecendo a custa do outro. É a máxima do capitalismo. Só que é mais fácil permanecer com o véu da alienação. Conhecer dói.
Noite após noite a televisão – esse olho insone  - joga na nossa cara a dor do mundo. Mas, de maneira espetacular, consegue virar o jogo. Os meninos negros, que são assassinados como moscas nas periferias das grandes cidades, não aparecem como vítimas. Eles são os “monstros” que andam por aí a fazer maldade. Ninguém diz o porquê deles ficaram assim, se é que ficaram mesmo. E os bons cristãos fazem o “pelo sinal” e agradecem pela polícia nos livrar dessa “corja”.  Também vemos os “terroristas”, que podem ser os palestinos, os sírios, os iraquianos, os afegãos, sempre serão aqueles que estarão vinculados a algum plano do império estadunidense para vivenciar a “plena democracia”. Não importa se para isso for necessário promover farsas macabras como a do 11 de setembro ou o assassinato de crianças inocentes com armas químicas. Tudo vale a pena porque a “democracia” não é pequena. E a classe média, aquecida em seus cobertores, esfrega as mãos e agradece pelo império fazer a defesa de seu castelo de sonhos, “o mundo livre”.

Esses mesmos falsos burgueses, que pensam estar seguros com seus planos de saúde, agora se levantam contra a vinda dos médicos cubanos. Acreditam na revista Veja. Creem firmemente que essa gente solidária nada mais é do que um povo escravizado que teme desobedecer a Fidel.   Não sabem nada de Cuba, de sua história, da coragem de seu povo em estar há mais de 60 anos enfrentando o maior império da terra, e vencendo. Não sabem que na ilha socialista qualquer pessoa que queira, pode ser médico, engenheiro ou padeiro. Depende apenas de sua vontade. Não sabem que são esses profissionais que se formam na solidariedade ao caído, ao oprimido, que se deslocam para os mais terríveis lugares da terra unicamente para salvar e acolher. São esses jovens médicos cubanos os que estão no Haiti, curando feridas, enquanto os nossos jovens vão para lá de arma em punho, servir de cão de guarda ao império.

Agora vem essa polêmica por conta da vinda dos cubanos. De novo o véu da alienação. Ninguém se pergunta por que um país como o nosso, tão rico, tão cheio de bênçãos, precisa desses abnegados cidadãos? Se os médicos cubanos são aqueles que partem para os confins do mundo, onde a dor do outro é tão intensa que mais ninguém quer ver, por que precisariam vir para o Brasil? Que porcaria de país é esse que arrota caviar, mas precisa dos médicos cubanos, esses que vão aonde ninguém quer ir?  

Pois esse é um país no qual boa parte dos médicos sente nojo dos pobres, sente medo, sente asco. E por conta disso os deixam morrer nas ruas, sem ajuda. Ou olham, sem sequer levantar da cadeira, uma pessoa ter um ataque do coração. Ou são aqueles que sequer levantam os olhos para o doente à sua frente num posto de saúde.  Os que não apertam a mão, os que não tocam, não examinam, não reconhecem o enfermo como ser humano precisando de consolo.

Esse é um país aonde os jovens recém-formados se recusam a ir para o interior, para os lugares longínquos, para as selvas, para as favelas, os bairros de periferia. Nem mesmo altos salários os comovem. Deve ser, portanto, um problema de origem. Talvez um problema de classe. Quem é que nesse país pode se formar em medicina? Como pode um jovem da periferia ser médico se o curso exige tempo integral e custa os olhos da cara, mesmo numa escola pública? Pois esse é um país que forma médicos, dentistas, engenheiros, na sua maioria de classe alta. É, portanto, bem diferente de Cuba, que incentiva e garante o ensino dessas profissões, e por ter tantos profissionais pode mandá-los pelo mundo para que ajudem quem nada tem.   
Assim que a vinda dos queridos irmãos cubanos para o Brasil, em vez de causar tanta indignação, deveria suscitar um alerta. Se temos tantos médicos como ficou parecendo nas passeatas dos “de branco”, por que não os encontramos onde eles têm de estar? Por que precisamos da ajuda dos cubanos, se eles estão acostumados a atuarem em lugares perdidos de toda a esperança, como os confins do continente africano, ou as aldeias andinas, ou os empobrecidos países do Caribe, como é o caso do Haiti? Em que medida o país do pré-sal, a quinta economia do mundo, se compara a esses tristes lugares onde só a solidariedade cubana é capaz de chegar?

Essas perguntas é que deveriam ser feitas por nós. O que é a medicina num país capitalista? Ela existe para salvar a vida, para dar conforto ou apenas para fazer girar a roda do lucro das farmacêuticas e dos mercadores da saúde? Por que não temos uma medicina preventiva? Por que não há médicos nos postos de saúde? Por que não estão eles nos hospitais, nas emergências, nas pequenas cidades do interior, no campo?  Onde se esconde toda essa gente que agora anda a vociferar nas ruas?

Sim, nós não deveríamos precisar dos médicos cubanos. Nossa juventude deveria ter acesso às escolas de medicina, de odontologia, de veterinária. Deveríamos formar milhares e milhares de profissionais da saúde, para que cuidassem das gentes de todo o país. Deveríamos ter universidades de massa, nas quais os filhos do povo pudessem se formar com qualidade. E qualquer guri, mesmo aquele que vive lá no interior do Acre, deveria poder fazer realidade o sonho de ser “doutor”. Mas, não é assim. Os médicos que temos são esses que vemos na televisão dizendo que se vierem os cubanos eles não vão ajudar quando eles errarem. Ou seja, que morra o vivente, apenas para provar que estão certos.

É certo que temos também muitos profissionais médicos que se assemelham aos cubanos, que dedicam suas vidas ao juramento que fizeram de cuidar, acolher, curar. Esses, sabemos reconhecer de apenas uma mirada. Mas, ainda são minoria. Para nossa desgraça, o que aparece são esses que vemos na TV a bradar contra os cubanos, mas não contra o estado de abandono que está a população. E é isso que torna tudo ainda mais sórdido. Porque pessoas há que lhes dão razão, e não são poucas. Essas mesmas pessoas que, portando um plano privado de saúde, acreditam estar a salvo. Não estão. Mas, ainda assim, compactuam dos preconceitos, dos absurdos, da alienação e da mentira.

Eu realmente não queria que os médicos cubanos viessem para cá. Queria ter um país que não precisasse dessa ajuda solidária. Mas, ocorre que, em alguma medida, e em tantos lugares, somos tão desprotegidos como os irmãos do Haiti ou de alguma longínqua aldeia africana. É certo que os médicos cubanos são só pessoas, não fazem milagres. Mas, não há dúvidas de que a medicina que se ensina e pratica na ilha caribenha se difere em muito da nossa. Ela pensa o ser como uma vida integral, alguém que tem nome, sobrenome, sonhos, esperanças. Não é um dado na ficha, um inoportuno, um zé ninguém. E é por conta disso que quero receber essa gente única com todo o amor que há nessa vida. Eles saem de suas casas para fazer o que nossos profissionais deveriam fazer. Rogo a todos os deuses que eles tragam, mais do que essa solidariedade abissal, também o germe da rebeldia, para que nosso povo possa compreender que já é chegada a hora de fazermos a transformação. E que a gente avance para um país que não precise dos cubanos, um país que possa ser ocupado por nós mesmos. Mas, para isso, haveremos de mudar a universidade, mudar o país, e sair desse sistema que mercadeja com a saúde e a vida.

Os cubanos podem até não salvar todas as vidas, mas, não duvido, eles serão capazes de segurar a mão do que padece e dizer: “não tema, eu estou aqui”. Porque são feitos de outro barro. Socialista.


Uso indiscriminado de remédios em crianças

São cada vez mais frequentes os casos de medicalização de crianças com remédios que melhoram a atenção ou fazem com que elas fiquem mais concentradas. Um desses remédios é a Ritalina, quase uma epidemia nacional. No Programa Campo de Peixe, que levamos ao ar todos os sábados, na Rádio Campeche, conversamos com a psicóloga Ana Claudia de Souza sobre o assunto.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Ariano Suassuna: um brasileiro de valor

Em passagem pela cidade de Florianópolis, o escritor Ariano Suassuna concedeu entrevista ao professor Nildo Ouriques, do Iela. Na conversa Ariano fala da cultura brasileira e do seu trabalho.

 

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

O Egito e a destruição


A lógica da "democracia" cantada em verso e prosa pelo mundo ocidental chegou ao Egito com a queda de Mubarak.  O povo foi às ruas, denunciando a ditadura, exigindo direitos. Muita gente morreu por isso, antes, durante e depois das grandes lutas. Obviamente havia a necessidade de mudanças e o povo egípcio as queria. Mas, como sempre acontece, a mão da "democracia" ocidental logo se fez notar, com ajuda financeira, logística e política. O exército egípcio, ainda eivado de remanescentes do velho regime, foi quem preparou a transição. E foi preciso mais luta e povo na rua para que eles soltassem o poder, realizando finalmente as eleições.

Saídos de uma longa ditadura, os lutadores egípcios tiveram de se deparar com uma eleição nacional  que exigia organização em todo o país. Muitos grupos políticos não conseguiram lograr essa articulação, que exigia tempo e dinheiro. O resultado foi que os mais votados acabaram sendo o representante do velho governo, por razões óbvias, e o da Irmandade Muçulmana, que acabou eleito. Ocorre que a Irmandade sempre esteve organizada nacionalmente e ainda contava, em cada povoado, com a ajuda vinda das mesquitas.   As forças que alavancaram a luta por mudança ficaram à margem.

Vencidas as eleições pelo representante da Irmandade Muçulmana, as coisas pareciam caminhar no rumo de uma abertura política. Mas, passado um ano de governo, o presidente Mursi decidiu fazer mudanças na Constituição, incluindo leis baseadas no livro sagrado dos muçulmanos. Isso acirrou alguns grupos seculares que queiram ver o Egito avançar para um estado laico.

Segundo o jornalista inglês, Roberto Fisk, a violência desatada na última semana no Egito cria um fosso imenso na sociedade, podendo levar a uma longa guerra civil. O golpe de estado aplicado pelos militares destruiu todas as esperanças de ver o país avançar. Para boa parte dos egípcios, os muçulmanos chegaram ao poder de forma limpa. Não há motivos plausíveis para o golpe. A irmandade tem sobrevivido no Egito, ora apoiando a ocupação britânica, ora apoiando o exército local. Agora, está de novo na berlinda, mas tendo já ocupado um espaço de poder que pôde ser bem articulado nacionalmente.

O fato é que o destino do povo egípcio está por se cumprir, agora cindido em lutas internas. Muçulmanos incendiaram igrejas cristas, e existem muitas no Egito. Cristão se armam contra os muçulmanos. Abriu-se uma chaga dentro da lógica da religião, o que torna também o processo ainda mais complicado, uma vez que as duas religiões sempre conviveram numa certa paz. Há organizações novas, buscando mudanças e muitas das suas lideranças certamente perecerão nos protestos que têm sido violentamente esmagados. Os mártires já se contam aos milhares. É muita violência. E, como pano de fundo, assomará cada dia mais a ideia de que os árabes, a saber os muçulmanos, são potencialmente "terroristas". Tanto que o exército que perpetrou o massacre contra o povo, acusa a irmandade de fomentar a resistência e levar seus filhos à morte. Uma inversão total dos valores.

Estive no Egito quando se completava um ano da revolução. Havia esperança, orgulho. Os filhos do Egito estavam dispostos a dar sua vida para defender a liberdade nascente e para defender seus tesouros culturais. Abaixo segue o depoimento de um desses lutadores sociais, Ibrahim, que é também guia turístico. Ele dedicava parte do seu dia - assim como outros colegas - a cuidar dos museus e das bibliotecas do país, para evitar que as riquezas fossem roubadas. Segundo ele, nesses momentos de crise e violência, os ladrões que surrupiam os tesouros antigos são justamente as autoridades oficiais, e não o povo. São essas atitudes, de cuidado com o país, que nos levam a pensar sobre o terrível destino que aguarda toda essa gente que sonha com a autonomia.