Alzheimer/Velhice

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Levanta povo indígena! Levanta povo de luta!


A investida contra as comunidades indígenas está recomeçando com bastante violência no Brasil. Recentes acontecimentos como a completa indiferença do governo diante da luta das comunidades atingidas por Belo Monte ou a destruição do Santuário dos Pajés na região de Brasília mostram que a fúria dos grandes empreendimentos pretende passar o rodo sobre qualquer obstáculo que se interponha entre seu desejo de lucro. Essa não é uma atitude nova, mas, agora, parece que está tomando maior furor, como o que se registrou em Mato Grosso, com o assassinato e o sequestro do corpo do cacique Nísio Gomes, da comunidade Guarani.

Desde a invasão de Pindorama que os indígenas vêm sendo dizimados. Como os que habitavam essas terras não estavam organizados em cidades ou civilizações, como foi o caso dos Maias, Astecas e Incas, ficou bem mais fácil atuar na lógica do genocídio. Toda e qualquer comunidade que estivesse no caminho dos “colonizadores”, era imediatamente passada pelo fogo dos arcabuzes, uma vez que não se rendiam à escravidão. Isso foi sistemático até o início do século XX. Os primeiros assassinos de índios foram os bandeirantes, que eram as tropas mercenárias da ocupação, depois, com a chegada dos imigrantes, eles mesmos foram autorizados a darem cabo nos “selvagens” que atrapalhavam a instalação das cidades e do progresso. Foi só no século XX que o Brasil iniciou uma nova política indigenista, comandada pelo Marechal Rondon, que tinha como diretriz, dominar sem matar. A proposta das incursões comandadas por Rondon era a de estabelecer a paz, integrar o índio à sociedade brasileira e abrir ainda mais as fronteiras.

Inegavelmente a obra de Rondon foi um avanço diante do extermínio sistemático, mas ainda assim, a lógica de confinamento em reservas ou a absorção dos indivíduos numa sociedade racista e excludente não se constituiu a melhor solução. Até porque, todo o debate sobre onde deveriam ficar os indígenas não respeitou a ocupação original e muitos foram desterrados de seus lugares de origem, ocasionando a perda de parte de sua cultura e identidade.

Hoje, os indígenas brasileiros seguem lutando pelo direito básico a terra. Grande parte das comunidades não tem seus territórios demarcados e as pessoas vivem praticamente como prisioneiras em campos de concentração, tuteladas pelo governo que pouco lhes dá. Tudo isso tem levado os povos indígenas a longas batalhas para recuperar seu território, sua cultura e sua forma de organizar a vida. No geral, a luta não consegue ultrapassar a busca do prosaico direito de comer, tamanha é a indigência das políticas governamentais diante do tema.

Não bastasse todo esse processo de tutelagem/abandono que, na prática, acaba segregando, as comunidades ainda cometem o terrível “crime” de viverem sobre terras muito ricas, o que os torna presas sistemáticas dos grandes projetos nacionais públicos ou privados de “desenvolvimento”. Hoje, no Brasil, são 546 áreas indígenas que congregam mais de 330 mil almas, num total de 170 línguas. A maioria vive enredada em conflitos causados por especuladores, pistoleiros, jagunços. A tenebrosa batalha pela demarcação da Raposa Terra do Sol é um exemplo concreto de como a nação vê a demanda indígena pela terra. Com declarações estúpidas como: “para quê índio precisa de tanta terra?”, os empresários e fazendeiros de rapina vêm lutando para barrar essa vitória. E assim, sucessivamente acontece em todos os espaços onde vivem os indígenas.

No Mato Grosso do Sul não é diferente. Lá vivem atualmente mais de 28 mil índios de 38 etnias, com indícios de mais nove povos ainda não contatados. Segundo Flávio Machado, coordenador regional do Cimi, ali se concentra a segunda maior população indígena do país e a que vive em pior situação, uma vez que 98% dela está confinada em pequenas reservas que representam apenas 0,2 do território estadual. Toda essa gente vive acossada pela especulação imobiliária, pelos fazendeiros, pelos grandes empreendimentos. A morte do cacique Nísio era mais uma dessas mortes anunciadas que acontecem todos os dias no âmbito da luta pela terra. Porque ele era um lutador, assim como toda sua gente. O Mato Grosso do Sul é um estado que está na linha do desejo do agronegócio e tem as terras mais produtivas do país. Para aquele estado estão planejadas 30 novas usinas de açúcar e álcool, daí a cobiça dos fazendeiros que querem apostar na monocultura sem risco.

Os conflitos de terra na região remontam ao ano de 1983, quando foi morto o cacique Marçal de Souza, no processo de retorno para as terras originais que havia sido iniciado pelos indígenas. Desde aí, o estado do Mato Grosso do Sul passou a ser uma zona de massacre sistemático. Há dois anos foram assassinados dois professores que viviam em área indígena, assim como há dois meses outra morte foi registrada na mesma área, isso sem contar as ameaças de todos os dias. Tudo isso é feito por um grupo paramilitar que, segundo o Cimi, já foi reconhecido até pelo Ministério Público, uma vez que os ataques são bastante semelhantes, assim como as balas encontradas na região do crime. Para se ter uma ideia do processo de violência no Mato Grosso do Sul, em oito anos foram assassinados 452 índios no Brasil inteiro, sendo que 250 foram no MS. Agora, numa demonstração de completo cinismo, os ruralistas da região exigem reunião com o Ministro da Justiça, porque não estão gostando de estarem sendo considerados suspeitos. Dizem querer justiça, o que no caso deles significa a desocupação das terras pelos indígenas.

A realidade dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul, assim como das demais regiões do Brasil, vive escondida sob o tapete da indiferença e da impunidade. Os meios de comunicação só falam de índio no dia 19 de abril ou quando ocorre uma desgraça. Ainda assim, as reportagens totalmente descontextualizadas não ajudam a que a gente possa fazer uma reflexão crítica sobre a situação real das comunidades. No geral permanece o preconceito criado pelos brancos de que os indígenas são preguiçosos e atrapalham o progresso da nação.

A morte do cacique Nísio Gomes não é uma tragédia pessoal. Ela representa uma tragédia coletiva vivida sistematicamente pelos povos originários dessas terras desde a invasão em 1500. Compreender isso e atuar em consequência é tarefa urgente dos sindicalistas e militantes sociais de todas as áreas. Já basta de impunidade e de tutela. É hora de as nações indígenas terem seus direitos garantidos e desde aí, avançar para a soberania. Nossa tarefa é juntar forças e caminhar junto com o povo indígena nessa grande batalha que haverá de ter um fim.

domingo, 20 de novembro de 2011

Virada à direita: os desafios da Espanha em crise

A cidade de Madrid é um espaço urbano com todas as mazelas da grande metrópole. Apesar da relativa segurança que permite o povo de andar pelas ruas mesmo pela madrugada, é fácil perceber a concretude da crise que se abate por quase todos os países da Europa. Entre os jovens há um tremendo pessimismo a ponto de muitos deles estarem vivenciando sua diáspora, abandonando o país em busca de melhores espaços para ganhar a vida. “Não temos casa, nem emprego, nem futuro. Por isso nos resta apenas duas opções, ou sair ou lutar. Alguns já se foram e a gente está aqui, resistindo, buscando mudar as coisas”, afirmava um dos indignados, na passeata de domingo, 13 de novembro. Essa angustia de um futuro não sabido também aparece no número elevado de moradores de rua, coisa que até bem pouco tempo era uma exceção. Agora, por todas as ruas, ali estão os desalojados, dormindo sobre folhas de papelão, e em cada bar do centro da cidade peregrinam os pedintes em busca de moedas e pão.

A crise que consome o povo espanhol não é nova, mas só começou a aparecer a partir da luta dos despejados do setor imobiliário. De repente, por conta do não pagamento das hipotecas as famílias foram obrigadas a abandonar as casas e os apartamentos financiados junto aos bancos. O trabalho escasseou, a economia desacelerou e o dinheiro sumiu. Sem casa e ainda com uma dívida enorme para pagar, as pessoas decidiram lutar e foi aí que começaram as marchas e os protestos dos desalojados. Esse movimento colocou à nu uma situação que se escondia sob a velha cantilena da mídia que anunciava serem esses manifestantes apenas caloteiros de plantão. Quando o banco começou a bater na porta, as pessoas foram se dando conta de que isso poderia passar com qualquer um e que a falta de pagamento não era por safadeza ou preguiça, mas porque o emprego havia sumido. Hoje, na Espanha, a cifra de desempregados passa dos cinco milhões, o que representa 20% da população ativa.

A vertiginosa escalada da luta dos desalojados encontrou guarida no movimento “juventude sem futuro” que já se articulava em várias universidades do país. Saídos da faculdade os jovens viam suas possibilidades de emprego se desmanchar no ar e o Estado, antes benfeitor, já não lhes garantia qualidade de vida. Era preciso fazer alguma coisa. Enquanto isso, no mundo árabe, iniciavam as revoltas por democracia, tais como em Túnis e no Egito. As praças se enchiam, as gentes se levantavam em rebelião. Foi o estopim para que as gentes espanholas espremidas pelo sistema capitalista em crise decidissem fazer sua própria luta. Assim, os desalojados, os jovens sem futuro, os militantes sociais de outros movimentos que desde há muito vinham organizados foram para a praça. Só que aí já não estavam mais sós. Juntaram-se a eles multidões de indignados. Pessoas que tinham um grito guardado na garganta e que viam que era hora de soltar. “Foi uma coisa muito incrível porque a gente, que estava sempre nas lutas, quando ia para uma marcha já sabia quem ia encontrar. E de repente, a gente não conhecia ninguém. Era uma maravilha”, conta Érika Gonzáles, da organização Paz con Dignidad.

Uma dessas manifestações acabou sendo violentamente reprimida pela polícia, o que levou ao fortalecimento do movimento. O povo decidiu resistir e acampar na Praça do Sol. Nascia assim, para o mundo, a batalha dos indignados e para os espanhóis, o movimento 15-M, uma alusão à data do embate com a polícia, 15 de maio. O acampamento seguia a lógica já vitoriosa em outros países, com assembleias gerais decidindo tudo na democracia direta. Foi um processo de profundo aprendizado, tanto para os que já andavam na luta em outros movimentos como para os que nunca haviam participado de qualquer ação política. “O acampamento acabou porque era muito difícil tocar a vida, o trabalho e tudo mais. Além disso, era igualmente muito dificultoso intermediar a luta política que ali se fazia com a presença de pessoas drogadas ou em sofrimento mental que acabam se acercando do acampamento. Precisávamos de gente capacidade para lidar com isso e não tínhamos. Mas foi uma experiência muito rica, até por isso. Tínhamos de nos enfrentar com todos os medos e preconceitos”, conta um dos manifestantes.

De qualquer forma, mesmo sem o acampamento, o 15-M decidiu manter assembleias nos bairros e elas acontecem todas as semanas tentando organizar as pessoas e apontar propostas de luta. Da mesma forma, as marchas também não param e acontecem geralmente aos domingos. Já virou rotina organizar a vida para participar cotidianamente da “mani”, como chamam, carinhosamente as manifestações.

Ainda assim, com toda essa efervescência nas ruas, a vida política ainda não conseguiu organizar novas forças de transformação. No último domingo (20/11) aconteceram as eleições gerais e o que se vê é muito pessimismo entre o povo. Os dois candidatos que disputavam os primeiros lugares das pesquisas não merecem crédito dos manifestantes do 15-M. O PP, que representa a direita é rechaçado e o PSOE, da socialdemocracia é responsabilizado pelo que acontece hoje. O que se percebe é que os setores que já vinham organizados seguem no rumo dos partidos de esquerda, como a Esquerda Unida (levou apenas um milhão de votos). No geral são pessoas politizadas e que levam longa data em partidos, sindicatos ou movimentos organizados. Sabem muito bem o que querem. Mas são poucos. A maioria dos manifestantes, que gritam “não nos representam”, preferem desconsiderar o processo eleitoral. Acreditam que qualquer um que ganhe não garantirá a melhoria da vida. Preferem o voto nulo ou não votar. Uma pequena parcela aposta na construção de alguma coisa nova, que vingue em algo como o poder popular. “Esse tempo todo de democracia representativa já mostrou que os políticos não ouvem o povo. Temos de garantir que nossa voz seja ouvida e nossa vontade atendida. Isso só com outra política”.

Ocorre que esse caminho da construção do novo é lento e a conjuntura apresenta tendências perigosas. As pesquisas de intenção de voto davam vitória ao PP, partido de direita, cujo candidato não mostra qualquer medo em dizer na televisão que vai ter de revisar as aposentadorias, que o povo vai ter de dar sua cota de sacrifício para salvar o país, que serão necessários os ajustes na economia, cortes no orçamento. A mesma ladainha já bem conhecida dos latino-americanos que passaram por processos semelhantes de aprofundamento das medidas neoliberais. Nesse sentido, cresce também o medo de que a crise, o desemprego e a desesperança leve o país a uma guinada conservadora e até fascista. Isso se expressa na fala de outro candidato, de outro partido de direita, que declarou estarem nascendo muitos Mohamades na Espanha e que isso precisa parar. Uma clara alusão aos migrantes, que já se contam aos milhares no país. Ivan Forero, colombiano radicado na Espanha, membro do movimento “Justiça por Colômbia”, conta que a pressão contra os imigrantes, que já era grande, agora tende a se agravar. “Temos a informação de que na Mauritânia está sendo construída uma espécie de prisão para encerrar qualquer um que, desde a África, tente passar pelos caminhos que levam à Europa. É uma nova versão dos campos de concentração, buscando evitar a entrada, para barrar o problema antes que ele se expresse. E tudo isso está sendo feito com a ajuda do governo espanhol”.

O resultado das urnas na eleição geral não foi diferente do que anunciavam as pesquisas. A Espanha votou pela direita e deu maioria ao PP (quase 10 milhões de votos, 4 milhões a mais que o PSOE), que é quem deve agora comandar os destinos da crise. O medo dos protestos, das greves, das manifestações fez a população acudir ao discurso mais conservador, de “manutenção da ordem”. Coisa que parece paradoxal uma vez que a proposta de Mariano Rajoy (candidato vencedor) é fazer mais ajustes, cortando 18 milhões de euros do orçamento, e iniciar uma reforma trabalhista que certamente aumentará o desemprego, aprofundando ainda mais a crise.

Entre os que caminham nas marchas que enchem as ruas existe também um pouco de medo. Essa virada à direita leva ao autoritarismo, ao racismo, à discriminação. São esperados tempos muito duros. Mas, de qualquer forma, quem participa cotidianamente do 15-M acredita que o movimento massivo das ruas pode alterar a balança do poder. É por isso que lutam. O certo é que a Espanha inicia agora um novo ciclo e só tempo poderá dizer o que vai passar. Os indignados, os militantes sociais, os ativistas ecológicos, enfim, toda a gente organizada seguirá apostando na construção do novo. Que pode vir...